quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Avaliações institucionais ou o despreparo dos psicólogos

Meus leitores sabem que parte da minha atuação profissional é dedicada à avaliação de alunos. Fazemos isso para ajustar as salas de aula e os atendimentos especializados disponíveis pela Secretaria de Educação do Distrito Federal às necessidades educacionais especiais dos alunos.

Para ser avaliado, um aluno deve ser encaminhado ao nosso serviço. Sim, burocracia. Enfim, creio que nenhum servidor público está livre desta grande praga.

Em meio a muitas fichas de alunos, fui questionada por uma educadora sobre a demora para avaliar os alunos de uma das escolas atendidas pela minha equipe. Ela expôs que acredita no auxílio de instituições particulares para avaliar nossos alunos. Apesar de questionar a validade de tais avaliações externas, eu ouvi atentamente a opinião da professora e discuti as dificuldades do nosso serviço. Ela, muito atenciosamente, buscou um relatório de avaliação feito, a pedido dos responsáveis pelo aluno, por uma faculdade de psicologia. O relatório foi considerado ótimo por ela e pela professora regente do aluno avaliado. Tem cinco páginas com muitas explicações sobre os instrumentos psicológicos utilizados.

A professora afirmou que o relatório descreve muito bem o aluno, que mostra quem ele é. Em que isto auxilia o trabalho em sala de aula? Uma ratificação de observação facilita o trabalho pedagógico? A descrição do comportamento do aluno segundo observações em laboratório ajuda a definir o método pedagógico a ser utilizado para facilitar o aprendizado de alguém? Que angústia dessas professoras foi suprida com este relatório? Vou pesquisar essas questões e postarei futuramente uma possível resposta.

Sobre o relatório, o primeiro parágrafo escrito sobre o aluno propriamente dito indica sintomas típicos de Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). Como tenho achado muitos alunos dentro do espectro autista, achei que era imaginação, erro meu. Prossegui na leitura e não tive mais dúvida. Defronte a pilha de encaminhamentos sem avaliação, eu fui apresentada a um aluno que precisa de atendimento diferenciado e que não foi sequer encaminhado para minha avaliação. Sim, querida/os leitora/es, este aluno nunca foi encaminhado ao meu setor. Além desse problema, não há menção do diagnóstico vislumbrado por mim. Este aluno deve ser avaliado por um psiquiatra, já que somente um médico pode fechar o diagnóstico de TGD. A supervisora da estagiária que avaliou nosso aluno não percebeu a gravidade dos sintomas.

Aqui cabe a minha crítica mais forte: nós, psicóloga/os, saímos da faculdade sem saber avaliar o psiquismo de nossos clientes. Independentemente da discussão sobre rotular ou não uma pessoa, a preocupação com o melhor tratamento deve estar presente em nossas ações. Que formação damos aos psicólogos latentes? Apesar do fenômeno de medicalização da aprendizagem ser contundente e perigoso, alguns problemas são notados apenas na escola. E, como nesse caso, às vezes nem por ela.

Esta criança merece ser vista com outros olhos e é isso que nos oferece um diagnóstico. Uma pessoa que tem um transtorno global do desenvolvimento não apresenta marcadores físicos. Este é um problema do qual sabemos ainda muito pouco. Mas podemos dizer, por exemplo, que não é pirraça suas crises de agressividade; não constitui preguiça sua dificuldade em registrar; não podem ser considerados teimosia ou veneta seus momentos de isolamento.

Como expressei na postagem anterior (16.000) apresento aqui a minha angústia: a busca da pedagogia por não se sabe o quê, a falta de preparo da psicologia em oferecer um bom serviço, a ignorância geral que permite uma criança chegar à 4ª série sem ninguém desconfiar de um transtorno tão sério, a burocracia que emperra o serviço público, a grande demanda que representa uma escola para seu/sua psicólogo/a.

