quarta-feira, 26 de março de 2014

Livros lidos em 2014

Não posso precisar agora qual foi a ordem em que li os livros. Talvez até faltem alguns, mas o objetivo é sempre mostrar de onde eu retiro algumas ideias que aparecem nas postagens.

AvóDezanove e o Segredo do Soviético - Ondjáki
Sim, eu li este livro de novo. Ele é uma verdadeira poesia. A resenha é a mesma exposta em 2012, mas fiquei mais emocionada desta vez.

Banquete - Platão
São Paulo: Marin Claret, 2002.
Platão transcreve a defesa que cada filósofo que esteve presente ao banquete apresenta sobre o amor.

João de Ferro: um livro sobre Homens - Robert Bly
Rio de Janeiro: Campus, 1991.
Através da análise do conto João de Ferro, Robert Bly explora com profundidade o mundo masculino. Cada uma das fases da passagem da infância a maturidade do homem é analisada e as falhas possíveis são apontadas e suas consequências indicadas.

Vozes Anoitecidas - Mia Couto
Curiosa para aprender mais sobre autores de países africanos de língua portuguesa, recebi a indicação de Mia Couto. Que grata surpresa! Mia é o mais famoso deles e eu descobri porquê.
Este livro é uma prosa poética. São contos que falam da morte, do amor torto, da incompreensão, da pobreza, da fome. Mia fala de um ser humano que não conhecemos, com profundidade e com leveza, graça, poesia.
Mia Couto precisa ser lido.
Recebi uma palestra dele e compartilho aqui.
http://www.youtube.com/watch?v=ahb9bEoNZaU
Não há o que comentar. Aproveitem!

Os transparentes - Ondjaki
São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Apaixonada por Ondjáki, adquiri esta obra. Este jovem autor angolano apresenta a vida de um grupo de moradores de um edifício abandonado no centro de Luanda. As agruras para sobreviverem, detalhes da vida angolana, o impacto da guerra prolongada são alguns dos ingredientes que compõem este lindo romance. Há um toque de fantasia também.

Cavalgando o leão: à procura do cristianismo místico - Kyriacos C. Markides
São Paulo: Pensamento, 2005.
Este livro é o mais próximo que já li de misticismo e ciência. Markides é sociólogo e estuda o misticismo.

No centro sentimos leveza: conferências e histórias - Bert Hellinger
São Paulo: Cultrix, 2006.
Bert Hellinger é o sistematizador da constelação familiar, técnica ancestral mantida pelo povo Zulu. O então padre, Hellinger, esteve por anos em missão catequizadora dos Zulus em África do Sul. Finalizou sua visita catequizado e nos brindou com este método terapêutico surpreendente.
Nesta obra, Hellinger apresenta alguns conceitos básicos da constelação familiar em conferência e os ilustra com poesias e exemplos clínicos.

As ordens da ajuda - Bert Hellinger
Nesta obra, Hellinger dispõem sobre as formas que terapeutas podem efetivamente ajudar seus clientes. Ele teoriza enquanto realiza as constelações. Assustador e intrigante, Hellinger mostra que a confusão de papéis de terapeuta e pais prejudica de forma contundente o cliente, impedindo a ajuda. Esta obra muda a forma de atendermos os nossos clientes. Obriga-nos a deixá-los independentes de nós. Isto é realmente novo.

