domingo, 20 de abril de 2025

Outros comportamentos femininos

Eu fui menina na década de 80. Haviam muitos comportamentos proibidos para mulheres. Nós não podíamos sentar de pernas abertas, jogar futebol, fazer movimentos que deixassem nossa calcinha à mostra, ficar sozinhas com nossos amigos meninos.

Minha irmã sempre foi avessa a regras. Ela participava de todas as atividades masculinas como jogo de bola de gude (biloca em outras cidades), corridas de carrinho de rolimã e até brigas físicas. Eu, mais nova, a acompanhava sob sua proteção. Há vantagens e desvantagens em ser a caçula.

Tínhamos um amigo no andar de cima do nosso apartamento que estava sempre conosco. Ele era seis meses mais velho que eu e ocupava um espaço enorme porque sempre esteve acima do peso aconselhável (dávamos outro nome para este fenômeno à época, hoje considerado preconceituoso) e sentava-se com as pernas muito abertas. Quando passeávamos de carro, isto se convertia em grande problema porque nós duas íamos espremidas quando estávamos os três no banco de trás.

Imagine!

Minha irmã se indignou um dia e ordenou-lhe que fechasse as pernas. Ele disse que precisava de mais espaço por ter pênis. Hoje, este comportamento masculino é apontado pelo movimento feminista como uma forma dos homens ocuparem mais espaço que as mulheres seja física, emocional, laboral, ou presencialmente. Por esta última forma, quero referenciar a propriedade que os homens dispõem de serem notados ao se apresentarem, falarem, contradizerem alguém ou algum argumento ou discurso simplesmente por estarem no mundo.

Nós, mulheres, precisamos nos esforçar muito em estudo, preparo e empenho para alcançarmos o espaço de fala que homens contam sem qualquer investimento específico, gratuitamente. Eles sequer o sabem. Muitas vezes, as demais pessoas não consideram o que dizem (sejam ouvintes homens ou mulheres), mas o palanque lhes é oferecido mesmo assim. Tenho convívio com vários homens que não se percebem enfadonhos mesmo quando a audiência (una ou grupal) olha para outros lados em sinal de desinteresse.

Este fenômeno de espaço garantido foi cunhado de menspreading. Há quem use o termo espaçoso para designar este comportamento.

Enquanto psicóloga/os escolares, podemos orientar adulta/os a propiciar espaço de fala a meninas e garantir-lhes o lugar. Esforçando-nos artificialmente a disponibilizar nossa atenção, orientar e demonstrar isto às demais profissionais sem protegê-las excessivamente, mas estimulando seu potencial argumentativo e sua inteligência.

Devemos também evitar censurar comportamentos outrora proibidos que se mostram inócuos e que têm por função reduzir o espaço feminino no âmbito social e doméstico.

Ao final de um recreio, eu voltava para minha sala após contato rotineiro com o grupo de professoras do turno em seu intervalo entre aulas. Passando pelo pátio da escola, me deparei com uma menina deitada de costas no chão com as pernas para cima em intenso movimento. Esperneava. Ela estava de saia.

Toda minha educação de fêmea humana brasileira saltou à minha mente, quando vi suas perninhas e, obviamente, sua calcinha. Assim que a censura ao movimento da criança veio à minha consciência, me contive. Elaborei qual ação minha seria mais propícia ao desenvolvimento saudável de minha estudante. Pensei "afinal, qual o objetivo do uso da peça íntima em meninas?". Seu corpo está fisicamente protegido, nenhum/a adulto/a além de mim a olhava e nenhuma criança a perturbava. Deixei-a livre e segui meu caminho. Logo depois retornei com receio de que outra pessoa a repreendesse por sua postura. Cuidei para que ninguém o fizesse.

Se pretendemos promover uma nova manifestação comportamental feminina, mais autônoma, mais autêntica, mais livre, com mais direito ao espaço público e direcionado ao brilho natural próprio individual, devemos nos atentar aos padrões em que fomos formatadas impedindo que maculem as expressões comuns da infância, que restrinjam o que nossas meninas são e/ou demonstrem propensões a ser.

Garantir a expressão feminina no mundo vai além de ouvir o que mulheres têm a dizer, de ler mulheres, de prestar atenção em discursos femininos mesmo que contrariem nossas concepções ou que discordemos deles, que estudemos o feminismo. É preciso permitir comportamentos que outrora eram proibidos às meninas, garotas, moças, adultas, idosas. É necessário dar espaço às mulheres, espaço que nós não temos ainda.

Comportamentos femininos

Durante um recreio comum, observei uma menina entrar na escola entristecida, chorosa. As lágrimas não lhe caíam, mas a mágoa era patente. Chamei-lhe, não respondeu. Seguiu seu caminho. Fui-lhe ao encalço. Esta criança (P.) foi-me encaminhada há dois anos devido ao seu comportamento viril. Este adjetivo já foi considerado masculino. Por que motivo ele seria exclusivo do gênero masculino, questionaram intelectuais feministas.

A virilidade se refere à pulsão na direção da atividade, da alegria, da realização, do movimento, força, vigor, coragem. Trata-se da energia necessária para a vida. Por que tais características se restringiriam apenas a homens?