Esta postagem será revisada em breve!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

16.000

Tradição deste blog é marcar o milhar de acessos.
Mais uma vez, e como sempre, agradeço a frequência e o acesso de todos e de cada um.
Este blog é escrito com muito carinho e, às vezes, com muita raiva e angústia.
Compartilho aqui minhas descobertas enquanto psicóloga escolar.
Meu objetivo é trocar com colegas e com alunos de psicologia que se interessam pela aplicação desta ciência nas escolas.
A intenção é o crescimento mútuo e constante.
Vicenza Capone

sábado, 5 de novembro de 2011

Possibilidades de gênero

Acabo de entrar em contato com o drama de uma pessoa que nasceu com um sexo, mas pensa, sente e age conforme outro gênero.

O corajoso João Nery nos apresenta o conflito em que vive desde os quarto anos de idade quando começou a agir conforme seu gênero: masculino. Ele mostra a rigidez da sociedade moderna em aceitar as pessoas como elas simplesmente são e como isto dificulta todas as ações de quem não se enquadra em seus preceitos. É muito complicado se colocar no lugar de João mesmo lendo o livro. Suas dificuldades são de todos os níveis: afetivo, físico, postural, relacional, profissional. Até ir ao banheiro é complicado. Ao ir a um banheiro feminino, João era expulso por demonstrar ser homem. No banheiro masculino, não é possível usar o mictório, esperar pela cabine era questionado pelos demais usuários. Nas ocasiões em que todos os homens vão às árvores, João sempre precisou de banheiro formal. Todos os conhecidos lhe cobravam uma postura feminina, mesmo tendo diante de si um homem.

João perdeu toda sua produção reconhecida socialmente ao decidir ajustar seu corpo à sua personalidade. Seu diploma, seus direitos trabalhistas, seu currículo, seu nome. Nasceu de novo. Recomeçou. Mesmo já estabelecido profissionalmente, João preferiu modificar seu corpo a prosseguir em desajuste com ele. Além disso, pode ser considerado um criminoso por ter alterado seus documentos ilegalmente para evitar constrangimentos (vê-se um homem que tem documentos femininos): falsidade ideológica.

Solicito que façam uma análise agora: diploma, carreira em ascensão, reconhecimento profissional dispensados por um corpo em conformidade com a sua auto-imagem. Imaginem o sofrimento por que passa esta pessoa!

Precisamos mesmo testemunhar o sofrimento atroz de alguém para que possamos aceitá-la por piedade? Não deveríamos compreendê-la e aceitá-la como é e receber sua oferta social sem cobranças preconcebidas?

Imagino que a/os leitora/es estão questionando porque resumo a história dramática de João neste blog de Psicologia Escolar. Explico: nossa sociedade é preparada na família e na escola. Minhas professoras costumam me encaminhar crianças que não seguem os padrões de gênero que demonstram. Gays, Marias João estão nas escolas durante a infância e nossos detectores de desvios os anunciam rapidamente. As crianças os apontam, desrespeitam. São pessoas que devem ser adaptadas, curadas, consertadas. E quem melhor do que um psicólogo para realizar tal ajuste?

Nós precisamos estar preparadas para esta demanda. O que diremos quando uma/um professor/a nos solicitar atendimento neste sentido? Entendemos que as pessoas têm direito de se manifestarem como são? Compreendemos que orientação sexual não é uma opção? Vislumbramos as possibilidades de gênero que o ser humano apresenta? Percebemos que a sociedade não oferece liberdade de ação, mas exige que se cumpram seus padrões? Sabemos que a fuga das normas sociais tácitas impõe sérias restrições e punições severas? Estamos preparados para nos colocar no lugar do ente que sofre ao invés de julgá-lo como todos os outros agentes sociais fazem? Que diferença a psicologia pode fazer para as pessoas de orientação sexual diferente do padrão estando dentro das escolas?

A professora de João sempre o aceitou sem dizer à família que havia algo errado com ele.

Indico a autobiografia de João W. Neri – Viagem solitária: memórias de um transexual trinta anos depois.

domingo, 23 de outubro de 2011

Brincadeiras naturais

Já falei aqui sobre o impacto de jogos eletrônicos sobre o desenvolvimento. Reintero minha opinião e acrescento que atividades que restringem o movimento corporal ou que não o promovem e estimulem, prejudicam o desenvolvimento psicomotor, o processamento visual e o auditivo.