Polar - Renato Fino
Brasília: Siglaviva, 2014
Há um carinho especial com esta leitura porque Fino é um amigo querido. Foi ao lançamento do livro e o li três dias depois.
O livro trata do abandono. Fui tomada de assalto porque, como todo ser humano, também fui abandonada. Entre abandonos e abandonamentos, Fino discorre sobre a inevitabilidade de repetirmos o que foi feito a nós. Sem parágrafos, Fino nos obriga a ler seu livro de uma só vez. Nos entristece com sua profunda tristeza, mas esta é a função do artista, nos levar com o seu sentimento.
Polar é um livro gelado.
No final do dia em que li o livro, encontrei-me com Fino e ele me perguntou se eu gostei. Eu lhe disse que o livro não é para ser apreciado. É para ser sofrido. Sim, eu sofri Polar.Escrevi um texto sobre ele no dia seguinte. Está aqui mesmo neste blog, chama-se Paternidade http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com.br/2014/03/paternidade.html

O caminho do touro - Léo Buscaglia
Este lindo e leve livro de Léo mostra-nos o que temos a ganhar em viagens quando nos deixamos envolver pelas pessoas. Durante várias viagens ao oriente, Léo Buscaglia aprendeu coisas suaves, doces e profundas através de diferenças culturais radicais. Lindo como tudo o que ele escreve.
Não tenho as referências editoriais porque presenteei um amigo e esqueci-me de anotar. Sinto muito.

Pai ausente, filho carente: o que aconteceu com os homens - Guy Corneau
São Paulo: Brasiliense, 1989-1993.
Esta obra complementa o João de Ferro anteriormente citado aqui. Aprofunda a análise e estende a discussão. Não sei resumí-lo e terei que relê-lo para melhor aproveitá-lo. Tem livro que suga a gente.

Os sofrimentos de Werther - Goethe
Técnoprint e Ediouro, 1774-19??
Esta obra prima inaugura minha admiração por Goethe. O livro é estudado no mundo inteiro. É um ícone do romantismo. Todas as características desta escola literária estão muito bem apresentadas em Werther: idealização do ser amado, elevação da natureza, desprezo pelos ideais sociais, elogio à vida simples, campesina, amor impossível, dor e sofrimento intangíveis, suicídio como solução aos males do amor.
Com seu estilo epistolar, Werther é exposto visceralmente ao leitor. A suavidade das primeiras cartas vão intensificando-se emocionalmente até o desfecho. A obra é de todo emotiva.
Há que ser lido em sua tradução por Ari de Mesquita que se esmerou em nos trazer a concepção mais próxima possível que Goethe a escreveu, segundo o próprio Ari. A escrita rebuscada usando termos arcaicos amplia o vocabulário extensivamente.
Essencial para quem gosta de clássicos mundiais.

Você é um de nós - Marianne Franke-Gricksch
Patos de Minas: Atman, 2002-2009
Tradução do alemão de Décio Fábio de Oliveira Júnior e Tsuyuko Jinno-Spelter.
Marianne é professora e terapeuta em Constelação Familiar. Neste livro, apresenta sua experiência usando esta técnica com sua turma na escola. Ela explica como começou a usar os "jogos familiares" com seus alunos, como os efeitos eram percebidos pelos pais, como os adolescentes esperavam para trabalhar seus problemas uma vez por semana.
O que vemos na escola é bem explicado por Marianne: ela mostra que em cada sala de aula tem bem mais gente atuando do que os olhos podem ver. Uma experiência simples pode ser transcrita para cá. Durante as provas, ela sugeria aos alunos que imaginassem os pais atrás de si, o pai à direita e a mãe à esquerda. Como os resultados foram muito melhores do que o habitual e as crianças se sentiam mais seguras, passaram a buscar mais informações e demonstrar mais interesse pelos exercícios de constelação.

A identidade - Milan Kundera
São Paulo: Companhia das Letras, 1997-1998
Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca.
Trata-se da história de um casal e de como a relação dos dois os torna mais eles mesmos. Um aprofundamentos nas questões pessoais através do relacionamento amoroso.
Uma passagem é especialmente interessante para mim. Milan, através de sua personagem Chantal, mostra-nos a mudança do papel masculino nos nossos tempos.