Sempre protegi as crianças sob minha tutela quanto a seu modo idiossincrático de agir. Observei P. para compreendê-la e protegê-la do enquadramento geral proporcionado pela escola. Por tê-la observado atentamente, soube que havia algo muito errado com ela naquele momento.

Sentei-me ao seu lado. As profissionais da escola já se acostumaram com minhas intervenções nos corredores e não interrompem quando estou atenta a uma criança. Assim que iniciou seu relato ("É porque..."), as lágrimas lhe saltaram.

Sejam adultos ou crianças, jamais interrompo lágrimas por gestos, palavras, solicitações, interjeições ou expressões faciais. Quando eu não consigo entender a fala, informo que seu pranto é permitido e que terei tempo para ouvir tanto o choro quanto o relato. Quando sinto que o mais forte da emoção foi exposto, me movimento lentamente e ofereço lenços de papel quando disponíveis. Ao final de toda a conversa, levo as crianças para lavar o rosto no banheiro e assoar o nariz. Este movimento de limpeza apoia a reorganização da pessoa para retornar ao convívio social e às atividades cotidianas consecutivas.

P: -- É porque os meninos foram rudes comigo e não quiseram deixar eu jogar com eles.

V: -- Sim. Entendo seu choro. Como eles foram rudes, o que fizeram?

P: -- Eles jogaram a bola em mim.

V: -- Do nada?

P: -- Não. Eles estavam jogando vôlei e cortaram a bola em mim com força.

V: -- Eita! Mas onde você estava? Você estava jogando com eles?

P: -- Não.

Vemos que há uma incongruência aqui, certo?

V: -- Hum. Eu não entendi bem. Pode me explicar novamente?

Enquanto a criança explica, vai se conscientizando do que realmente houve porque tem que fechar o relato de modo coerente para que a outra pessoa o compreenda. Enquanto fala, elabora; enquanto elabora, se acalma; quando se acalma, explica melhor e compreende o que houve. Esta técnica que envolve a escuta plena, o acolhimento e a aceitação total da pessoa integralmente possibilita o ensino do afastamento da emoção, sua observação ativa e certa análise para posterior tomada de decisão consciente.

Após a explicação de P., fomos conversar com os meninos envolvidos. À vista da colega ao meu lado, a roda de pequenos se mostrou alerta. Depois da apresentação do caso, um dos colegas, o mais atento, pediu para explicar o que aconteceu. P. não estava jogando, mas andava no meio da roda atrapalhando a brincadeira. Eu os repreendi porque foram agressivos e a machucaram. E repeti nossa cantilena educativa: a violência nunca é justificada.

Os meninos pediram desculpas. Convidaram-na para o jogo e ela recusou.

Logo o recreio acabou, eu relatei o ocorrido sucintamente à professora enquanto ela retornava à sala de aula. P. me procurou. Disse que estava tudo bem e que havia pedido desculpas aos colegas. Oi? Foi agredida e pediu desculpas? Será que mesmo tão nova esta criança já se coloca no lugar de desculpar-se por ser magoada? P. explicou que, enquanto os meninos brincavam, ela passava e parava no meio da roda para atrapalhá-los propositalmente. Por causa do seu comportamento perturbador, eles começaram a jogar a bola nela de modo a retirá-la do lugar.

Mostrei-lhe o quanto seu comportamento de pedir desculpas aos colegas foi nobre porque houve um entendimento de causa e efeito por parte dela. Mesmo assim, pontuei, eles não poderiam tê-la agredido. Indiquei a importância de perceber-se implicante ou provocativa e evitar disputas, discórdias e agressões. Orientei sobre o lugar feminino de deslocar-se para o centro, ter a mesma importância que os homens e saber se defender e a/em quem buscar auxílio para manter-se íntegra.

Este caso nos mostra o que um tempo curto oferecido a uma criança pode gerar em desenvolvimento para ela, para nossa experiência laboral e para a ciência. P. extrapolou o que eu lhe ofereci e me retornou com um aprendizado apurado.

Este atendimento de minutos gerou uma aproximação carinhosa e respeitosa entre mim e esta estudante. Ela é talentosa em vários sentidos, mas tem desenvolvido compaixão por outras pessoas de uma linda forma.

É muito bonito acompanhar o desenvolvimento de crianças em seu ambiente natural.


sábado, 5 de abril de 2025

Sobre luto

    Por mais que estudemos as emoções humanas para sabermos como acolher quando elas acometerem a/os nossa/os clientes, não existe nenhuma preparação possível para evitar a potência de seu arrebatamento seja em nós mesmas, seja em outras pessoas.

    Perder um/a estudante é algo impactante. Mesmo pessoas que não conviveram diretamente com aquela criança são tomadas pela tristeza. Sempre pensamos na família que perdeu um ente. E a morte de uma criança parece provocar um luto ainda mais pungente. O substantivo pesar é muito adequado.