A psicomotricidade relaciona-se aos sentidos cinestésico e vestibular. Sempre nos foi dito vulgarmente que o homem tem cinco sentidos. Mas a ciência acrescenta-nos ainda os dois acima relacionados. O sentido cinestésico refere-se à percepção que temos do nosso corpo em relação a si próprio. Mesmo sem utilizar a visão é possível saber onde estão braços e pernas, em que posição estão cada uma das mãos e pés. Com o sentido vestibular nos referimos à capacidade de ter consiciência do nosso corpo em relação ao solo. Neste, utilizamos o labirinto cujo líquido sofre influência da gravidade e receptores informam ao cérebro sua posição. Estes dois sentidos trabalham juntos informando o sistema central de forma a podermos nos movimentar ou permanecermos parados.

A coordenação de músculos e informações é estabalecida e fortalecida com o uso. Nascemos com esta capacidade, mas ela tem que ser desenvolvida. Um bebê apresenta movimentos des desordenados e cresce em direção ao auto-domínio. A movimentação coerente, ritmada, a boa mira, o alcance de objetos móveis, são aquisições no escopo da psicomotricidade. Pressionar, segurar um objeto e realizar movimentos determinados com ele também são da ordem da psicomotricidade. São ações necessárias para a escrita.

Aqui é possível perceber com muita clareza que várias informações devem ser coordenadas, analisadas e, posteriormente, utilizadas. Este raciocínio é fácil quando o foco é movimento, mas talvez não seja tão claro para visão e audição. A organização dessas informações é chamada de processamento. Talvez seja um paralelo com a teoria dos computadores.

Assim, temos o procesamento visual e o auditivo. Estes dois não se relacionam à área médica correspondente aos órgãos. Isto torna complicada a detecção de problemas, pois a nossa sociedade é centrada em defeitos clínicos e não funcionais, como é o caso do que tratamos aqui. Quando há problema, os pais levam os filhos aos médicos que detectam defeitos ou dificuldades e não encaminham os pacientes para outros profissionais.

O processamento visual é a junção das informações que vêm de cada olho. Se os olhos não focalizam a mesma coisa, temos um problema no procssamento. Isto ocorre, de forma simplificada, pela diferença de tônus muscular dos olhos. Sim, os olhos têm músculos que os fazem mover-se em todas as direções e os impedem de girar para trás. É fácil pensar que todos os movimentos que ocorrem ou podemos executar são realizados por músculos, sejam lisos ou estriados. Que me corrijam os especialistas no assunto. Temos trÊs pares de músculos em cada olho e eles estão sincronizados entre os dois olhos. A falta de tônus em um músculo de um olho já faz com que seu movimento não seja completo, provocando a distorção na junção das imagens.

Enfim, o processamento auditivo refere-se à decodificação dos estímulos elétricos traduzidos da vibração causada pelo som a nível cerebral. De forma simples, a informação não é compreendida quando há falha no processamento. Neste caso, temos uma surdez funcional. Clinicamente tem-se o aparelho auditivo perfeito. Suas funções e estruturas estão preservadas, mas, por algum motivo, o cérebro não decodifica suas informações.

Por que falo destes três elementos se no início da postagem referí-me a jogos eletrônicos? Porque as brincadeiras ao ar livre - subir em árvores, conhecer pássaros pelo canto e localizá-los, brincar com formigas, pular corda, brincar de bola, jjogar pique-pega, jogar bola de gude ou biloca (se preferirem), ouvir histórias, brincar de finca, bocha, fazer e soltar pipa, correr atrás de pipa voada, brincar de elástico, pular amarelinha, brincar de esconde-esconde, cabra-cega - proporcionam o desenvolvimento do processamento auditivo, visual e da psicomotricidade, necessários para uma vida saudável.

A busca de escolinhas de esporte pelos pais modernos é bastante saudável, eu assim o considero. Entretanto, os esportes direcionados e os jogos em X-box (bem melhores que os sedentários vídeo-games clássicos) não suprem em força, agilidade, diversão aprendizagem e prazer as brincadeiras "naturais". Basta pensar na localização de um fruto maduro, a observação do caminho para chegar nele, a subida na árvore (força, agilidade, raciocínio motor), o alcance da fruta, o desfrute saboroso do objeto conquistado, a nutrição biológica, psicológica e social resultante.

