domingo, 30 de agosto de 2009

Dificuldades de publicação e conhecimentos insabidos

A partir de algumas leituras e do nosso objetivo primeiro em criar este blog faz-se cada vez mais clara a necessidade que temos de produção científica e quais são as principais dificuldades para tal em nosso país.

Em primeiro lugar percebo a dificuldade que o idioma português impõe perceptível inclusive em nível oral. De modo particular a produção científica se faz a partir da experiência de professores universitários e não de profissionais da área. Este último corpo de profissionais tem em sua vivência diária a necessidade de resolver os problemas que surgem da realidade, de questões emergentes e que urgem solução. Desta situação surgem dois problemas que por isto mesmo são interligados: a literatura científica mostra-se deficitária para o profissional fim, posto a distância entre a realidade e o elaborador da teoria. A segunda questão é a desorganização ou não prioridade de tempo para publicar as experiências pelos profissionais em atuação fora da universidade. Há também, e é bastante impactante, a dificuldade que surge ao se publicar com termos científicos. As regras mudam de modo que os práticos não os acompanham e seus artigos, quando escritos, são barrados pelos editores de revistas.

Em psicologia escolar isto me parece bastante verdadeiro e pungente porque psicólogos são seres solitários em sua atuação. Muitas vezes não percebem que executam um bom trabalho e que ele pode auxiliar colegas. Quando buscam ajuda na literatura especializada não encontram respostas, mas cobranças e indicações que não casam com suas questões.

Muitas questões que tenho na minha atuação estão sendo respondidas na Psicologia Preventiva. Alerto para o fato de que em minha postagem Conhecimentos de Psicologia usados em Psicologia Escolar esta área do conhecimento sequer foi citada, dada a minha ignorância pela referida seção. Não tenho nenhum receio em informar como tomei conhecimento desta grande falha em minha formação profissional principalmente porque ela ainda se mostra claramente na academia. Busquei conhecimentos de Psicologia Comunitária na minha instituição de origem, a Universidade de Brasília. É justo acrescentar que nosso curso é indicado como um dos melhores do país por seguidos anos. Como não havia oferta deste curso resolvi me inscrever em outro em que minha formação também falhara: Psicologia Preventiva e Higiene Mental. Esta matéria existe no currículo desde antes da minha formação, mas pouco valorizada, não me lembro de ter sido oferecida enquanto eu lá estudava.

Pois está sendo uma grata surpresa que os conhecimentos de que necessito em minha atuação na escola estão sendo respondidos e minhas atuações sem respaldo estão sendo embasadas cientificamente com grande êxito.

Aqui faço meu apelo para as/os profissionais da nossa área buscarem informações de Psicologia Preventiva. Talvez encontrem respostas úteis mais do que nos livros de Psicologia Escolar. Também indico para as professoras de Psicologia Escolar que incluam leituras desta área em seus cursos para alertar os futuros profissionais sobre auxílios bem-vindos e frutíferos.

Como ainda estou estudando, não me permito escrever sobre a área ainda. Mas este blog ainda será recheado com conhecimentos de Psicologia Preventiva. Enquanto me preparo, não poderia deixar de me furtar à informação principal: a de que o conhecimento existe e está disponível sob um nome no mínimo suspeito.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Parabéns para Psicólogas e Psicólogos

Comemoramos, no dia 27 de agosto, o dia do Psicólogo.
Recebi esta parabenização e compartilho com os leitores deste blog, psicólogos ou não.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Homofobia na escola

A questão de gênero em psicologia ultrapassou os estudos das relações homem-mulher e chega agora às relações afetivas em geral e são tratadas por homofobia. Esta última trata de questões que abarcam gênero e vai bem mais além. Segundo Daniel Borillo,

“A divisão dos gêneros e o desejo (hetero)sexual funcionam mais como um mecanismo de reprodução da ordem social que como um mecanismo de reprodução biológica da espécie. A homofobia torna-se, assim, uma guardiã das fronteiras sexuais (hetero/homo) e de gênero (masculino/feminino). É por essa razão que os homossexuais não são mais as únicas vítimas da violência homofóbica, que se dirige também a todos os que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais que têm personalidade forte, homens heterossexuais delicados ou que manifestem grande sensibilidade.” (p.18)

Motivada pela presença de um aluno declaradamente homossexual na escola, busquei estudar este fenômeno e fui agraciada com um ciclo de palestras na Universidade de Brasília, do qual recebemos o livro “Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio” organizado por Tatiana Lionço e Debora Diniz do qual retiramos o trecho acima.