    O arrebatamento da notícia de morte retira a energia direcionada à ação. Existem muitas coisas que precisam ser feitas, mas o ensimesmamento toma conta de nós. Esta reação de não-reação faz todo o sentido na economia emocional humana, principalmente em nossa cultura. Ficar conosco mesmos, vivenciar esta emoção ruim, esta tristeza é importante para que consigamos superá-la mais rapidamente. Entrar em contato com a dor da perda é imprescindível porque evitar lidar com este sofrimento, também evita sua superação, o aprendizado, a experiência. E uma vivência ruim impinge à esquiva. É importante que nós tenhamos coragem de vivenciar cada experiência.

    Quando estamos em uma escola, toda/os a/os adulta/os precisam estar presentes para auxiliar as crianças que ainda não entendem o que significa uma perda. Cada pessoa tem a sua vivência e, a partir dela, irá experimentar a situação de forma diferente. Cada professor/a vai receber e mediar o sofrimento de suas crianças de forma única. As crianças vivenciam o luto de um modo menos intenso que a/o adulta/o, menos doloroso porque têm menos tempo de vida; não têm ainda condição de entender o quão profunda é uma perda permanente; a comparação necessária para uma compreensão da extensão do ocorrido ainda não tem seu lastro. Com isto não quero dizer que ela não sofra, mas, assim como com a passagem do tempo, as crianças têm pouca experiência para compreender o que a perda de uma vida tão precocemente significa para a comunidade inteira. Quem é adulta/o terá compaixão dos entes familiares, da mãe principalmente, da professora, das colegas mais próximas da criança falecida. É bastante provável que uma criança não tenha toda esta dimensão de pesar. Ainda assim, todo o grupo de estudantes precisa de apoio.

    Nós estamos vivendo esta situação em nossa escola neste momento.

    Eu, enquanto psicóloga escolar, sofri a perda desta criança de sete anos. Eu me coloquei no lugar de acolher todas as pessoas que estavam presentes quando recebemos a notícia e sustentar a direção da escola quanto às providências necessárias que uma morte envolve: elaboração de um texto para informar a comunidade escolar, comunicação do ocorrido à/os colegas em desempenho de suas atividades normais, apoio à decisão de suspensão das aulas, acolhimento das colegas em suas demonstrações emocionais, identificação de situações críticas como a impossibilidade de prosseguimento em aula por parte de algum/a docente ou percepção de resistências quanto ao arrebatamento provocado pela notícia em si mesma, atenção ao grupo de crianças que tinha contato com a ausente mesmo não sendo de sua turma, preparação de atividade para acolher a emoção das crianças da turma que sofreu a perda de um ente com a permissão da expressão da ausência da estudante perdida da forma própria de cada um/uma, proteção que emoções desnecessárias atinjam as crianças, atenção para arrebatamentos por profissionais em relação à/os estudantes que permaneceram, acolhimento das famílias envolvidas ou impactadas pelo luto ou pela notícia.

    Uma morte em uma escola, a morte de um/a estudante é possível acontecer porque a finitude é um fenômeno da condição humana. Eu afirmo comumente que nós precisamos estar preparadas para eventos, mas uma morte numa escola é algo pungente e não existe preparação possível para um evento de tal monta.

    Enquanto estudamos psicologia organizacional, não analisamos as possibilidades de lida com o luto por perda de colegas de trabalho. Entretanto é possível que ocorra. Quais são as possibilidades de atuação por parte de um/a psicóloga/o em uma organização? Uma alternativa é se mostrar aberta/o para acolher a dor da/os colegas que ali estão, se disponibilizar estando atenta/o à própria emoção, vivenciá-la como é possível. Às vezes, a forma possível é se blindar e esperar o melhor momento para viver a sensação posteriormente, na própria terapia ou em um momento de tranquilidade fora do trabalho. Pode ser que a/o profissional desabe ali na frente da/os colegas e, na sequência, consiga acolher a/os demais, após vivenciar com intensidade a sua dor. É importante que nós tenhamos este espaço de humanidade. E, se as pessoas não compreenderem que nós somos humanas como elas, paciência. Também é possível que nós façamos as duas coisas ao mesmo tempo: que expressemos o nosso sentimento e acolhamos simultaneamente. Há quem se feche e não experiencie a dor. E quantas outras possibilidades pode haver que não me vêm à mente no momento. Encaminhamentos podem ser feitos enquanto vivenciamos a morte de um colega no ambiente de trabalho. É possível que percamos alguns sinais de dor em nossos colegas. Pode acontecer ainda que tenhamos ideias excelentes quando o momento de agir passar.

