domingo, 27 de abril de 2014

Viva o futebol!

Os homens precisam de contato físico tanto quanto as mulheres e os outros animais mamíferos. A proibição explícita da aproximação homoafetiva é, literalmente, driblada no Brasil. Aqui, os homens desde tenra idade suprem esta necessidade fisiológica através do futebol.

Nesta atividade, toda a afetividade masculina tem ocasião de se expressar. Assisti ontem a uma partida de futebol com mais de trinta jogadores em uma das escola onde atuo. É claro que houve trombadas, empurrões, pisões, chutes, apertos, amassos. Deve ter sido delicioso e satisfatório para os meninos. E eram só meninos!

Observei o jogo por mais de uma hora. Os conflitos eram resolvidos espontânea e rapidamente. As faltas eram cobradas, escanteios, haviam vários goleiros em ambas as traves. Tudo certo. Até que um garoto foi notado por mim no canto do campo segurando a barriga. Fui verificar se ele precisava de auxílio. Explicou-me com dificuldade e muita energia - um tanto confusa e emotiva - que outro lhe chutara a mão em um momento do jogo.

Perguntei-lhe se queria um gelo para acalmar a lesão. Usamos gelo com frequência como remédio para contusões na escola posto ser proibida expressamente o uso de qualquer medicamento químico. Dei-lhe a opção de continuar no jogo. Aí, notem quanta beleza!, um dos colegas posicionou a bola para que ele batesse a falta. Eu desapareci instantaneamente para o garoto. Percebi imediatamente a mudança emocional dele e me retirei rapidamente do campo. Ele bateu a falta e fez o único gol da partida! E o gol foi bonito, viu?

O garoto foi acolhido pelos pares. Quem disse que existe mão no mundo!?! O conflito foi resolvido, não percebi reclamação, nenhuma confusão ou discussão.

A energia ativa, ríspida, forte típica do masculino é exercida com vigor no futebol. Os meninos correm e se batem sem agressividade. E entendem isso com seu âmago. Compreendem entradas maldosas e se acertam rapidamente. A ausência de solicitação de auxílio de adultos mostra, a meu ver, é claro, que a homeostase está sendo atingida e mantida.

Para mim, mulher, adulta e ainda por cima psicóloga, o início da partida citada era prenúncio certo de conflitos e machucados graves. Ao final, e agora, percebo porque o deus Ares é símbolo do masculino. Firme, rígido, direcionado, guerreiro, objetivo, o deus grego da guerra mostra como o ímpeto natural do homem deve ser exercido para sua saúde global ser preservada e/ou alcançada.

Nós, mulheres, educadoras, não estamos atentas a isso. Talvez não estejamos preparadas para tal. Não gostamos que as crianças corram, pois temos medo que se firam. Não gostamos de bola com os meninos porque acreditamos que ela gera confusão. Não permitimos que os meninos se organizem externa e internamente. Será isto um dos fatores que influenciam o aumento da agressividade entre os pequenos e deles em relação a nós? Qual o impacto dessa escola pacificadora, moderadora na constituição masculina adulta?

Temos observado melhora de comportamento em alunos diagnosticados com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) após a frequência semanal em escolas de futebol, lutas marciais e outros esportes. A atividade física direcionada muda bastante a relação do indivíduo com ele mesmo e com os outros. Notem que as lutas são marciais - de Marte - o deus Ares no panteão romano.

É inegável a influência que a cultura grega ainda exerce sobre nós, nosso berço apesar de tudo. Jung trás a importância da mitologia e seu impacto sobre o comportamento humano moderno. Talvez possamos aproveitar mais o que os mitos nos ensinam para potencializar o desenvolvimento dos nossos alunos.

Enquanto isso, em se tratando de Brasil, viva o futebol!

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Paternidade e guarda compartilhada

Um amigo querido perguntou quando eu escreveria mais sobre paternidade.

É mesmo assustador que um homem faça esta pergunta para mim. Mas tudo bem, quem provocou fui eu, né, começou, vai até o fim. Vamos lá!

Vejo algumas pessoas se confundirem quando falam em guarda compartilhada. A guarda é considerada assim quando a criança fica o mesmo tempo com o pai e com a mãe em suas respectivas residências. Visitas todo final de semana não se constitui guarda compartilhada. Isso porque a semana tem sete dias, não cinco, nem dois, mas sete.

Durante a semana, a criança e o adulto têm compromissos a cumprir. A partir dos seis anos de idade, os pais são obrigados a manter as crianças matriculadas e frequentes em escolas regulares. Essa obrigação dá um grande trabalho porque não é só o transporte que está envolvido nisso. A higiene pessoal, cuidados com educação e saúde estão incluídos no pacote. Sem contar o trânsito. Nossas escolas funcionam em meio período. Por isso, a pessoa que fica com a criança durante a semana deve permanecer com o pequeno em casa no horário contrário à frequência na escola, contratar alguém para fazê-lo ou transportar a criança nos afazeres do contraturno.

Então, como pensar que quem fica com a/o filha/o no final de semana tem o mesmo trabalho e gasto financeiro com a criança do que quem fica durante os dias "úteis"?