Um dos textos do livro indica a dificuldade pela qual passa um homem em encarar a feminilidade de outro, por quais motivos um homem se sente ofendido ao ser cortejado por outro. Daí a necessidade de agressão física para mostrar ao homem mais feminino como deve se comportar. Informa que hoje, em nosso país, ocorre uma morte por este motivo a cada três dias.

Tivemos uma ação nestes moldes em nossa escola quando um grupo de garotos correu atrás do menino com orientação sexual homossexual. Não conseguimos descobrir o que eles fariam se pegassem o menino porque ouve um acidente durante a correria e o motivo dela ficou desprezado. Há dificuldade dos profissionais da escola em tratar o assunto, inclusive entre si mesmos, chegando ao ponto de constrangimentos ao se referirem ao aluno.

Minhas leituras chegaram a uma conclusão simples: a negação da vivência do prazer pela sociedade. É-nos proibida qualquer manifestação de afeto diferente das padronizadas. Homem forte, másculo e provedor. Mulher frágil, suave, submissa e dependente. Mesmo tendo nossos espaços garantidos no mercado de trabalho, vários são as ocorrências que apresentam a valorização da superioridade masculina. A principal para mim é a desvalorização das profissões ditas femininas – as profissões do cuidado. São atuações de segunda classe e têm remuneração diminuída.

Estamos longe da igualdade. Precisamos ainda nos policiar para não repetirmos os padrões que lutamos para substituir ou destruir. Temos na escola um local privilegiado para oferecer novas formas de pensar e agir a afetividade, mas primeiro é necessário vencer o grande preconceito que circunda as questões do afeto. Lionço & Diniz denunciam o grande força que o status quo tem nas instituições educacionais: o silêncio. Percebo-o durante minha atuação como a omissão fácil pela qual optam as profissionais da educação.

Muitas vezes, nós, profissionais da educação, não percebemos o quanto esta limitação de expressão do afeto pode impactar o desenvolvimento de uma pessoa. Talvez se faça necessário informar que a homossexualidade não é uma opção. Não há escolhas neste sentido. Da mesma forma que um indivíduo heterossexual se apaixona ou se sente atraído sexualmente por outro do sexo oposto, um homossexual é atraído por outro do mesmo sexo. Sem opção. Seu corpo se emociona por outro assim como todos os seres do reino animal. Porém, contrariando das regras, sua emoção é dirigida a outro ser do mesmo sexo que o dele/a. Mas, de onde vem a regra? Quem a fez? Qual é o erro do ser emocionado?

Como foi educado/a para se envolver emocionalmente com pessoas do sexo oposto, inicia-se uma grande dificuldade cognitivo-emocional. A percepção das possíveis reações da família e da comunidade é fundamental para esta vivência. Os conflitos podem levar ao consumo de drogas, a negação do seu sentimento verdadeiramente e ao suicídio.

“Diferentemente de outras formas de hostilidade, o que caracteriza a homofobia é o fato de que ela visa mais claramente indivíduos separados e não grupos constituídos a priori como minorias. O homossexual sofre solitário o ostracismo ligado a sua homossexualidade em um ambiente hostil. Ele é, portanto, mais vulnerável a uma atitude de aversão a si mesmo e a uma violência interiorizada que pode levá-lo ao suicídio.” (Borillo, 2009, p. 19)

Um fenômeno com tal risco não pode ser negligenciado por psicólogos. Há uma obrigação em estudar como poderemos auxiliar nossos alunos independentemente de sua expressão. Devemos garantir o direito que têm em mostrar-se desde seus primeiros anos na escola. Sabemos que há alunos e alunas que demonstram seu interesse afetivo desde tenra idade. Não é necessário nos espantarmos com tal ação. Ao contrário, devemos preparar a escola para a aceitação das diferentes formas de amar que o ser humano dispõe. Citando novamente Tolstói em sua Ana Karenina: “Se é verdade que cada cabeça cada sentença, há de haver tantas maneiras de amar quantos os corações.”