    Quando a finitude acontece com uma criança, as nossas crenças podem ser abaladas. Enquanto servidoras públicas, nós não podemos oferecer para a/os nossas/os estudantes uma justificativa que tenha cunho religioso. Isto porque a nossa instituição é proibida de se valer de argumentos desta ordem. Podemos afirmar que a vida contém a morte. Apesar de parecer simples, uma confusão pode se apresentar em um momento questionador por parte de si mesma/o ou por parte de um/a infante. A resposta pessoal surge de forma espontânea e invade o discurso. Esta vigilância precisa estar presente para evitar que incorramos em condutas ilegais considerando a laicidade do Estado, do qual somos agentes. Lidar com o insondável, o intransponível da morte, o limite que este fenômeno nos impõe faz com que a nossa empáfia de humanos – de sermos fortes, de conseguirmos nos adaptar a qualquer lugar, de estarmos presentes em todos os ambientes da superfície do planeta – seja menor, se restrinja. A finitude nos mostra que nós não somos deusa/es, que nós fazemos parte da Terra e que talvez não sejamos importantes. Nós não conseguimos perceber que nossa permanência se faz pela espécie a qual pertencemos. Passamos por muitas dificuldades durante nossa existência enquanto espécie, mas continuamos mesmo sendo tão frágeis. Eu repito este pensamento sobre a fragilidade humana. A fortaleza de nossa espécie passa pela alta adaptabilidade, mas nós não somos fortes o bastante para permanecermos individualmente.

    Encarar a finitude de um ente de nossa espécie induz a percepção da nossa delicadeza e provoca a humildade individual. Este substantivo tem o mesmo radical da palavra humano: humus, pó, terra. Impermanência. E ao mesmo tempo permanência porque tudo o que morre alimenta o que está vivo e o que viverá futuramente. Este pensamento é belo. Se nós conseguirmos alcançar esta beleza talvez nós consigamos superar a grande tristeza que a finitude nos impõe. Em momentos de acolhimento, famílias de estudantes indicaram suas reflexões acerca da valorização de suas crianças, de momentos de comunhão, a necessidade de reduzir o ritmo de vida tão agitado da modernidade para estar mais próximas de amiga/os, de vivenciar momentos simples sem pretensões, objetivos ou obrigações.

    Neste momento de dor, seria bom ter uma crença que pudesse justificar a perda de uma criança de sete anos. Uma linda menina doce, inteligente, gentil, amada, engraçada... e, mesmo que fosse peralta ou de comportamento difícil, de temperamento hostil, a dor que sua ausência nos provoca é indizível.

    Viver um luto neste momento me fez refletir sobre o risco que corremos durante o isolamento físico. No auge da pandemia de covid-19, nós não perdemos nenhuma criança, nenhuma colega de trabalho. Eu cheguei a pedir a uma família que não trouxesse o filho que estava no grupo de risco de morte por covid-19. Solicitei que mantivessem a criança em casa porque minha equipe não tinha condições emocionais de lidar com o sofrimento advindo da perda de uma criança naquele momento devido ao próprio abatimento que o isolamento nos impunha. Hoje, vivendo este luto, eu fico mais segura de ter feito a escolha certa por ter solicitado a conduta de resguardo àquela família.

    Nós estamos conseguindo passar por esta dor, tivemos muita sorte por estar em campanha salarial que promoveu uma paralisação dos trabalhos de toda a rede pública de ensino no dia subsequente ao falecimento de nossa estudante. Isto nos deu uma pequena pausa para nos prepararmos para o acolhimento da turma de nossa criança morta, nos permitiu um tempo para estarmos conosco mesmas e elaborarmos minimamente nossas emoções para suportarmos as expressões da/os colegas de turma da nossa estudante de forma íntegra.

    A elaboração de um falecimento é pessoal e intransferível. Ela precisa ser feita. Por isto é contraproducente fugirmos da emoção. É importante permitir que cada pessoa, incluindo as mais novas, faça a sua elaboração.

    O acolhimento que oferecemos intencionou a expressão de todos os indivíduos com máximo respeito a suas propensões pessoais: choro, a expressão mais básica, sem elaboração; fala, conforme sua convivência com a ausente; escrita, seja com elogios, com pedidos ou desejos, palavras ou frases; desenhos, considerando a intensidade de cada demonstração de afeto. Às crianças, foi oferecido um ritual muito simples sugerido por uma das mães de estudante da turma: a soltura de balões brancos no pátio externo da escola. Unimos a expressão das crianças através de um registro escrito ou desenhado amarrado aos fitilhos das bexigas. Às mães e pais, convidamos para uma roda de livre expressão nos horários de saída de aluna/os nos horários matutino e vespertino com participação espontânea. Às professoras, abrimos o espaço de escuta costumeiro em reunião semanal.

    Possibilitar a demonstração do pesar para a comunidade escolar foi o objetivo de nossas ações com cada seguimento. Desta maneira, oferecemos caminhos de elaboração para a coletividade envolvida como forma de atingir a pacificação emocional de modo breve e seguro.

    Devo acrescentar a fundamentação teórica possível ao se tratar de um assunto tão devastador como a morte e o luto. A psicologia hospitalar tem tratado destes temas posto sua proximidade com os momentos finais. O luto tem fases com sequência mais ou menos fixa. Podemos auxiliar nossa comunidade indicando emoções que se sucedem em relação à perda sentida de forma a evitar sustos no manejo das emoções.

    Este tema lúgubre precisa ser estudado com mais atenção por psicóloga/os escolares porque temos vivido uma epidemia de suicídio desde a segunda década deste século. Tal fenômeno tem sido observado em nossas escolas de ensino médio principalmente. A quantidade de casos é tamanha que a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal disponibiliza protocolos a serem observados por e com escolas que apresentem tais casos. Estas ações são denominadas de posvenção ao suicídio.