Parques, chácaras e acampamentos podem propiciar este desenvolvimento caso as crianças sejam estimuladas pelos pais. Digo isso porque não se deve esperar que uma criança criada em apartamento suba numa árvore assim que a veja ou reconheça uma fruta pelo pé. A insegurança das cidades faz com que a criação dos filhos se torne uma tarefa muito mais complicada do que outrora foi.

Deixo como sugestão para os pais que aproveitem esta indicação de atividade com os filhos para desestressar de seus problemas cotidianos. Pensem que os aparelhos e a indústria modernos já economizam muito do nosso tempo. Imagine quanto tempo deve ser gasto para se plantar, colher, secar, torrar, moer, coar para que finalmente se possa tomar um café. Este tempo economizado deve ser investido em seres humanos mais saudáveis. Ofereça exemplos de saúde ao seu filho.

E para você, psicóloga/o latente ou profissional, oriente o seu cliente a abandonar atos auto-destrutivos. Estimule o convívio com a natureza indicando com ações simples. Nossos corpos, intelecto, crianças e futuro agradecerão.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Utilizando jogos: Damas Chinesas

Este é um jogo muito pouco conhecido pelos brasileiros. Apesar de estar quase sempre disponível em caixas com múltiplos jogos, como o Clube Grow, não conheço ninguém que saiba suas regras entre colegas, pais e crianças.

Mais um jogo de tabuleiro que pode ser jogado entre duas até seis pessoas. Seu tabuleiro é uma estrela de seis pontas. Uma estrela de Davi. As pontas das estrelas são divididas de modo a formar um hexágono regular ao centro. Toda a estrela é pontilhada. Nas pontas deve haver dez pontos. Nestes pontos coloca-se peças (botões, tampas, tachinhas, moedas). O objetivo do jogo é levar os botões para o triângulo diametralmente oposto. Move-se as peças de pontos em pontos ou pulando-se as peças pelo caminho. Os pulos podem ser múltiplos e devem sempre ocorrer em linha reta, mas entre um pulo e outro pode-se angular. A internet disponibiliza este jogo, caso queiram visualizar, estudar as regras e/ou jogar.

Este é um exemplo de jogo cooperativo. Não há captura de peças dos oponentes. Pode-se pular peças próprias ou de outrem. Há movimentos de defesa, mas ao se preocupar com isso, perde-se muito tempo e, provavelmente o jogo. Apesar disso, ele ainda é um jogo competitivo, porque alguém ganha.

No Damas Chinesas é possível trabalhar bastante a estratégia. Crianças pequenas e deficiêntes mentais não conseguem pular longas distâncias sem estímulo constante. Mesmo quando se mostra a possíbilidade de fazê-lo, em outra oportunidade não há repetição. Assim, antes da capacidade de abstração estar iniciada, não há planejamento. Isto é facilmente perceptível neste jogo.

Trabalhamos neste jogo a observação da movimentação dos oponentes, a percepção de tempo disponível para agir, a perspicácia em perceber caminhos novos que os outros jogadores abrem, o planejamento, a ansiedade, a aceitação de ações dos outros que atrapalham o planejamento feito, o respeito pela vez do colega.

Em especial a ansiedade é trabalhada quando se percebe um caminho possível, mas não é o momento de agir ainda. É necessário esperar que todos joguem para atuar e quando é chegado a hora, muitas vezes o caminho visto já foi modificado. Então, é preciso refazer o plano. Crianças por volta de dez anos já demonstram sinais agudos de ansiedade. Neste jogo podemos mostrar a elas como controlar esta emoção danosa e indicar os prejuízos que dela podem surgir.

Alguns de meus alunos hiperativos demonstram maior contato com as atividades dos colegas do que com a sua própria. Eles dão sugestões do que os outros devem fazer mas não conseguem agir corretamente ou com aproveitamento. Enfim, são como Donas Fifis que se ocupam da vida alheia. Durante jogos coletivos este comportamento fica muito evidente. Em geral, expresso com voz suave a incoerência de seu ato. Digo claramente que devem criar estratégias para si e não para os outros, principalmente porque atrapalha o plano e a estratégia alheia. A voz suave é usada para contrastar com sua agitação habitual. A suavidade causa um choque que lhe chama a atenção para a informação. Após a primeira indicação, quando ocorre a repetição do comportamento indesejado, indico com uma interjeição em tom de voz grave de modo a lembrar-lhe o que foi corrigido.