O muro - Jean-Paul Sartre
São Paulo: Círculo do Livro, 1939-1990
Tradução: H. Alcântara Silveira.
Quatro contos e uma mininovela compõem este livro: O Muro, O Quarto, Erostrato, Intimidade, A Infância de um Chefe.
Os textos mostram a genialidade de Sartre. Ele nos arrasta para os sentimentos dos seus personagens insólitos. Sempre surpreendente em suas formas de ver a própria vida e encará-la de frente com suas desgraças e encantos, os personagens de Sartre nos convidam a observar experiências inusitadas.
Excelente experiência.

A filha do capitão - Alexandre S. Pushkin
Editora Tecnoprint
Tradução direta do russo: Boris Solomonov.
Pushkin descreve a revolta popular liderada brilhantemente pelo cossaco Pugatchov em 1773. Trata-se de uma novela que romanceia um fato histórico. O autor mostra seu fascínio pelo líder revoltoso, sem deixar de defender a monarquia russa.
Mais um esplêndido autor russo. E, pelo que nos conta Otto Maria Carpeaux na introdução, Pushkin é considerado o Goethe russo.

Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil - Mary Del Priori
São Paulo: Editora Planeta do Brasil
Mary Del Priori é uma das maiores historiadoras do nosso país. Além de ser super competente em sua área de atuação, ela escreve tão bem que não dá pra largar o livro. Del Priori conta a evolução das relações íntimas desde os tempos da colônia até os dias atuais. Com base em processos jurídicos, periódicos, livros médicos e jurídicos ela vai tecendo e revelando que não chegamos a este ponto de "liberdade" sexual facilmente, muito menos de uma hora para outra. É possível vislumbrar o sofrimento feminino e sua luta; a pressão masculina e seu estado atual de torpor e desnorteamento. A história da sexualidade abarca os dois gêneros e, obviamente, os gêneros que estão sendo colocados à luz agora.
Obra indispensável para os estudiosos de gênero e para os que querem entender o que se passa entre o masculino e o feminino hoje.

domingo, 23 de março de 2014

Paternidade

A paternidade se relaciona intimamente com a maternidade. Uma não acontece sem a outra. E falar sobre um ou outro toca a psicologia do gênero porque só é pai quem é homem e só é mãe quem é mulher, independentemente da orientação sexual. 

Não existe quem não tenha pai. Ninguém aqui é abelha. Mesmo que haja alguns homens que temam pela revolução feminista chegar a total exclusão masculina da face da Terra, não creio que isto um dia vá acontecer. Na verdade, também tenho medo do ser que pode nascer de dois óvulos.

Já afirmei que minhas orientações para as mãe dão efeito positivo e, em casos de grande turbulência e desespero, levam a mudanças significativas de comportamento. No texto Paternagem dou um exemplo de intervenção sobre um pai bastante alterado que também mostrou melhoras na ação de sua pequena filha.

Estou pesquisando sobre as características que definem a paternidade saudável. Acabo de ter uma ideia de como encontrá-la: entrevistando pais considerados bem sucedidos. Enquanto isso, o que tenho a oferecer aos pais que me procuram é o mesmo que indico às mães: presença real e física.

Lendo Robert Bly, me instruí sobre a importância do pai mostrar ao filho seu ofício. Estar próximo a ele fisicamente, dividir as atividades cotidianas (lavar carro, consertar uma cadeira, lavar louças, trocar uma lâmpada, apertar um parafuso, fazer o almoço, jogar videogame ou um jogo de tabuleiro), acariciá-lo são atividade que também transmitem a masculinidade adulta ao infante. No caso de um escritor, escrever com seu filho em seu colo.