    Também é necessário cuidado para não espetacularizar o fenômeno final. Como estamos enfrentando uma epidemia de autoextermínio, qualquer vantagem ou exposição elogiosa pode se tornar um incentivo ao ato extremo. Adolescentes tendem a agir de forma muito impulsiva e costumam ter autoestima rebaixada devido à transformação corporal e à supervalorização do grupo de pertencimento.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Sensibilização Antirracista

        A busca por embasamento teórico e experiencial para orientar a comunidade escolar a qual sirvo me nutriu com excelentes palestras, textos, livros, programas de entrevistas e narrações, músicas, romances. Estudando, me percebi envolvida na dor do passado e do presente de grande parte da população do nosso país. Durante a leitura de O Racismo e o Negro no Brasil[1], tive a ideia de usar algumas frases impactantes para provocar a conscientização das minhas professoras quanto ao racismo cotidiano. Comecei a marcar trechos dos textos que estudava para apresentar às professoras via aplicativo de mensagens para celulares WhatsApp.

Pensando em qual fundo poderia utilizar para dispor os trechos, escolhi uma foto da copa de uma árvore em dia de Sol que eu mesma tirei. A substituição constante e sutil que ocorre das folhas me suscitou a possibilidade de supressão do racismo a partir do entendimento do fenômeno, a conscientização de seu mecanismo, a identificação de suas manifestações, a percepção de ações racistas em si mesmo/a com ampliação para palavras e pensamentos, passando a autovigilância para evitar atos racistas e chegando a ação antirracista, a defesa de pessoas sofrendo racismo. Esta foto foi utilizada como fundo das frases escolhidas e foi mantida ao longo de toda a execução do projeto como marca de identificação.

                         Foto da autora.

Todos os textos foram escritos por intelectuais negro/as. Assim, eu estaria conservando o protagonismo e oferecendo público para ele/as.

Solicitei autorização das editoras para utilização dos textos e as consegui mediante referência em cada postagem.

Enquanto este processo acontecia, eu li Memórias da Plantação de Grada Kilomba. A força desta obra me levou a associar sua leitura às postagens semanais dos trechos de textos. As leituras seriam feitas por mim nas reuniões de coordenação coletivas semanais das professoras, para a/os servidore/as da alimentação e de manutenção e limpeza abarcado o máximo de servidores da escola possível.

Os trechos escolhidos foram retirados dos textos listados a seguir:

As ambiguidades do racismo à brasileira de Kabengele Munanga1;

Dessemelhanças e preconceitos de Heidi Tabacof1;

A violência nossa de cada dia: o racismo à brasileira de Maria Beatriz Costa Carvalho Vannuchi1;

Racismo no Brasil: questões para psicanalistas brasileiros de Maria Lúcia da Silva1;

Pele negras, máscaras brancas de Frantz Fanon.

Os parágrafos destacados mostram a força dos trechos veiculados semanalmente para a comunidade escolar:

“Somos todos, brasileiros, tanto brancos como negros ou de qualquer outra coloração, afetados pelos crimes do passado e os atuais. Mas, como pensar os efeitos mortíferos do pensamento racista sobre a subjetividade dos negros?” (Vannucci, p. 67)

E

“O judeu só não é amado a partir do momento em que é detectado. Mas comigo tudo toma um aspecto novo. Nenhuma chance me é oferecida. Sou sobredeterminado pelo exterior. Não sou escravo da ‘ideia’ que os outros fazem de mim, mas da minha aparição.” (Fanon, p. 108)

As postagens semanais foram feitas ao longo do ano com interrupção apenas no recesso de julho. A penúltima postagem trazia o texto vazio indicando o silêncio. O silêncio com que tratamos o racismo de nossas ações corriqueiras, automáticas, inconscientes. A última postagem, feita no dia 20 de novembro de 2024, pela primeira vez marcado como feriado nacional, trazia o seguinte texto:

“Nós não podemos calar sobre o racismo, pois ele viola o principal direito de pessoas negras: o direito de existir.”

No início da execução do projeto, em abril, uma das mães de crianças atendidas por mim, durante uma reunião de famílias, indicou a falta de protagonismo negro. Disse Silvânia Caribé que tratar apenas de racismo induz o sentimento de pena. Isto não valoriza as pessoas negras. Era necessário mostrar as contribuições de pessoas negras, expor figuras para as crianças da escola se mirarem, se inspirarem. Assim nasceu a terceira seção deste projeto.

Grandes intelectuais de renome internacional tiveram suas imagens e um resumo de suas biografias estampadas no portão de entrada da escola e, em seguida, colecionadas em um mural permanente denominado Personalidades Negras. Os cartazes com fotos coloridas impressas em papel A3 ficaram disponíveis à/os professora/es durante todo o período. As docentes foram incentivadas a indicar intelectuais para compor o projeto e trabalhar as figuras em suas aulas.

As pessoas retratadas foram Antonieta de Barros, Sueli Carneiro, Maria Felipa, Milton Santos, Nego Bispo, Lélia Gonzalez, André Rebolças, Luiz Gama, Abdias do Nascimento, Lia de Itamaracá. Estas fotografias foram colhidas na internet e permaneciam expostas no portão da escola por sete dias. Cada imagem foi substituída por outra personalidade ao final do período.