Essa forma de agir, é absolutamente idiossincrática. Mostro aqui que coisas sutis, como tons de voz diferenciados e expressões faciais, são muito eficazes na mudança de comportamento.

Relembro que o objetivo das postagens sobre uso de jogos comerciais é a exposição da minha técnica de trabalho com alunos hiperativos e com problemas de aprendizagem.

Utilizando jogos: Xadrez

Prosseguindo em nossa análise de jogos para atendimento psicológico com enfoque nas demandas escolares, estudaremos o Xadrez. Antigo, percebido inicialmente como chato ou jogo para velhos pelos pequenos, depois que aprendem as regras eles ficam fascinados. E elas são muitas. Mas considero o Can can mais complexo que o Xadrez, embora mais fácil de jogar e de ganhar. O Xadrez é tranquilo para se jogar, mas difícil de ganhar.

Jogo tradicional, de tabuleiro e muito estético, um jogo de Xadrez montado é artigo de decoração. O encantamento dos meus alunos começam por aí. Eles respeitam muito aquelas pequenas esculturas. Talvez pensem que não é para eles. Dizem sempre que não sabem jogar e não se arriscam.

Aqui podemos começar a trabalhar a confiança da criança em nós e, em seguida, nela mesma. Como este jogo é considerado típico de intelectuais ou de classe social abastada, nossos alunos consideram-no difícil. Mostramos as possibilidades de usá-lo, ensinamos as regras e elogiamos sempre que acertam para fortalecê-los perante o objeto antes distante.

As regras são quase restritas ao movimento das peças. Os peões movem-se para frente, de casa em casa, exceto pelo primeiro movimento que pode ser duplo, conforme queira o jogador. As torres se movem por quantas casas se desejar, vertical e horizontalmente. Os bispos são movidos também por várias casas, mas na diagonal. A rainha une os movimentos da torre e do bispo. O rei movimenta-se como a rainha, porém casa a casa, como o peão. O cavalo movimenta-se em "L" e é a única peça que salta as outras. O objetivo do jogo é conquistar o rei adversário. Adquire-se as peças do oponente por substituição na casa e não passando-se por cima dela como no jogo de Damas. Se o peão chegar ao final do campo, pode-se solicitar uma peça adquirida pelo oponente de volta ao jogo, em substituição. Há o roque, uma jogada de defesa em que a torre não movida troca de lugar com o rei. No roque não pode haver nenhuma peça entre as duas que se movem. O roque pode ser pequeno e grande, a diferença se dá pela distância entre o rei e a torre. Deve haver mais jogadas especiais como o roque e a troca do peão, porém eu não as conheço e não utilizo com os alunos.

Aqui não é possível o jogo em grupo de alunos. Utilizamos vários tabuleiros e vamos supervisionando. Isto dificulta muito a interpretação dos eventos que surgem durante as jogadas. Entretanto, é possível trabalhar com dois ou três duplas se o objetivo é trabalhar a atenção, a concentração, o planejamento de ação, a previsão das jogadas do oponente, o respeito pelo momento do outro jogar.

Caso seja possível trabalhar com apenas um aluno, é possível provocá-lo com jogadas. A exploração de erros mostra-se como terreno fertilíssimo para interpretações clínicas. Durante o que se mostra como um jogo comum, se transforma na leitura fidedigna do que acontece normalmente na vida da pessoa. Como ele se coloca perante o mundo, como age frete a dificuldades, como lida com a distração dos outros, por exemplo.

Relatei um caso aqui de um aluno que eu quase sempre atendia jogando Xadrez (http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2009/09/um-caso-de-indisciplina-grave.html). Mostrei-lhe todos os seus comportamentos equivocados através de movimentos reais durante as partidas. Ele superou sua dificuldade de aprendizagem e seu comportamento infantil e irresponsável foi desvendado para ele mesmo. Assim foi possível avançar em seu desenvolvimento global.