Voltaremos a este assunto, posto a complexidade que o envolve.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

1000

Comemoro hoje mil visitas!
Obrigada aos leitores, amigos, conhecidos e desconhecidos interessados em Psicologia Escolar!
Agradeço principalmente ao amigo Jorge Pimentel fonte da idéia de criação deste blog e grande incentivador de minha exposição intelectual.
Graças também à jovem amiga e consultora deste veículo, Valentina Fonseca. Além de grande ajuda na estética do sítio, prossegue dando dicas enriquecedoras e presenteou-me com seu selo de qualidade. Fofa!
Aos amigos e às amigas que me estimulam verbalmente ao lerem minhas postagens: Lana Vieira, Nilvânia Faria, Carlos Adamuz, Cleide Souza.
Aos gentis amigos novos e antigos que se tornaram seguidores deste blog.
A todos os visitantes, agradeço imensamente: se não houvesse leitores, de que valeria meu esforço em escrever?
Muito obrigada!

sábado, 15 de agosto de 2009

Outros tipos de família

A última postagem, Famílias Desestruturadas, abriu espaço para refletirmos sobre outros tipos de famílias e envolvimentos afetivos diferentes dos esperados. Trataremos aqui das famílias que têm se apresentado e que nos cobram respeito e aceitação devido às dificuldades que enfrentam por serem, ainda, consideradas anormais.

Casais homossexuais, mulheres solteiras, homens separados, avós, tios, patrões, abrigos são exemplos de famílias. Não sou especialista no assunto, exponho aqui o que se apresenta nas escolas em que trabalho e trabalhei.

Não foi a revolução sexual que nos brindou com este buquê de possibilidades. As diferentes orientações sexuais e a morte são fonte delas.

Quanto à homossexualidade, à qual trataremos com devida atenção em próxima postagem, o alcance de fundar um lar com outra pessoa de mesmo sexo exige tanto de um indivíduo, que muitas vezes esse lar tem mais equilíbrio emocional que o formado por um casal heterossexual. Ou, na pior das hipóteses, terá tantos conflitos quanto os tem o hegemônico.

Mães solteiras são frutos de diversas origens: imaturidade feminina (por não identificar o pai dentre diversos parceiros, não se prevenir adequadamente, não exigir prevenção do parceiro e/ou por usar a maternidade como um modo de envolver o outro); imaturidade masculina (por não assumir o fruto de um momento irrefletido, não se prevenir adequadamente de uma gravidez indesejada ou por fugir a um compromisso amoroso); desejo feminino em ser mãe sem um parceiro para competir pela criança ou que seja um companheiro no sentido mais amplo da palavra. Hoje vistas com mais tranqüilidade, mas ainda carregando bastante preconceitos como irresponsabilidade e inconseqüência feminina. Nesse grupo enquadramos também as mães sozinhas. Apesar de haver as figuras masculinas por algum período, viúvas ou separadas enfrentam dificuldades cotidianas semelhantes às mães solteiras. Sobrecarga de trabalho no lar e isolamento para tomar decisões. Para este último caso, algumas mulheres separadas apresentam graus diferenciados de participação dos pais, havendo casos de aumento de problemas.

Pais sozinhos – homens separados ou viúvos (ainda não observei homens solteiros com filhos): não se equivalem às mães devido à grande admiração que causam por assumirem inteiramente os filhos. Como há naturalização da assunção feminina dos filhos no caso de separação do casal, quando o homem o faz passa a ser tratado com grande reverência e surpresa. Em geral, a comunidade escolar, incluindo outras famílias, observa os acontecimentos deste lar com maior atenção devido à crença no improvável sucesso dos homens na educação dos filhos. Nossa cultura colocou a educação das crianças nas mãos das mulheres e qualquer desvio nessa norma é vista com desconfiança. Os pais têm demonstrado muita sapiência, controle e afetividade assim como sempre fizeram as mães.