O objetivo do projeto Sensibilização Antirracista está contido no texto de Maria Lúcia da Silva: “A manutenção ou a superação do racismo no Brasil, e seus efeitos perversos, depende de uma decisão coletiva, que implica corresponsabilidade. O propósito de recordar essa história visa à elaboração, na busca de caminhos de superação.” (2017, p. 74)

Como resultado deste projeto, podemos indicar a identificação de situações de racismo por professoras brancas fora do ambiente de trabalho, identificação de constrangimento enquanto sofrimento causado por racismo por professor/a negro/a; desconforto apresentado durante as leituras; reconhecimento do próprio racismo por professoras brancas; identificação de situações de racismo entre estudantes por professoras; incentivo ao trabalho por parte de familiares de estudantes; queixa de textos ultrapassados por pai de estudante na reunião de famílias do 3º bimestre; silêncio e expressão facial indicativa de reflexão após a leitura dos textos de Memórias da Plantação durante as coordenações coletivas de professoras; solicitação de suspensão da leitura dos textos na primeira avaliação do projeto após quatro meses de execução.

Certamente que não houve superação de racismo por parte das pessoas envolvidas pelo projeto relatado. Os avanços correspondem à superação do silêncio a respeito de comportamentos violentos que permeiam as relações cotidianamente. Falar sobre o que ninguém quer falar, sobre o que é proibido tacitamente exige coragem. O eco esperado para se tratar das questões do racismo não se manifestou. Ninguém se declara racista sem sofrimento. E enfrentar o sofrimento de ser algoz se mostrou bastante intenso a ponto da solicitação de suspensão das leituras.

Contentei-me com a primeira menção de identificação de situação de racismo descrita por uma colega pedagoga. O título do projeto é realizado quando as pessoas pensam sobre o assunto.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Lidando com racismo institucional

 Em 2010, recebi o encaminhamento de uma criança para ser avaliada por dificuldade de aprendizagem. O menino não apresentava nenhum sinal de problema. Convoquei a mãe para aprofundar o estudo. Ao final de uma hora de entrevista, eu ainda não havia percebido qualquer questão que pudesse indicar uma pista para a superação do problema observado pela professora. Desfoquei o assunto da criança passando a tratar sobre a família e seu meio, como eram tratados pelas demais pessoas, quais eram suas dificuldades por serem negros.

A mãe baixou o olhar. Eu insisti. “Por favor, me ensine. Se vocês não disserem, nós não saberemos.” A mãe respondeu: “Quando eu passo, as pessoas puxam a bolsa.” Fiquei envergonhada. Pedi desculpas por trazer aquele assunto.

A partir desta entrevista, passei a prestar atenção nas pessoas nos ambientes em que me encontrava. Passei a censurar meus julgamentos, cuidar de minhas ações impensadas relacionadas a pessoas negras.

Em uma greve geral em 2016, durante a manifestação, recebi uma aula do professor João Nogueira sobre colorismo. “Quanto mais escura a pele, mais preconceito sofre a pessoa. Pessoas brancas não devem se dizer negras porque não sofrem discriminação.”

Em 2020, durante o isolamento físico devido a estratégia de enfrentamento à pandemia de covid-19, uma de nossas professoras solicitou apoio para atender uma mãe excessivamente rigorosa com o desempenho de seu filho. O menino tinha seis anos. A criança era uma das melhores da turma, participativa e alegre, socializava bem, mas mostrava-se ansiosa.

Por algum motivo que eu não sei precisar, eu não quis participar desta reunião. Informei isto às colegas. Durante aquela manhã, realizei todos os atendimentos agendados rapidamente. Ao buscar mais uma tarefa para fazer, entrei em um dos arquivos compartilhados no qual dispúnhamos os links de reuniões e cliquei no endereço disponibilizado para o horário.

Caí na reunião em andamento.

Eu não podia mais sair.

Todas as pessoas estavam com suas câmeras abertas. A professora falava de sua preocupação com a ansiedade da criança e sua percepção da ansiedade da mãe também. Estava explícito, pelas falas da mãe e da professora, que a mãe exigia do filho para que ele tivesse melhores oportunidades em sua vida quando adulto.

A docente e a mãe são mulheres negras.

A mãe se recusava a reduzir seu nível de exigência para com o filho.

Eu pedi a palavra. Pedi, com muita gentileza, que a mãe me interrompesse, caso sentisse que o dito por mim fosse inadequado. Afirmei que percebia as condições sociais de sua família como baixas e que ela se preocupava com o melhor desenvolvimento de seu filho. As colegas começaram a fechar suas câmeras. Perguntei se ela pensava que as oportunidades para o menino eram menores da de outras crianças. Ela assentiu. Eu comecei a lacrimejar. Questionei se ela entendia que sendo melhor na escola, seu pequeno teria mais condições de competir com pessoas brancas. A mãe mal conseguiu responder. Eu interpretei a ansiedade da mãe para as colegas como o resultado do preconceito racial sofrido pela mãe e sua exigência sobre o filho como uma proteção para enfrentar tal mal social. Informei às participantes que não podíamos orientar a mãe a agir de modo diferente, pois ela assim agia da melhor forma em benefício de sua família.