Um exemplo dilacerante do efeito da ausência paterna está no livro que acabo de ler. A solidão e a dificuldade em poder traçar outro destino para a própria vida são transcritas de forma viceral:
"Essa era a dor do meu pai, tão parecida com a minha própria dor por não saber também o seu paradeiro." (15)
"Ter crescido sem ele foi o mesmo que ter sentido sede e fome que bebida e comida nenhuma podem saciar. E morrerei com essa sede e essa fome de conhecer o meu pai. Talvez eu já seja avô sem saber e talvez alguma criatura ande triste demais pelo mundo assim como eu, por não conhecer o pai ou o avô desaparecido que sou." (85)
Como eu já disse antes, a presença física do pai e o compartilhar de ações transmite à criança a segurança necessária para sua constituição psicológica saudável. Vários são os efeitos da distância entre estes entes e percebo, pelas leituras, que provavelmente os sintomas de TDAH estejam dentro desta "síndrome".
"Antecipava na mente o seu primeiro choro, o seu primeiro riso, a sua primeira sílaba pronunciada, o seu primeiro passo sem estar seguro em minhas mãos e sem estar seguro em nada mais, pisando sozinho sem meu apoio, como eu estive a vida inteira, sem segurar as mãos do meu pai." (12)
Mas a paternidade não pode ser pensada muito distante da maternidade. E é claro que a opressão feminina que durou tantos séculos tem sua marca sobre a relação de mãe e filho/as.
"Do mergulho dado em seus olhos saí como um escafandrista exausto. Foi difícil recolher de sua alma a pérola que me propus arrancar de sua ostra. Mas após tantas redes lançadas eis que consegui arrastar algum tesouro precioso de dentro daquela mulher naufragada. Entendi que estava só, não por ter abandonado um homem ou por ter sido abandonada. Estava só porque sempre esteve só e nunca havia amado ou sido amada. Sua opção de vida a fazia indiferente aos homens. No entanto, notei que era inconsciente a sua opção e que ela nunca havia pensado sobre o assunto de ter ou não ter um macho ao seu lado, a quem ela pudesse servir ou ser servida, como uma diva, uma dama, uma rainha. Do mergulho em suas águas eu trazia ainda outra informação, a secretária estava só porque nunca havia se permitido ao amor, por um lado seria por conta das lições de sua mãe, que, cedo, viu o seu urso partir para nunca mais voltar e, por outro lado, porque, se fosse possível explicar de alguma maneira científica, talvez a secretária carregasse uma carga genética de aversão aos homens, angariada por suas fêmeas ancestrais ao longo dos milênios de maus tratos que a história da humanidade bem conhece."(20-1)
A distância entre homens e mulheres traz impactos severos sobre as gerações pós-revolução feminista e sexual. Temos agora o árduo trabalho de refazer as nossas relações, não retornando ao que sabemos ter dado errado. Reinventar a forma de ser mulher e de ser homem trará consigo novas formas de maternidade e paternidade. Ainda enfrentamos a ilusão de que nós, mulheres, podemos tudo e conseguimos resolver tudo sozinhas.
"... resolveu tocar o barco da família sozinha. Não que ela estivesse certa de que este era o melhor caminho, mas a pressão do mundo sobre as mulheres sempre foi terrível e, então, todas as fêmeas deram para acreditar que não necessitavam mais de homem algum ao lado delas para poder viver. É um pensamento coletivo contagiante sobre o novo mundo feminino, uma imposição machista nascida na alma da própria mulher." (96)
"Por pouco a doutora não perguntou quem era eu e não lamentou o fato de minha mulher estar grávida de um homem. Captei no seu ar a voz silenciosa que dizia à Magna que um dia as coisas seriam diferentes e que as mulheres não mais precisariam fazer a ecografia em tão más companhias." (25)
E pode alguma mulher que me lê, ou seus filhos, dizer que, sim, deu conta de levar sua família com saúde e prosperidade a momentos mais felizes, mais seguros sem a figura masculina avassaladora que os acompanhou no passado. Mas a custa de quê esta mulher segue sozinha? Participo de um grupo psicoterápico cujas mulheres entre 35 e 45 anos se reorganizam por terem sido criadas por mulheres que não tiveram tempo ou estrutura para nutrí-las emocionalmente. Estavam ocupadas demais em sustentar a família. Estavam sobrecarregadas, exaustas por fazerem os papéis masculino e feminino e não lhes sobravam energia para a maternagem.
"Ainda hoje, quando observo os ursos e vejo uma fêmea passar acompanhada da sua cria e sem um macho ao seu lado, penso na infelicidade que deve ser a sua vida, penso em como se arrependem as ursas que deixam seus amores para trás em busca de autonomia e liberdade." (95)
Cabe às gerações atuais construir novas formas de relações que incluam ao invés de excluir. O crescimento é restrito no isolamento. Nossas crianças nos apontam seu sofrimento interno por não terem informações relacionais, movimentos que só podem ser apreendidos quando assistidos de perto e cotidianamente. As famílias monoparentais são consideradas mais seguras, mas não são tão ricas estruturalmente para nenhum dos participantes delas quanto uma família na qual os pais se relacionam intimamente.
"É tolice acreditar que a felicidade esteja na autonomia e que a autonomia venha da liberdade. A felicidade mora entre duas pessoas, jamais na solidão. A liberdade de um ser só existe se amarrada a outro ser."(95)
Não quero aqui restringir as famílias à Do Ré Mi já tratada anteriormente neste blog (Famílias Desestruturadas http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com.br/2009/08/familias-desestruturadas.html e Outros Tipos de Famílias http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com.br/2009/08/outros-tipos-de-familia.html). Mas a evitação do relacionamento por parte do pai ou da mãe provoca um enfraquecimento da experiência humana que pode ser crucial para o desenvolvimento do/as filho/as.