Creio ser o Xadrez o jogo mais poderoso disponível para trabalhar planejamento de ação. É possível perceber quais são as futuras jogadas do aluno, dificultar sua ação, perceber se se distraiu de seu objetivo parcial, se está te distraindo para preparar outra jogada (L. sempre fazia isso, demonstrando sua inteligência e a minha falta de atenção).

Enfim, este jogo é muito frutífero. As estratégias de ação são muito variadas e as possibilidade de interpretação clínica também. Tenho muito sucesso com jogos clássimo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Utilizando jogos: Can can

Existem muitos jogos no mercado, como afirmei anteriormente, que podem ser usados durante os atendimentos direcionados para melhoria do desempenho escolar. Como prefiro trabalhar em grupo, discutirei inicialmente jogos coletivos.

O mais usado por mim é o Can can da Grow. Esta empresa tem baixado bastante a qualidade de seus produtos. Imagino que seja a concorrência severa dos produtos chineses. Enfim, os jogos antigos são bem melhores que os modernos. As cartas novas estão transparentes sendo fácil visualizar as cores que os oponentes têm em suas mãos.

Gosto muito deste jogo porque ele possui muitas regras. Apenas crianças inteligentes conseguem coordenar todas as normas para jogar. Em geral, durante minhas avaliações psicológicas também o utilizo por isso. Expresso todas as regras inicialmente. Se a criança lembra-se de como jogar e coordena as regras na segunda partida, a suspeita de deficiência mental está descartada.

O Can can é um baralho de 116 cartas, divididas em quatro cores (amarela, vermelha, verde e azul), quarenta numeradas de um a dez, quatro figuras e dois coringas.

A regra básica é seguir em cor ou desenho a carta que está sobre a mesa, lembrando que um número é um desenho. Assim, se temos um cinco amarelo poderemos jogar uma carta amarela ou um cinco de qualquer cor. Há cartas especiais chamadas figuras. Elas possibilitam pular o próximo jogador, reverter a ordem do jogo entre horário e anti-horário, fazer o jogador seguinte pegar duas cartas e não jogar, e obrigar o jogador anterior a comprar uma carta. Há ainda os coringas que podem ser usados sobre qualquer cor com a diferença que o coringa +4 obriga o próximo jogador a pegar quatro cartas e não jogar. O coringa +4 só pode ser descartado caso o jogador que possuí-lo não tiver descarte possível. Porém, é permitido o blefe. Este pode ser questionado por quem se sente prejudicado. No caso de verificado o blefe, o dono do coringa deve recolhê-lo e comprar quatro cartas, descartando a carta possível. Em caso de ato correto, o acusador comprará mais duas cartas além das quatro. A verificação é feita com o jogador dono do coringa mostrando suas cartas ao acusador. Para os dois tipos de coringas é necessário que quem o descartou escolha a cor que o jogador seguinte deverá usar. É possível rebater as figuras +2, neste caso somam-se as cartas quando o jogador não puder rebatê-la. Quando um jogador estiver com apenas uma carta na mão, deverá anunciá-lo de viva voz, dizendo "Can can" ou "estou por uma". Caso esqueça, será punido com mais duas cartas, saindo assim da possibilidade de ganhar a partida. Após o "bate", o jogo segue até chegar novamente em quem bateu. Ganha quem termina o partida sem cartas na mão e o jogo, quem tem menos pontos. Os pontos são contados considerando-se o valor nominal das cartas simples, vinte pontos para as figuras e cinquenta pontos para os coringas.

Espero que o/a leitor/a tenha percebido porque entendo como inteligente a criança que consegue jogar o Can can na segunda partida sem dúvidas sobre as regras. Assim como as regras sociais, elas devem ser coordenadas constantemente. O movimento dos oponentes também deve ser observado para saber quais as melhores atitudes a tomar. Quais cartas descartar, quando blefar, quando fazer o jogo mudar de direção. Faço sempre um paralelo entre a complexidade deste jogo e as regras sociais. Principalmente, digo aos meus alunos que eles devem conhecer as regras com profundidade para que possam usá-las em benefício próprio e, assim, ganhar no jogo e na vida. O primeiro e mais simples exemplo é a explicação da professora. Ao prestar atenção na professora, fica fácil entender o que se deve fazer. É ela quem diz as regras. Seguir o que ela diz agiliza a execução da tarefa e será possível iniciar outra atividade em seguida.

