sexta-feira, 13 de março de 2020

Jogos eletrônicos e sala de aula

Há anos ouvimos que uma professora em sala de aula não consegue competir com equipamentos eletro-eletrônicos se considerarmos o interesse das crianças.

Usar um computador, tablete ou celular é mais motivador do que assistir uma aula. Os equipamentos são individuais, apresentam luzes, movimentos, opções de reinício, portas para outros sítios, jogos. Ultimamente, trazem opções de interação com outras pessoas em conversas, jogos, brinquedos e sei lá mais que coisas. As alternativas, alcances, graus, escalas são tantas... como eu pesquiso muito pouco na área, não posso descrever aqui.

Mas isto tudo me parece muito restrito e limitante.

A movimentação possível é muito pequena. Pouca mobilidade ocular, baixo uso de pálpebras a ponto de ressecar os olhos, mobilidade de apenas alguns dedos e uso dos demais e da mão em posição estática de pressão e suspensão. Entendo que o correspondente em estimulação interna (cognitiva), de exigência de informações novas e formação destas não seja tão grande ou intensa como pregam os amantes da modernidade.

Há quem diga que em breve os professores serão substituídos ou tornar-se-ão supérfluos porque as crianças aprendem com os computadores e suas mídias e aplicativos sociais ou não. Mas aprendem o quê?

Em uma sala de aula há outros seres humanos com os quais a criança irá se encontrar todos os dias da semana, desde que frequente a escola devidamente conforme preconiza a lei nacional. A estimulação oferecida diariamente durante todo o período da aula é visual, olfativa, gustativa, tátil, auditiva, vestibular e cinestésica (para quem considera apenas cinco sentidos, na psicologia estudamos estes dois a mais, totalizando sete). Eu acredito que um computador nunca conseguirá alcançar um nível tão elevado de estimulações quanto uma sala de aula oferece. Vamos aprofundar um pouquinho.

Em contato com outras pessoas, temos estímulos visuais de diversas ordens: cores, desenhos, movimentos, profundidade, texturas, amplitude, brilhos, reflexos. Lemos as expressões faciais das demais pessoas ou da pessoa que focamos. Talvez as máquinas nos dêem isto.

No ambiente real ainda teremos os sons locais próximos e distantes estimulando meu exercício de escolha através do foco auditivo. Todos os sons chegam ao mesmo tempo na orelha e precisam ser elaborados para que se use o som desejado. Esta estimulação a máquina não me oferece. Para que um filme, áudio, programa, jogo ser aceito deverá apresentar um som limpo. O som ambiente captado por um aparelho tem toda uma técnica para que seja suportável. É tanto que há um prêmio de cinema exclusivo para a realização desta captação. Devemos considerar que há estimulação auditiva no uso de eletrônicos. Entretanto, esta já é purificada e perde muito de sua capacidade informativa e fomentadora de desenvolvimento para o humano.

Encontra-se em pesquisa a associação de imagens e sons com aromas. Há cientistas estudando odores básicos como os quatro sabores já classificados de modo a produzir uma máquina que os misture em graus e provoque o olfato de expectadores de filmes e programas a distância. Imagina o quão interessante para a indústria alimentícia será um equipamento que emita os odores de refeições prontas para o consumo? Como este advento ainda não está disponível, temos este tipo de estímulo possível apenas na natureza, no mundo concreto e presente. Digo isso porque mesmo a memória olfativa nos trai. Ela nos chega através de odores semelhantes e, sim, nos provocam evocações geralmente afetivas e algumas vezes muito antigas. Este efeito do olfato na memória tem sido estudado por psicólogos com resultados bastante interessantes. O cheirinho dos colegas e da professora que vai se modificando durante o passar do tempo e o significado disto. Um odor ruim, indescritível que nos informa que há algo de errado com os intestinos de alguém, o anúncio da chegada do lanche antes da porta se abrir, a poda de árvores ou da grama que cresce ao redor da escola são estimulações possíveis de serem exploradas pela docente. As interpretações de cada odor descrito aqui são passíveis de pesquisa em sala de aula, tornando-se foco de interesse da turma e aumentando a motivação nas aulas. Várias são as fontes de odores e muitos são os usos possíveis deles.

Falamos de comida. O lanche da escola é um fator que também pode ser explorado em sala de aula. E nos traz o sentido da gustação. Em minha atual escola é comum aulas de culinária. As nossas professoras trabalham conceitos matemáticos, demonstram a ideia de processo (o que fazer antes, o que depois para que tenhamos quais efeitos), indicam a necessidade de espera quando a receita exige forno ou fogo, chegando ao resultado próximo, mas não mais o desejado pela docente, da degustação. E a apreciação de sabores também pode ser alvo de aprendizagem e motivação por parte de todos. Quais são as possibilidades de uso de sabores em uma aula? Poderemos usar o lanche que cada criança traz de casa para fomentar uma discussão, um aprendizado, uma problematização? E o quanto os sabores são ligados à amorosidade? Alimentamos-nos inicialmente de nossa própria mãe. Ela já foi o mundo inteiro para nós e, após sairmos de dentro dela, na imensa maioria das vezes, ela nos mostrou o mundo de seus braços e nos alimentou em seu seio, de seu próprio corpo. A implicação emocional deste fato inicial para todos nós faz com que a alimentação seja também muito afetiva. Há sempre uma relação emocional entre o alimento, como o tomamos e seu efeito sobre nós.

Ah, falamos de afetividade ligada aos aromas e sabores. E quanto ao tato? Eu entendo este sentido como o mais emocional de todos. É certo que quando vemos, ouvimos, degustamos ou cheiramos algo podemos chegar a nos espantar, arrepiar, chorar; mas as sensações que nos tocam diretamente a pele estão necessariamente em contato conosco. Pressão, temperatura, textura, tempo, cobertura, ritmo... são algumas das informações que nos chegam através da pele. Há que se atentar que parte das sensações decorrentes da alimentação são também táteis. Toques, carinho (e carícias), beijo, abraço são contatos físicos absolutamente emotivos. Esses gestos humanos nos trazem mais informações do que as características táteis listadas logo acima. Existe muito mais delicadezas e comunicações envolvidas nessas trocas. Elas são lidas por cada pessoa de um modo que ainda nos foge em denominações e, provavelmente, em estudos. Em uma oficina de abraços, que levou justamente esse nome, as pessoas se emocionaram tanto e tantas vezes com os diferentes amplexos que deram e receberam que não considero justo afirmar que este é um sentido restrito a esses elementos físicos.
Há mais, muito mais em informação quando os trocamos.

E as crianças, que são movimento e emoção sem muita polidez ainda, trocam muito mais contato do que nós, adultos. Elas se seguram, se tocam, se estapeiam, se mordem, se beijam, se esmurram, chutam, abraçam, empurram, trombam, cascudeiam (esse verbo existe?), cutucam, beliscam, arranham, espetam com a unha, lápis, caneta, compasso... ai! quantas possibilidades! E a cada uma dessas reações, dependendo de quem é o objeto da ação, de quem é o sujeito, do momento em que cada uma delas ocorre, da intenção de cada uma, do contexto envolvido, do dia de cada um dos personagens é possível uma reação e re-reação diferente.

Perante a imensa possibilidade de ações e reações das crianças entre si, entre si e a professora e de si para si mesmas perante as ocorrências ambientais, não há nenhum equipamento eletrônico que supere uma sala de aula. Porque há nela uma confiança gerada pelo tempo de convivência e a segurança de estar em um local onde os pais lhe entendem bem guardada/o. E agir em um local tão seguro, com regras a seguir e a romper, no qual se conhece as saídas e entradas e a quem recorrer se algo der errado, agir na escola não é como atuar em nenhum outro lugar porque este lugar é seu. A escola é da criança por excelência. Nenhum outro lugar é tão definido por esta fase da vida. Talvez um parquinho, né? É, acho que um parquinho também é definido pela infância.

E um parquinho e a escola são insuperáveis quanto às potencialidades de emoções, vivências e aprendizados gerados pela sua característica essencial, a saber grupos de crianças conhecidas se desenvolvendo em conjunto. Um jogo eletrônico perdeu em agregação e emoção, perdeu!
Resta-me falar dos sentidos vestibular e cinestésico. O sentido vestibular nos dá a sensação de que posição estamos em relação ao solo. Se estamos em pé, sentados, deitados, com um pé no chão, mão, pés, mãos, pés e mãos, joelhos, de lado... As informações táteis de todo o nosso corpo alimentam essa sensação global. Sem este sentido não podemos nos manter em nenhuma posição, não podemos mudar de posição nem caminhar.

O sentido cinestésico nos informa onde cada um dos nossos membros e suas divisões particulares e a cabeça estão em relação ao nosso corpo. Mesmo ao retornar de um período inconsciente (sono) ou ao cairmos (de para-quedas ou não) sabemos onde cada uma de nossas partes está e podemos movermos-nos em relação a nós mesmos a partir dessa ciência.