Mais uma vez a arte avança sobre a ciência e traz em seu bojo as questões que queremos tratar, mas temos dificuldades em encontrar as palavras corretas. Talvez por medo de sermos chocantes ou de não sermos bem compreendidos, não digamos logo a que viemos. A literatura, o desenho, o cinema são formas de perceber a realidade como um espelho. Sem tanta luz, sobe o enfoque do artista, é possível transcorrer sobre assuntos de difícil acesso.


Agradeço ao poeta prosador Renato Fino por seu romance Polar (editora Siglaviva) de onde saíram os trechos que iluminam, ou obscurecem, este meu texto.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Cuidadores e auto-cuidado

Aprendemos, durante o curso de Psicologia, que os profissionais clínicos precisam de supervisão para auxiliar nos casos em que se encontra mais dificuldade. Há situações em clínica que a evolução do/a cliente emperra por causa de demandas nossas. Não podemos fazê-lo/a avançar porque temos questões impeditivas para ele/a e para nós. Assim, a supervisão é um dos instrumentos da psicologia para aumento da segurança do trabalho.

Este instrumento é constituído por um profissional da psicologia mais apto do que nós na mesma área em que atuamos. Por isto este nome: super-visão. Alguém com maior experiência e, provavelmente, maior competência, poderá alertar para erros de condução, conduta e questões pessoais.

Lembrando que sou psicóloga escolar pública, tenho muitos colegas que atuam na mesma área e com as mesmas atribuições que eu na mesma instituição. Nos encontramos todas as semanas para informações da nossa central, haja vista a quantidade de núcleos a que pertencemos. Quem é servidor público sabe que quem está na área fim responde a uma infinidade de chefias. Quando temos questões complicadas no trabalho, pedimos a um/a do/as colegas para nos ouvir rapidamente durante o momento do café nas reuniões semanais. Isso nos alivia e oferece novos horizontes. Percebemos que não estamos tão sozinha/os como imaginávamos. Muitas vezes, aquele/a colega que nos ouve tem o mesmo problema ou sua questão é bem mais grave e assustadora que a nossa. No fim a ajuda acaba sendo mútua.