Além disso, é nos dias de maior atividade que a imposição de regras é mais importante e mais usada. Se a criança teima em fazer algo e por isso atrasa a chegada na escola, a professora vai chamar a atenção do responsável por ela, não a atenção dela. A profissional não sabe o que aconteceu nem terá tempo de perguntar. Enquanto isso, quem fica com a criança no final de semana nem sonha com o que aconteceu. Pequenos dissabores enfrentados todos os dias.

Eu desconheço a jurisprudência deste tema. Nem sei se posso usar este termo. Digo, entretanto, que é importante que os pequenos fiquem preferencialmente com sua mãe até os sete anos. Até esta idade há uma ligação muito forte entre a/o estreante e a adulta que lhe gestou. Mas o período de permanência com a mãe não precisa ser exclusivo.

Depois deste tempo, é importante que os meninos fiquem mais com os pais. Os homens devem assumir os garotos e transmitir-lhes o que é próprio do mundo masculino. Nós mulheres não podemos ensinar aos homens o que é ser homem. É-nos impossível! Prejudicamos os homens quando tentamos fazer isso. É preciso que esta informação seja massificada. E ela nos chega através dos resultados de constelações familiares. A teoria advinda da terapia das constelações nos apresenta esta verdade abertamente.

Não há duvida de que as mulheres apresentam-se hoje mais seguras que os homens. Quanto a segurança emocional não posso dizer sobre nenhum gênero, posto que estamos absolutamente confusos. Porém, a proximidade das mulheres com suas mães proporciona ampla apropriação de bens culturais próprios do feminino. Os cuidados com a beleza, com a casa, com as crias, com a própria saúde estão garantidos.

Estamos vivendo um momento de reconstrução de relações entre os gêneros. Faz parte disso a aceitação de gêneros não hegemônicos. Em relação a isto, temos também que contemplar as crianças que são criadas por casais homossexuais. Há que se ter garantida a convivência da/o menina/o com um adulto do mesmo sexo independente de ser do gênero hegemônico ou não. Existem coisas que só recentemente estão sendo pensados pela ciência que devem ser passados pelos homens aos homens e pelas mulheres às mulheres.

Estar efetivamente com o/a filho/a é essencial para o melhor desenvolvimento psicológico das crianças. Esse estar com não é compartilhar um ambiente ou a mesma casa. Estar com é compartilhar uma atividade realizada com consciência. Pode ser uma tarefa que o adulto necessite desempenhar, como cozinhar, lavar o cachorro ou o carro, tirar a poeira da casa, plantar, varrer o quintal, fazer compras. Pode ser uma atividade que a criança precise fazer, como o dever de casa, banhar-se, brincar com carrinhos, bonecas, jogar video-game ou um jogo de tabuleiro (tenho preferência particular por este último). Não importa exatamente o que, mas como estão fazendo a atividade. Juntos, a ação deve ser conjunta e corriqueira. Mães/pais devem estar junto ao/às filha/os de modo cotidiano, ensinando-o/as a como agir sobre/no mundo.

Possibilitando isso, a proposta de guarda compartilhada se encaixa muito bem para casais separados.
Em tempo, devo acrescentar que não cabe pensão alimentícia nos casos de guarda compartilhada porque cada um terá gastos semelhantes com a criança. Se houver diferença no tempo de guarda, então cabe a quem ficar menos tempo com a/o filha/o pagar a pensão. E se ocorre doença, os pais deverão conversar para dividir as despesas como civilizadas pessoas que são.

O que se diz aqui é algo bem moderno. Eu não quero dizer com isso que estou na vanguarda. Escrevo sobre o que vejo acontecer. São as pessoas que reinventam os padrões sociais. As gerações que criam seus pequenos estão inovando bastante. Devem ser admiradas por isso. Nossos pais não estiveram conosco, mas nós nos esforçamos para estarmos efetivamente com nossas crianças. A voz dada às crianças é um fenômeno recente. E é lindo ver e ouvir as opiniões criativas dos estreantes. Suas perguntas fazem-nos repensar o que estamos fazendo, como pensamos e julgamos as outras pessoas. Eu não me lembro de ter sido ouvida enquanto menina. Porém, alguma coisa nossos pais nos possibilitaram para que não nos assustássemos com a fala de nosso/a filho/a. Somos grato/as a ele/as por isso, então.

Retomo o meu assombro, exposto inicialmente, com o pedido de mais explicações sobre o tema da paternidade. Trata-se justamente da necessidade em se abordar o tema. Com a mudança de comportamento tão acentuada, precisamos que profissionais da área de educação e de psicologia escrevam sobre isto. Mais uma vez a Psicologia Escolar é chamada para explicitar questões referentes ao desenvolvimento humano. O/as pais e mães estão sedentos por saber qual é a melhor forma de agir com sua/seus filha/os. Em relação a isso, não vejo diferenças entre as classes sociais que atendo. Vejo, sim, a grande oportunidade que a Psicologia tem em servir a população da qual culturalmente faz parte.