Ambos sentidos são e devem ser muito trabalhados nas escolas em jogos coletivos: Pic-Pega, Pic-Esconde, Pic-Altas, Pic-Bandeirinha, Pic-Cola, jogo de bola de gude, Cinco Marias, trenzinho, todas as danças e coreografias, ações de desenhar, escrever, pegar algo, arremessar, tomar, passar. Entendo que muito pode se avançar explorando esses dois últimos sentidos mas, principalmente, nos falta estudar e estimular o tato com nossas crianças.

Essas informações chegam-nos em tempo real sem depender de haver energia em qualquer aparelho ou disponível na rede elétrica para usarmos. Quero dizer, se não houver energia elétrica disponível, a estimulação ainda estará ativa. Elas têm sido menosprezadas pela nossa cultura e há reflexo disso na escola. Atentemo-nos para evitar erros de estimulação do desenvolvimento de nossas crianças e nossos, inclusive.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Livro Psicologia no Ambiente Escolar

Eis que pago a promessa feita há alguns anos!


O livro já está a disposição na editora para compra.
O lançamento será dia 20 de março de 2020 em Brasília.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O que um parto domiciliar pode nos ensinar?

Há duas semanas, visitei uma amiga que recebeu uma menina. O amor daquela família nos alimentava enquanto os víamos em harmonia plena de emoções. Minha querida amiga contou-nos como foi seu momento de parto domiciliar.
Peço desculpas se não utilizar os nomes corretos para cada momento ou instrumento. Sou leiga nesta área.
A esperada criança já passava das 38 semanas e a mãe começou a ficar aflita no dia em que a gestação completou a 42ª semana. A parteira que acompanhava a visitou neste dia e sugeriu a realização de um exame de ultrassom para tranquilizar a família. Ela me explicou que depois da 41ª semana, a medicina ocidental entende que a criança entra em sofrimento, por isto a preocupação.
O exame indicou saúde: a menininha estava numa boa. Na noite deste dia as contrações começaram. O pai acompanhou tudo: cronometrou as contrações em duração e intervalos. A parteira lhe indicou quais seriam os índices críticos para o parto. Pai e mãe caminharam durante toda a noite e relataram, com espanto que nos foge, a percepção de tempo completamente alterada pelo grande acontecimento.
Ambos perderam completamente a noção do tempo e não se sentiram cansados com os trabalhos do parto. Ele a apoiava quando as contrações vinham e sentia a força de seu corpo sob suas unhas em seus braços. Sofreu por não poder compartilhar as dores com sua companheira. Ela, afirma que não pode chamar o que sentia de dor, era algo diferente. O primeiro filho do casal também participou do parto. Um amigo do casal fez questão de apoiar o momento dando suporte material e acompanhando o menino.
Ouvir a mãe falando de seu parto foi algo indescritível e encantador. A fala do pai emocionou a mim e a amiga que me acompanhava na visita. Quanta força e emoção essa família viveu em conjunto naquele dia!
A confiança que as pessoas depositaram umas nas outras, a atenção total que disponibilizaram, a alegria com que contam como tudo deu certo é algo muito bonito de presenciar.
Sei que deve ter havido angústia e medo durante todo o processo, antes até da concepção da criança tão esperada. E é por isso mesmo que podemos pensar na imensa coragem que envolveu todo o desenvolvimento da pequena, a mudança que promove nas pessoas que a cercam e com as quais agora forma a nova família.
Eu e a amiga que visitávamos os novos seres ali unidos dissemos que gostaríamos de estar mais tempo com nosso amigo pai. Ouví-lo nos mostrou um acontecimento não imaginado por mim. Foi realmente surpreendente escutar as emoções de um homem acompanhando a chegada de sua filha com presença e emoção intensa.
Isto que foi negado ao mundo masculino nos assombra e estarrece. Que surpreendente é a emoção de um homem. Como aquele relato mostrou nosso amigo pequenino em sua imensa vontade de ajudar sua esposa no parto e grandioso em sua vibração e envolvimento.
Este casal lindo e seus dois filhos mostram-nos que estamos construindo uma forma de vivermos juntos de forma diferente dessa que estamos acostumados. A frieza da medicina ocidental, o isolamento que esta cultura nos impõe, esse excesso patológico de higiene vem sendo superado centímetro por centímetro, lentamente por cada um de nós em suas práticas cotidianas.
Eu entendo que o envolvimento afetivo real entre as pessoas, entre profissionais e seus clientes, entre transeuntes na rua, pode transformarmos internamente. Um sorriso verdadeiro entre pessoas desconhecidas transforma ambas.