Como esse tempo é curto, embora semanal, as minhas questões começaram a extrapolar o campo laboral e invadir a área social. Minhas/meus amiga/os mais próxima/os passaram a ouvir minhas angústias. Ela/es me ouviam muito bem, mas eu não podia entrar em detalhes. Algumas vezes perguntaram coisas que me faziam entender o meu erro. Isso também atrapalhava a minha relação com ela/es. Enfim, percebi que minha atitude era absolutamente inadequada.

Busquei, então, um atendimento psicológico individual diverso ao espaço de supervisão. Frequento uma psicoterapia cujo único tema é o meu trabalho desde dezembro de 2013. Fui frequente inclusive nas férias, durante as quais municiei minha psicoterapeuta com informações estruturais da minha função e instituição de modo que, quando as encrencas começassem, ela já estaria preparada e entenderia os personagens e as ações enredadas.

É-me impossível exprimir o alívio que eu sinto com este instrumento funcionando!

Sinto-me mais leve, trabalho melhor, com mais rapidez. Ajo com mais diligência, prudência, integridade. Minha memória melhorou. Agora sou eu quem lembra as colegas pedagogas dos casos em atendimento. E ainda estimulo-as a aumentarem sua produtividade!

Tenho uma hora por semana para ser ouvida e cuidada por uma profissional competente, habilitada na função da escuta. A fala desta semana durou 45 minutos. Quando terminei, perguntei: quanto tempo temos? Ainda faltam quinze minutos, ela respondeu. Ah, ainda falei uns vinte! Que delícia!

Correta estava Anna O.: esvaziar a chaminé é realmente fantástico.

Há uma experiência que não posso deixar de compartilhar. Eu trabalho em quatro escolas. Uma delas é pouco iluminada e ventilada, seu pátio amplo é pouco ornado, as pessoas são pouco afáveis, parecem distantes. Esta é a minha percepção e isto fez com que meu trabalho surtisse pouco efeito. Como não me sinto bem lá, meu desempenho caiu sensivelmente e meus horários de frequência na escola passaram a ser torturantes. Enfim, quando minha visita ocorria no período vespertino, eu tinha indisposições físicas.
Quando voltei das férias, uma das minhas sessões foi de lamúrias sobre a escola. Minha psicóloga identificou o problema e aplicou uma técnica de fantasia, segundo ela. Pois a tal técnica funcionou perfeita e imediatamente.

Hoje, atuo nesta escola de forma mais fluida e ágil. Converso com os colegas, mesmo quando estão emburrrados e principalmente se assim estão. Atendo-os. Esforço-me para alegrar a escola e logo, logo darei sugestões para transformar o ambiente, deixando-o mais vivo. Entendo que, muito provavelmente, não sou somente eu que me sinto desta forma, mas cabe mim modificá-lo.

Definitivamente, minha atuação profissional mudou completamente depois da introdução de auto-cuidado. E para muito, muito melhor!

Nada de desídia!

segunda-feira, 17 de março de 2014

Paternagem

Há tanto tempo não escrevo no meu blog que não tenho desculpa para dar. Neste último ano e meio investi muito em mim mesma e de fato não sobrou desejo para mais nada. De qualquer forma, peço desculpas pela tão prolongada ausência.

Tenho um grupo de amigos que discutem muito sobre o ser feminino e o ser masculino. Não é a toa que estou envolvida com estas pessoas. Eu estudo Psicologia do Gênero desde a minha graduação. Fiz esta disciplina com Maria Helena Fávero em 1996 ou 97. Faz um tempão. Depois, cursei a disciplina de mesmo nome na pós-graduação, mas com outras docentes e com menos brilho. Quem foi aluna/o de Fávero sabe do que estou falando.

Hoje, na escola, tenho me questionado sobre a orientação de pais-homens. Como indicar-lhes um caminho? De que ponto partir? Como tratar os filhos, os meninos-homens, as meninas-mulheres? Deve haver diferença? Se sim, que diferença? Como o homem pode oferecer colo para os filhos? Deve oferecê-lo para meninos e meninas igualmente? E eu, enquanto mulher, posso fazer essas orientações? Deveria eu consultar um outro psicólogo-homem para me ajudar a respondê-las?

Vamos começar a falar do meu próprio ponto: do ponto da mulher falando para outra mulher em um mundo feminino. A escola é um terreno feminino. Podem discordar se quiserem. Eu firmo minha opinião aqui. Os espaços do cuidado e da educação são femininos. A maioria da categoria profissional de educador é mulher. Não há como deixar de ser quem se é para se atuar profissionalmente. Isso tem um impacto sobre a formação das crianças. Qual será o impacto desse espaço dominado pelo feminino nas crianças do sexo masculino?

Eu oriento mães. A maioria dos responsáveis que vem falar conosco quando chamados pela escola é mulher -- a mãe, a madrasta, a avó, a tia mesmo que paterna, a irmã. Falando de mulher para mulher, indicamos as incertezas, as falhas, as possibilidades. Ficamos lado a lado com a outra, nos colocamos em seu lugar de trabalhadora com filhos para sustentar, criar, educar, alimentar, afetar, adular, ninar e mimar.

Hoje atendemos, eu e minha colega pedagoga, uma mãe zelosa, mas que não sabe como educar sua filha. Minha primeira intervenção foi a dela oferecer seu colo, abraçar a filha sempre, acariciá-la. Já falei sobre o impacto do contato físico em nós, animais aqui. Bem, ela tomou um grande susto.
Imagine se fosse o pai da criança?

Será que se eu der a mesma orientação para um pai de aluna, o efeito será parecido? Dessa pergunta eu tenho resposta: não. NÃO! Atendi há alguns meses um pai de aluna com comportamento altamente sexualizado. Suas brincadeiras ocorriam com meninos da mesma idade, mas eram muito frequentes e avançadas, assustando as educadoras da escola e o pai. Ao abordar o assunto do colo, o pai ficou absolutamente transtornado. Foi necessário realizar uma intervenção e o senhor reagiu com uma forte catarse. Ora, me desculpem, uma catarse é sempre forte, mas não posso deixar de dar ênfase ao fato. Ele simplesmente disse-nos que não o faria porque tem pânico em imaginar que pode abusar sexualmente da filha.

Então, vejamos: um pai entra em pânico quando a psicóloga da escola da filha indica que ele deve afagar a sua filha, mostrando seus sentimentos em relação a ela de forma física. Uau! Não é novidade para ninguém que nossa sexualidade está distorcida. Não entrarei nessa seara por enquanto. Mas se eu não posso pedir ao pai que o faça, a responsabilidade ficará toda sobre a mãe? Acrescento, então, que a mãe da menina em questão é falecida. E agora? Solicitamos a madrasta? A nova esposa foi abusada enquanto criança ou adolescente e tem dificuldades com toque físico. E agora?

Como sempre eu mostro aos meus leitores que ser psicóloga escolar não tem nada a ver com jardim ou paraíso. Nossas questões são as mais pesadas, assim como de toda a nossa categoria. O que eu defendo neste blog desde a minha primeira postagem é a assunção do nosso papel profissional. Vou expor qual foi a minha orientação para o pai no caso acima descrito.

Após realizar o atendimento emergencial do pai, eu o orientei para mudar radicalmente sua postura em relação a filha e oferecer, sim, seu colo à pequena. Infelizmente, só é possível confiar nos pais para realizar as massagens necessárias ao bom desenvolvimento psicológico durante a infância. Corremos um risco, mas o menor. Ensinei-lhe a se vigiar, já que se sente tão amedrontado com a possibilidade de abuso. Também indiquei uma psicoterapia para ele. A menina reduziu as brincadeiras sexuais a ponto das queixas escolares se anularem. Ela mostra-se menos triste (havia também o luto da mãe).
E se esta nossa pequena cliente fosse um menino? Como teria sido a reação do pai?

Vejo uma crescente participação dos pais-homens na educação formal de nossas crianças. Isso é absolutamente louvável e deve ser respeitado para que o movimento prossiga. Digo isso porque é comum que nós mulheres digamos: "E já não era sem tempo!" Sim, estamos sobrecarregadas, mas o homem também tem problemas que sequer sonhamos. E eles têm um ponto negativo contra: não têm com quem falar de sentimentos e emoções. Não lhes foi permitido sentir ou falar sobre o que vai com eles.

Será que é coincidência que os meninos são encaminhados em maior número para o neurologista, psiquiatra, escolinhas de esporte? A delinquência juvenil, o abuso de drogas, a agressividade física descontrolada, a morte precoce, o suicídio são mais comuns em homens. Estudiosos apontam para a necessidade da criação de secretarias de estado especializadas na atenção à saúde do homem. De fato, o Ministério da Saúde já instituiu alguns programas nesse sentido.

O livro Pai Ausente, Filho Carente de Guy Corneau, indica, em sua página 30,
"Os filhos que não receberam uma 'paternagem' adequada enfrentam com frequência os seguintes problemas: na adolescência tornam-se confusos quanto a sua identidade sexual e muitas vezes apresentam uma feminização do comportamento; falta-lhes amor próprio; reprimem sua agressividade e, com ela, sua necessidade de afirmação, sua ambição e sua curiosidade exploratória. Podem também ter problemas de aprendizagem. Demonstram muitas vezes dificuldade em assumir valores morais e responsabilidades e em desenvolver o senso do dever e de obrigação em relação ao outro. A ausência de limites se manifestará tanto na dificuldade de exercer  a autoridade, quando na de respeitá-la; finalmente, a falta de estrutura interna ocasionará certa fraqueza de temperamento, ausência de rigor e, em geral, complicações na organização da própria vida. Além do mais, as pesquisas indicam que têm maior propensão ao homossexualismo do que os filhos cujos pais estiverem presentes. Têm também maior suscetibilidade a problemas psicológicos: a pior hipótese será a delinquência, a droga e o alcoolismo, tudo isso envolvido por uma revolta infinda contra a sociedade patriarcal, revolta que devolverá ao pai faltoso a imagem de sua ausência."
Este livro foi publicado em 1989, traduzido e editado no Brasil em 1991. Tem tempo!

Ressaltei, em azul claro, os sintomas que considero parecidos com o conjunto a que damos o nome de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Quando foi que Leon Eisenberg juntou os sintomas para denominar de TDAH?

Mais adiante em seu livro, Corneou afirma:
"É absolutamente necessário que os homens comecem a afagar seus filhos, em particular os meninos; assim abrirão para eles a porta da sensibilidade e, ao fazê-lo, descobrirão também sua própria sensibilidade. Isso significa que a sensualidade [não confundir com sexualidade] não será mais proibida aos homens e que as mulheres não mais serão ali isoladas; os homens também têm um corpo, e as pessoas têm necessidade de ser tocadas para manter seu equilíbrio e saber que existem." (pág. 38)
Agradeço à Elizabeth Carneiro por me oferecer este livro. Salvou-me. Sim, porque ser pioneiro é muito difícil, imagina ser pioneira?

Escrevi tudo isto para contextualizar as questões que atualmente me afligem. Como será que eu, enquanto mulher, posso auxiliar os homens-pais a fazer a sua paternagem?

Faço aqui um apelo às minhas colegas psicólogas escolares: os homens precisam de ajuda. Eles não sabem ser pais. Muitos acham que buscar na escola, oferecer o sustento, dar presentes e estar em casa é ser um excelente pai. Nós precisamos descobrir o que é ser um bom pai, que atitudes e comportamentos constituem este ser de forma a suprir as necessidades dos filhos, meninos-homens e meninas-mulheres, em relação ao seu desenvolvimento global. Precisamos descobrir para depois ensinar a eles!