As colegas abriram suas câmeras com seus narizes molhados e olhos inchados. A reunião estava encerrada.

Eu conclui que não estava preparada para orientar famílias de pessoas negras.

A psicologia que aprendemos na faculdade é desenvolvida por e para pessoas brancas[1]. Durante meus cinco anos de formação, quase três de mestrado, vinte anos de formação continuada e experiência laboral, nunca tive uma palestra sobre cuidados diferenciados com a população negra. A forma de estar no mundo para pessoas negras é diferente da forma dos brancos e, por isto, as orientações psicológicas oferecidas para uma família negra não podem ser as mesmas que as indicadas para uma família branca. Fazer isto é escamotear a desigualdade racial e social que vivemos cotidianamente.

Por perceber isto, busquei por colegas negras que trabalhavam em outras escolas para me informarem sobre suas vidas, o que enfrentavam, como lidavam com as diferenças, como foram educadas, preparadas e protegidas por suas famílias. A primeira, uma professora jovem, afirmou que também estava pesquisando e que não podia informar quais autore/as buscar. A segunda, uma pedagoga de EEAA[2] não se sentia alvo de preconceito racial por ser filha de pai militar e sempre ter convivido entre iguais independente de cor de pele.

Iniciei uma busca frenética nas lifes que se tornaram tão frequentes durante o período de isolamento. Assisti à palestra de GOG para o colégio Centrão de São Sebastião. Ele falou sobre a forma de expressão possível das periferias: a música, o Rap.

Assisti a simpósios e conferências, inclusive ao I Congresso de Futurologia Negra. O/as intelectuais negra/os indicaram muitos expoentes em diversas áreas da ciência: Cida Bento, Franz Fanon, Suely Carneiro, Abdias do Nascimento, Milton Santos, Lélia Gonzalés, Grada Kilomba. Adquiri livros citados e estudei RAPs, programas de entrevistas, como Mano a Mano de Mano Brown; Vidas Negras de Tiago Rogero.

Os livros O Racismo e o Negro no Brasil, organizado por Noemi M. Kon, Maria Lúcia da Silva e Cristiane C. Abud e Memórias da Plantação de Grada Kilomba me provocaram muitas reflexões e um projeto de intervenção na comunidade escolar que denominei Sensibilização Antirracista.

A partir da minha experiência e do silêncio da escola sobre o assunto, das críticas que a/os autora/es traziam, eu entendi que é necessária uma ação incisiva.

Enquanto eu pensava em como discutir questões raciais na escola, uma mãe me procurou para solicitar intervenções porque sua filha estava sofrendo ataques racistas de estudantes na escola. Compreendi que urgia agir. Comecei a receber o grupo de meninas envolvidas nos assédios racistas fazendo-as se entenderem, se conhecerem, se aceitarem. Paulatinamente, fomos tratando de diferenças de religião (sim, houve ofensas envolvendo esta área), de classe social, de raça, de corpo físico.

O aprendizado que estas crianças me propiciaram me fortaleceu para eu enfrentar meus medos e realizar o projeto que já estava todo pronto para ser implementado.



[1] Bento, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

[2] O meu setor de serviço junto à Secretaria de Estado de Educação do DF.

Propiciando o desenvolvimento de pais

Estabelecer formas de participação de homens na criação das crianças é uma maneira de mudar o padrão de comportamento masculino. Se acreditamos que é imprescindível a presença ativa paterna para o melhor desenvolvimento humano, então é possível atuar para alterar as expectativas de conduta masculinas junto à/os filha/os. Fazemos isto dentro das escolas.

Convocamos pais ao invés das mães;

Responsabilizamos os pais pelas condutas das crianças;

Orientamos os homens quanto a sua ação perante as crias;

Usamos o poder psicológico[1] para impor a necessidade de sua presença junto às crianças;

Argumentamos e citamos pesquisas e teorias que indicam a importância dos homens junto à/os filha/os;

Chamamos os homens para tomar decisões e assinar documentos acerca da vida escolar de estudantes;

Perguntamos aos pais-homens quais são as dificuldades de seus filhos, sobre os comportamentos deles, suas preferências, seus interesses, que problemas de saúde têm, quais cuidados exigem.

Psicóloga/os escolares têm importante papel no estabelecimento de novas formas de conduta masculina perante a família.