Irmãos: no caso de pais que morrem antes dos filhos chegarem à fase adulta ou têm impedimentos judiciais, os irmãos mais velhos cuidam dos mais novos. Na maioria das vezes, o ente mais velho assume a família totalmente e desempenha todas as funções como pai/mãe. Há casos em que as crianças chamam os irmãos de mãe ou pai.

Avós com ou sem a presença de um dos pais em casa: cada vez mais comum, este tipo de família tem crescido principalmente devido a forma de educação dada à primeira geração. A falta de responsabilidade com a própria vida inviabiliza a assunção de uma nova vida – a do(s) filho(s). Há casos de pai/mãe que tem filho(s) de vários parceiros, de apenas um, de ex-marido/esposa. Em todos estes exemplares são os avós quem criam a geração mais nova e ocorrem, algumas vezes, crises sobre quais são as regras preponderantes, as dos pais ou dos avós. Essas crises podem chegar à escola e, em geral, nós, psicólogos, somos chamados para mediar os conflitos familiares.

Tios: pais falecidos, com envolvimento com justiça ou drogas geram demanda de auxílio para seus parentes que assumem sua prole. Além dos avós, entram também em ação os tios. Há casos de proximidade com escolas consideradas de melhor qualidade em que as crianças ficam os dias da semana na casa dos parentes.

Patrões do(s) pai(s): nossa histórica estrutura social colonial chega aos dias de hoje com as moradias compartilhadas entre patrões e empregados. Em bairros nobres, com grandes casas, os empregados convivem 24 horas, 7 dias por semana com seus empregadores. Isso também ocorre nas famílias de classe média, quando a empregada doméstica tem um ou dois filhos e mora no trabalho. Alguns patrões se afeiçoam excessivamente ao descendente do subordinado e o tratam como seus filhos. Há casos de crianças que chamam os donos da casa de pais e tratam a mãe pelo nome. Na escola, essas crianças competem com os demais se auto-afirmando por terem piscina, sauna, churrasqueira dentro de casa. As confusões de identidade são tão perigosas que podem chegar à negação da real condição social e genética.

Abrigos: aqui está algo difícil de explicar e de vivenciar. Há uma tendência mundial em transformar abrigos infantis em casas-lares. Os cuidadores, geralmente mulheres, são considerados mães-sociais e devem desempenhar o papel de mãe. Mas, como bem alertou uma colega minha de trabalho, mãe não tira folga. E eu acrescento que mãe às vezes dá um tapa quando os limites são ultrapassados, o que é vetado às mães-sociais terminantemente. As mal-criações são as mesmas e, talvez devido ao veto, até piores. As angústias entre permanecer em tal emprego e sair são imensas. Ocorre envolvimento emocional profundo: algumas crianças consideram a profissional mãe e a genitora apenas uma pessoa conhecida, no máximo uma parenta. A mãe-social também sofre com as possibilidades de alteração de função/papel por parte dela mesma e da criança.

Até atingir a necessidade de abrigamento, uma criança passa por muita dificuldade. Assim, elas são nossas clientes preferenciais, pois carregam um conjunto de traumas advindos de espancamentos, assédios sexual e moral, envolvimento com drogas, comércio (trabalho em sinais de trânsito ou com tráfico de drogas), situação de rua (meninos de rua ou moradores de rua com os pais). Em cada casa-lar há pelo menos oito crianças, já presenciei uma com quinze. Por lei, os irmãos não são separados. Cada caso tem suas idiossincrasias, seus distúrbios, seus comprometimentos. As trocas de experiências são inevitáveis, podem ocorrer trocas de vícios comportamentais e químicos. É possível ocorrer abuso sexual dentro da própria casa, principalmente se o atual abusador tiver sido abusado e não tiver recebido atendimento adequado.

Casais sem filhos: este tipo de família tem sido encontrado com cada vez mais facilidade e, penso eu, que isso se justifica pela valorização da liberdade do casal. A energia dispensada com as responsabilidades que uma criança exige é direcionada para todas as outras atividades que um adulto pode desenvolver. Não vejo nesta questão um exemplo de egoísmo, muito pelo contrário. Deve-se ter muito cuidado ao decidir pela descendência. É necessário muito desprendimento para se criar bem outro ser humano. Essas pessoas que decidem não ter herdeiros optaram responsavelmente por si mesmas. Se elas estão perdendo ou ganhando, não cabe a ninguém julgá-las.