Sim, eu sei que isto pode complicar a professora. Meus colegas psicólogos que não entenderam serão esclarecidos imediatamente: o aluno que termina rápido, brinca. A professora deve estar preparada para isso. Como a maioria dos meus alunos é hiperativa, tem assim a sua atenção treinada. Se atentos, compreendem rapidamente o que deve ser feito. Finalizam sua atividade e começam a atrapalhar a aula com suas conversas e brincadeiras, nem sempre saudáveis. Em geral, solicitamos às professoras que tenham mais atividades para eles enquanto os demais da turma estão finalizando a tarefa proposta para o momento.

Além de usar as regras, meus alunos devem estar atentos para seu momento de jogar e para o sentido em que o jogo está andando. Sou exigente e gosto de jogar rápido justamente para treinar sua atenção. Eles têm respondido bem a minha forma de atuar. Brigo com eles quando não sabem de quem é a vez de jogar ou quando não entendem o que está acontecendo: significa que estão desatentos.

Muito de nossos alunos são desorganizados o que lhes prejudica muito a atuação em sala de aula e a elaboração dos deveres de casa. Durante as partidas de Can can é fácil notar quem é desorganizado. Como atendemos em dupla, eu e a pedagoga, ao notarmos que a criança está atrapalhada, uma de nós vai até ela e mostra-lhe como organizar as cartas em sua mão. Há casos em que a coordenação deve ser trabalhada. Demonstramos como segurar as cartas, como movimentá-las facilitando assim a visualização de todas e portanto a organização de materiais. Aos poucos vamos levando nossos alunos a generalizar a ordem para outras áreas de sua atuação.

Outro ponto trabalhado é a observação social. Treino a leitura da reação dos colegas, da sua própria reação e seu auto-controle durante o jogo. Muitas vezes emoções fortes vêm a tona. Estes são momentos ricos em todos os jogos. São situações que devem ser pontuadas e interpretadas clinicamente. Tenho conseguido grandes ganhos com esta atitude. Ajo paralizando totalmente a partida, mudo o tom de voz, exijo a atenção de todos e mostro o que está acontecendo. Como uma intervenção pontual em grupo terapêutico de adultos, funciona muito bem com as crianças. Os próprios pequenos interpretam corretamente e, às vezes, mostram mais elementos do que eu havia notado. Talvez por serem crianças, suplantamos sintomas de dificuldade de aprendizagem com muita rapidez usando este método. Costumo usá=lo também para problemas que vão além da escola, por ter oportunidade, entendimento e disponibilidade para tal.

Em grupos de crianças pequenas, pode-se usar este jogo mais pedagogicamente, ensinando as cores básicas que o compõem, os números, inserindo as regras complexas aos poucos. Ao final, sempre exigimos a realização das contas. Caso os alunos já estejam no quarto ano, podemos solicitar multiplicação. Se foi um aluno que ganhou a partida, ele faz a nossa conta. Muito raramente ele se nega a fazê-lo. Já entendemos isso como um sintoma. Trabalhamos sua resistência a luz de sua dificuldade. Não podemos perder oportunidade de atuação. Temos sempre muito cuidado em fortalecer sua auto-estima e sua capacidade mental, mas a ideia central é provocar o seu desenvolvimento global.

Em todos os jogos, mostramos aos nossos alunos suas capacidades e desviamos sua fixação em erros. A maioria chega até nós desacreditados pelos professores, pelos pais e por si mesmos. Realizamos este resgate pela própria pessoa que se apresenta e a partir de sua mudança, os outros personagens passam a vê-lo de modo diverso.

Trabalhamos também a presença deles e assim seu investimento emocional e energético no que estão atuando. Fazemos isso através do contato físico nos braços e nas mãos. Os toques são inicialmente suaves e passam a ser pressões com a mão, chamando a pessoa para o momento presente. Esta técnica também é utilizada com os pais e professoras durante entrevistas. Ultrapassa-se, desta forma, barreiras psicológicas, dificuldades de envolvimento, entraves emocionais.

Usamos o Can can também aproveitando sua estimulação visual, a força do grupo, a diversão, a competição para motivar os alunos em participar de suas aulas. