A paternidade se relaciona intimamente com a
maternidade. Uma não acontece sem a outra. E falar sobre um ou outro toca a
psicologia do gênero porque só é pai quem é homem e só é mãe quem é mulher,
independentemente da orientação sexual.
Não existe quem não tenha pai. Ninguém aqui é
abelha. Mesmo que haja alguns homens que temam pela revolução feminista chegar
a total exclusão masculina da face da Terra, não creio que isto um dia vá
acontecer. Na verdade, também tenho medo do ser que pode nascer de dois óvulos.
Já afirmei que minhas orientações para as mãe dão
efeito positivo e, em casos de grande turbulência e desespero, levam a mudanças
significativas de comportamento. No texto Paternagem dou um exemplo de
intervenção sobre um pai bastante alterado que também mostrou melhoras na ação
de sua pequena filha.
Estou pesquisando sobre as características que
definem a paternidade saudável. Acabo de ter uma ideia de como encontrá-la:
entrevistando pais considerados bem sucedidos. Enquanto isso, o que tenho a oferecer
aos pais que me procuram é o mesmo que indico às mães: presença real e física.
Lendo Robert Bly, me instruí sobre a importância do
pai mostrar ao filho seu ofício. Estar próximo a ele fisicamente, dividir as
atividades cotidianas (lavar carro, consertar uma cadeira, lavar louças, trocar
uma lâmpada, apertar um parafuso, fazer o almoço, jogar videogame ou um jogo de
tabuleiro), acariciá-lo são atividade que também transmitem a masculinidade
adulta ao infante. No caso de um escritor, escrever com seu filho em seu colo.
Um exemplo dilacerante do efeito da ausência
paterna está no livro que acabo de ler. A solidão e a dificuldade em poder
traçar outro destino para a própria vida são transcritas de forma viceral:
"Essa era a dor do meu pai, tão parecida com a minha própria dor por não saber também o seu paradeiro." (15)
"Ter crescido sem ele foi o mesmo que ter sentido sede e fome que bebida e comida nenhuma podem saciar. E morrerei com essa sede e essa fome de conhecer o meu pai. Talvez eu já seja avô sem saber e talvez alguma criatura ande triste demais pelo mundo assim como eu, por não conhecer o pai ou o avô desaparecido que sou." (85)
Como eu já disse antes, a presença física do pai e
o compartilhar de ações transmite à criança a segurança necessária para sua
constituição psicológica saudável. Vários são os efeitos da distância entre
estes entes e percebo, pelas leituras, que provavelmente os sintomas de TDAH
estejam dentro desta "síndrome".
"Antecipava na mente o seu primeiro choro, o seu primeiro riso, a sua primeira sílaba pronunciada, o seu primeiro passo sem estar seguro em minhas mãos e sem estar seguro em nada mais, pisando sozinho sem meu apoio, como eu estive a vida inteira, sem segurar as mãos do meu pai." (12)
Mas a paternidade não pode ser pensada muito
distante da maternidade. E é claro que a opressão feminina que durou tantos
séculos tem sua marca sobre a relação de mãe e filho/as.
"Do mergulho dado em seus olhos saí como um escafandrista exausto. Foi difícil recolher de sua alma a pérola que me propus arrancar de sua ostra. Mas após tantas redes lançadas eis que consegui arrastar algum tesouro precioso de dentro daquela mulher naufragada. Entendi que estava só, não por ter abandonado um homem ou por ter sido abandonada. Estava só porque sempre esteve só e nunca havia amado ou sido amada. Sua opção de vida a fazia indiferente aos homens. No entanto, notei que era inconsciente a sua opção e que ela nunca havia pensado sobre o assunto de ter ou não ter um macho ao seu lado, a quem ela pudesse servir ou ser servida, como uma diva, uma dama, uma rainha. Do mergulho em suas águas eu trazia ainda outra informação, a secretária estava só porque nunca havia se permitido ao amor, por um lado seria por conta das lições de sua mãe, que, cedo, viu o seu urso partir para nunca mais voltar e, por outro lado, porque, se fosse possível explicar de alguma maneira científica, talvez a secretária carregasse uma carga genética de aversão aos homens, angariada por suas fêmeas ancestrais ao longo dos milênios de maus tratos que a história da humanidade bem conhece."(20-1)
A distância entre homens e mulheres traz impactos
severos sobre as gerações pós-revolução feminista e sexual. Temos agora o árduo
trabalho de refazer as nossas relações, não retornando ao que sabemos ter dado
errado. Reinventar a forma de ser mulher e de ser homem trará consigo novas
formas de maternidade e paternidade. Ainda enfrentamos a ilusão de que nós,
mulheres, podemos tudo e conseguimos resolver tudo sozinhas.
"... resolveu tocar o barco da família sozinha. Não que ela estivesse certa de que este era o melhor caminho, mas a pressão do mundo sobre as mulheres sempre foi terrível e, então, todas as fêmeas deram para acreditar que não necessitavam mais de homem algum ao lado delas para poder viver. É um pensamento coletivo contagiante sobre o novo mundo feminino, uma imposição machista nascida na alma da própria mulher." (96)
"Por pouco a doutora não perguntou quem era eu e não lamentou o fato de minha mulher estar grávida de um homem. Captei no seu ar a voz silenciosa que dizia à Magna que um dia as coisas seriam diferentes e que as mulheres não mais precisariam fazer a ecografia em tão más companhias." (25)
E pode alguma mulher que me lê, ou seus filhos,
dizer que, sim, deu conta de levar sua família com saúde e prosperidade a
momentos mais felizes, mais seguros sem a figura masculina avassaladora que os
acompanhou no passado. Mas a custa de quê esta mulher segue sozinha? Participo
de um grupo psicoterápico cujas mulheres entre 35 e 45 anos se reorganizam por
terem sido criadas por mulheres que não tiveram tempo ou estrutura para
nutrí-las emocionalmente. Estavam ocupadas demais em sustentar a família.
Estavam sobrecarregadas, exaustas por fazerem os papéis masculino e feminino e
não lhes sobravam energia para a maternagem.
"Ainda hoje, quando observo os ursos e vejo uma fêmea passar acompanhada da sua cria e sem um macho ao seu lado, penso na infelicidade que deve ser a sua vida, penso em como se arrependem as ursas que deixam seus amores para trás em busca de autonomia e liberdade." (95)
Cabe às gerações atuais construir novas formas de
relações que incluam ao invés de excluir. O crescimento é restrito no
isolamento. Nossas crianças nos apontam seu sofrimento interno por não terem
informações relacionais, movimentos que só podem ser apreendidos quando
assistidos de perto e cotidianamente. As famílias monoparentais são
consideradas mais seguras, mas não são tão ricas estruturalmente para nenhum
dos participantes delas quanto uma família na qual os pais se relacionam
intimamente.
"É tolice acreditar que a felicidade esteja na autonomia e que a autonomia venha da liberdade. A felicidade mora entre duas pessoas, jamais na solidão. A liberdade de um ser só existe se amarrada a outro ser."(95)
Não quero aqui restringir as famílias à Do Ré Mi já
tratada anteriormente neste blog (Famílias Desestruturadas http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com.br/2009/08/familias-desestruturadas.html e Outros Tipos de Famílias http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com.br/2009/08/outros-tipos-de-familia.html). Mas a evitação do relacionamento por parte
do pai ou da mãe provoca um enfraquecimento da experiência humana que pode ser
crucial para o desenvolvimento do/as filho/as.
Mais uma vez a arte avança sobre a ciência e traz
em seu bojo as questões que queremos tratar, mas temos dificuldades em
encontrar as palavras corretas. Talvez por medo de sermos chocantes ou de não
sermos bem compreendidos, não digamos logo a que viemos. A literatura, o
desenho, o cinema são formas de perceber a realidade como um espelho. Sem tanta
luz, sobe o enfoque do artista, é possível transcorrer sobre assuntos de
difícil acesso.
Agradeço ao poeta prosador Renato Fino por seu
romance Polar (editora Siglaviva) de onde saíram os trechos que iluminam, ou
obscurecem, este meu texto.
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