É provável que eu tenha falhado em expor algum tipo de família por pouca memória ou vivência. Para este tipo de lacuna disponibilizamos o espaço para comentários logo abaixo desta postagem. Por favor, fique a vontade, clique sobre a palavra e sinta-se livre para expressar-se.

Todos esses tipos de família ainda estão sujeitas a nova estrutura familiar brasileira anteriormente descrita/proposta em Famílias Desestruturadas. Em todas estas formas de famílias, não vemos a Dó-re-mi “desejada”. Os representantes nas reuniões de pais são os mais diversos e as escolas os aceitam porque é cada vez menor a freqüência de adultos nas reuniões. As instituições de ensino precisam de contato com os responsáveis e quando ele acontece, todo o corpo profissional festeja.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Famílias Desestruturadas

Quando eu fiz meu curso de ensino fundamental primeiro seguimento (é assim que se fala?), nossos livros apresentavam textos com famílias desenhadas: pai, mãe, filho, filha brancos e empregada negra. Essa era a família padrão dos anos 80. Mas havia famílias chefiadas por mulheres, com mães trabalhadoras e outras que desconheço.

Durante a década de noventa, os livros didáticos foram altamente criticados por apresentar uma família de estrutura rígida e racista, já que os negros, quando apareciam, estavam sempre em uma posição social inferior aos brancos. A razão de criticar tais instrumentos educacionais se faz pela naturalização que trazem desenhos e histórias repetidas na infância. O que sempre é visto torna-se comum ao ponto de ser considerado natural e, portanto, esperado. Os livros didáticos foram revisados e suas ilustrações passaram a retratar famílias negras, orientais e situações típicas indígenas.

Porém, nós – profissionais – ainda somos preparados para trabalhar com a família Dó-re-mi do primeiro parágrafo. Nossos textos técnicos, apesar de não ter ilustrações, tratam de famílias européias ou norte-americanas típicas de pelo menos trinta anos atrás. Lembro-me dos comentários da minha professora de Psicologia do Desenvolvimento alertando para as possibilidades de se encontrar crianças com desenvolvimento diferenciado daquele mostrado nos livros da Helen Bee.

Mas ninguém nunca nos alertou sobre famílias diferenciadas.

Já enquanto profissional, durante atendimento de professoras, ouvia sempre falar de famílias desestruturadas. Eu compreendia perfeitamente que a família do aluno em pauta não era a Dó-re-mi. As famílias são descritas, às vezes, desde os avós pelas professoras e coordenadoras, o que facilita muito a compreensão do que acontece com os alunos. Mas a expressão desestruturadas não faz mais sentido para mim. Explico o porquê.

Acredito que a estrutura da família brasileira mudou completamente. Se a família Dó-re-mi foi algum dia o padrão do Brasil, hoje ele está bem diferente. A família hoje corresponde a um genitor biológico e outra pessoa, geralmente parceiro sexual do primeiro. Comumente, o genitor é a mãe e a outra pessoa, o padrasto. Há casos em que os filhos do padrasto também se associam à nova família. Neste caso, identificamos um problema de denominação: como chamar a relação entre as crianças? Creio que não são meros amigos porque pertencem à nova família formada. Também ocorrem novos nascimentos e nascem meio-irmãos/ãs (também desconheço o plural correto deste termo e se há hífem ou não). Também acontece desse segundo relacionamento matrimonial se desfazer e surgir um terceiro. É devido à freqüência dessas ocorrências que considero importante cunharmos rapidamente uma nomenclatura para esse novo tipo de parentesco não-sanguíneo.

Vejamos como ficaria um esquema dessa estrutura familiar que é freqüente nas escolas onde atuo e que percebo em todas as classes sociais – apesar de ainda não aparecer nas novelas:


Com intuito de não confundir muito, tomamos emprestados os lindos símbolos da genética, com adaptações. Para os que não se lembram (ou não prestaram atenção às aulas) os quadrados são machos e os círculos são fêmeas. Os traços horizontais na primeira linha indicam relação atual. As linhas pontilhadas mostram relacionamentos anteriores. Os traços horizontais inferiores demonstram relações de parentesco e os verticais, descendência. No meu esquema, na segunda linha temos os dois primeiros meninos filhos do segundo matrimônio da mãe. As quatro figuras seguintes (uma menina, um menino e duas meninas) vivem com o casal representado logo acima deles. Os três seguintes vivem com o pai, a filha se desentendeu com suas regras e foi morar com a mãe. No relacionamento do centro, ambos os parceiros advém de relações anteriores. O marido entra no novo casamento com seus dois filhos da primeira relação e teve uma menina com a atual esposa. Essa, por sua vez, trouxe a filha que se desentendeu com o pai. Nessa família há padrasto, madrasta, pai e mãe. Denominaremos os filhos do esposo de co-irmãos da filha da esposa.

Se este novo esquema não suscitasse problema nenhum, eu terminaria aqui minha exposição. Porém, como muitos sabem, as paixões intra-familiares são comuns. Os tabus ocorrem quando há co-sanguinidade, mas o que se faz quando co-irmãos se apaixonam ou brincam juntos sexualmente e geram um bebê? Como evitar que isso ocorra?

Mais comum do que este risco é a indecisão dos padrastos e madrastas assumirem o papel de pais. Há restrições por parte do pai genético, da esposa, da própria criança/adolescente. No nosso exemplo, tomando a família central novamente: caso a esposa decida informar a enteada sobre pílulas anticoncepcionais quando ela completar treze anos, a mãe poderá se sentir invadida, pois pode considerar esse assunto íntimo restrito à relação mãe (genitora) e filha.

As formas de educação de cada pai, as interpretações dos genitores que não moram com os filhos, os riscos de o novo esposo envolver-se emocionalmente com a filha: temores que assombram novos relacionamentos recheados de filhos e enteados. Muitos problemas advêm da dificuldade de decisão sobre os novos papéis e de entendimento entre os ex-parceiros. Também podem ocorrer problemas da não aceitação de separação e novo relacionamento. Crimes ocorrem devido à falta de definições emocionais. Todas as pendências geram sofrimento e impactam a vida escolar.

Não falamos ainda sobre as avós e avôs que enfrentam uma jornada ampliada como pais de seus netos. A realidade econômica aumenta cada vez mais a necessidade deste tipo de auxílio às novas famílias. Há grandes crises quanto às formas de educação intergeracionais. O excesso de respeito e os desrespeitos que surgem desse arranjo, também costumam chegar às nossas mãos porque confundem as crianças e geram conflitos em todos os personagens da família.

Essa fofoca toda acaba em nossas mesas de trabalho e não falar disso é tampar o sol com a peneira. Creio que assistentes sociais devam ser especialistas nesse assunto. Apesar disso, considero o tema aqui abordado assunto da sociologia, já que se trata de nova formação básica da sociedade. Trago ele à tona para alertar os/as alunos/as de psicologia e provocar discussão nos profissionais.

Há ainda as famílias que começam a se mostrar nas escolas e que merecem um texto exclusivo: as que impõem uma revisão no conceito de família.

domingo, 9 de agosto de 2009

Angústia

A nossa profissão trabalha sobre a angústia.

A clínica psicológica nos ensina que se não há angústia, sofrimento, não há espaço para a mudança e, por conseguinte, para a cura. Esse espaço se justifica pelo incômodo que exige a transformação. A partir do momento que uma pessoa percebe seu sofrimento e este é de tal ordem que ela não mais suporta conviver com ele, então busca auxílio. Somente com o incômodo um indivíduo pensa em modificar-se. Apesar de forte e estranho, esse pensamento é constantemente corroborado pela clínica porque se há uma situação doentia na qual o indivíduo não se perturba, não haverá identificação de problema. Sem problema, não há necessidade de modificação. Não há espaço para cura.

Podemos fazer uma comparação com doenças físicas. O câncer é um ótimo exemplo do que falo aqui: a maioria dos tumores não doe, não apresentam sintomas, se ajustam a homeostase do organismo com perfeição e passam a atrapalhar o funcionamento desse quando inicia-se um total colapso. Por isso, o câncer é dito a doença silenciosa. Não há como a pessoa buscar auxílio, pois o problema está equilibrado, não há nada que a incomode.

Assim também ocorre com sintomas psicológicos. Algumas vezes os sintomas auxiliam na manutenção da vida sem a necessidade de busca de auxílio para sanar problemas.

Nosso campo de atuação profissional é o oposto deste. Nós buscamos justamente perceber onde estão os sintomas mesmo que não eles não estejam claros. Essa é a nossa ação preventiva. Evitar que o mal-estar se instale. Promover saúde mental na escola.

Essa busca é a nossa angústia.

Quando somos chamadas por um professor para atender um aluno ou um pai nos procura, temos um espaço de atuação já instalado. Colheremos as formas de solução do próprio discurso de quem vive o conflito. Quando o sujeito é o/a pai/mãe, nossa ação mostra-se bem facilitada. No caso do/a aluno/a precisamos mostrar a ele/a e aos pais que existe algo inadequado ou não saudável. Hoje, ocorre muito o discurso parental de impotência. Muitas mães dizem claramente não saber o que fazer com o/a filho/a. A plotagem O que espera a escola mostra um caso assim. Então, encontramos casos que vão de oito a oitenta, os pais não percebem qualquer problema ou já não sabem mais como abordá-lo, pois já tentaram de tudo e não houve resultado positivo.

Mas, o que fazer com a instituição que parece não conter problemas? Trabalhei em uma escola elogiadíssima por seus excelentes resultados. Muitos profissionais gostariam de trabalhar nela, inclusive eu. Ao chegar, realizei uma pesquisa diagnóstica com todos os atores da escola: professores, alunos, pais, servidores da limpeza e merenda, direção e corpo de apoio (profissionais que atuam fora da sala de aula apoiando o trabalho pedagógico). O formulário constava de três perguntas: visão geral da escola, seus pontos positivos e negativos. O principal resultado foi que a direção não funcionava. A escola era ótima porque os professores faziam muito bem o seu papel e, se a direção não atrapalhasse a escola seria uma das melhores da cidade. Como a direção não atuava, outros personagens faziam o papel dela e essa troca passou a contaminar todas as áreas da escola fazendo com que a troca de papéis se multiplicasse. O clima de trabalho era péssimo, pois a manutenção desse sistema se dava pelo pacto de silêncio entre os profissionais e as aparências eram mantidas por esse silêncio. A pesquisa quebrou este pacto por ser anônima e todos os grupos pesquisados mostraram a questão a ser trabalhada pelo psicólogo. Revelado o problema da escola, seus profissionais se negaram a participar das soluções propostas, a saber, cada um fazer tão somente o seu papel. A minha ação foi, então, tolhida e falhei na resolução. Digo falhei porque é nossa função elaborar meios para sanar as falhas. Mas também precisamos ser pacientes conosco mesmos e perceber que alguns sujeitos não desejam a saúde. Nesse caso não há ação possível porque não há angústia, não há reconhecimento de problema. Nossa angústia isolada não resolve e por isso não faz qualquer sentido. Deve simplesmente ser descartada.

Quanto à angústia preventiva, que evita dificuldades e problemas, esse é o nosso locus de trabalho e nossa principal ferramenta. Procurar sinais de desarranjos, comportamentos que suscitam ações doentias, atitudes comuns que preparam situações desarmônicas, associações que criam conflitos; são ações do psicólogo profilático. Sua ação é silenciosa e constante. Muitas vezes os demais profissionais não percebem sua importância e, mesmo sendo alvo da atuação, vêem em sua conversa um colega e não um profissional atuando com consciência, determinação e direcionamento.

Nossa atenção deve estar sempre ativa para que não entremos nos jogos institucionais e passemos a conviver com os sintomas normalmente, sem percebê-los. Quando isso ocorre, devemos nos afastar da organização, pois já não podemos prestar o melhor serviço. Não há mais angústia.