Em 2011, convocamos uma família para entrevista com intenção de conhecer uma de nossas crianças com diagnóstico de autismo. Eu fiz questão que o pai do menino estivesse presente. A reunião foi marcada considerando seus horários. Durante a entrevista, minhas colegas se dirigiam apenas à mãe. Cerca de vinte minutos depois de perguntas sobre o comportamento e rotina da criança, eu tomei a palavra e me dirigi diretamente ao genitor. Ele ainda não tinha falado nada. O pai não soube responder sobre o filho e afirmava que sua esposa estava mais próxima, sabia mais ou tinha mais informações para decidir do que ele. Chegou a dizer que não tinha estrutura para lidar com uma criança com tal quadro. Que saída brilhante! Eu lhe falei que ninguém tem estrutura, conhecimento, condições nem experiência para lidar com o conjunto de sintomas que seu filho apresentava. E acrescentei que sua esposa também não tinha, que ninguém naquela mesa tinha, que eu não tinha. Todas naquela mesa estávamos aprendendo sobre o menino e nos ajudando mutuamente para propiciar o desenvolvimento dele. Sua presença real junto ao filho era absolutamente necessária e seu desconhecimento não era argumento para afastamento. Acrescentei que o mito do amor materno é algo inventado e imposto às mulheres para obrigá-las isoladamente ao cuidado maternal, isentando os homens de tal trabalho. Citei o livro de Elizabeth Badinter[2] como uma obra que derrubava tal mito.

Eis uma das formas de envolver os homens ativamente na criação das crianças.

Após anos observando as profissionais da escola convidando apenas mulheres para reuniões, se assustando com minhas convocações de pais, ouvindo colegas e mães narrando violências emocionais, físicas, sexuais, patrimoniais que os pais de seus filhos impunham a elas, pensei em fazer mais pela/os estudantes de minhas escolas.

Na sombra do crescimento de círculos do Sagrada Feminino, acompanhamos o interesse de homens em estudar a si mesmos e sua força interna, masculina. Os círculos consistem na reunião de mulheres estudando livros[3] que resgatam a força feminina proibida com o recrudescimento do paternalismo. Li Pais Ausentes, Filhos Carentes, João de Ferro buscando entender mais sobre masculinidade. Os círculos masculinos começaram a se formar e se desenvolver.

Por três anos, convidei terapeutas profissionais experientes em condução de grupos de homens para conduzir um grupo em uma de minhas escolas sem obter sucesso. Até que, em 2024, criei coragem e formulei um projeto para um grupo de homens.

Batizei o grupo de Paternagem para motivar os pais a participar trazendo o tema base para as reuniões. O texto que explicava a proposta está transcrito abaixo:

Esta reunião objetiva oferecer espaço de escuta, pertencimento e crescimento a homens da comunidade da escola, sejam pais, avôs, irmãos, padrastos, primos, vodrastos, tios, amigos de noss@s estudantes.
A sociedade está em forte mutação e os homens têm sido chamados a se transformarem. A escola oferece seu espaço físico para acolher os homens apoiando seu desenvolvimento pessoal e humano coletivamente.
A psicóloga escolar preparou encontros dos homens com muito respeito a suas individualidades.
As reuniões acontecerão nas primeiras quartas-feiras de cada mês, das 18h30 às 19h30, de forma presencial na sala 8 da escola. Encontros virtuais ou híbridos não acontecerão para resguardar a imagem e sensibilidade dos participantes.
As crianças poderão estar na escola conosco, mas não haverá servidores para cuidar de seu bem-estar ou apoiar nossa reunião. Resolveremos juntos como cuidaremos delas a cada encontro.
Este trabalho é exclusivamente para participantes homens.

Na primeira reunião compareceram doze homens entre pais e avôs.

Foi um sucesso total. Os homens realmente querem ter um espaço para si, querem saber o quê e como é ser um bom pai, mas, principalmente, querem estar juntos se desenvolvendo.

Os homens não chegaram no horário marcado para o início no primeiro encontro, chegaram aos poucos. A maioria não ouviu minha explicação de motivações e objetivos para a criação do grupo.

A minha presença foi explicada e a discussão se desenvolveu bem de forma fluida e participação de todos os presentes. Minha condução restringiu-se à garantia de fala para todos, a manutenção de foco no assunto acordado e a escuta de cada expressão verbal.

Devido a desatenção ao texto enviado no convite para a reunião e a impontualidade, muitos participantes não compreenderam o intuito do projeto. A quantidade de presentes nos outros encontros foi reduzida, as reuniões sempre rompiam o limite estabelecido de horário, o engajamento no tema sugerido era bastante, entretanto sem envolvimento emocional, subjetivo.

Foi possível perceber a necessidade dos participantes em trocar informações a respeito de sua atuação enquanto pai. Alguns já apresentavam resultados de sua aventura pela paternidade através de filhos adultos. Houve dificuldades em expor suas experiências enquanto filhos. Também aconteceu construções de alternativas conjuntas para problemas sugeridos. A criação e fortalecimento de laços também foi perceptível, assim como um forte receio de expressarem-se livremente perante a psicóloga.

Esta experiência trouxe a força, o aprendizado e a coragem inerentes ao inusitado da proposta. Particularmente, obtive muitas informações a respeito do mundo masculino, alguns de seus óbices próprios, possibilidades de interpretação de posturas e certezas de modo a fundamentar orientações às famílias e, principalmente, aos pais-homens.


[1] Vide Poder Psicológico neste blog (22/07/2009)

[2] Badinter, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[3] Mulheres que Correm com Lobos, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra, A Ciranda das Mulheres Sábias, Lua Vermelha, As Deusas e a Mulher, por exemplo.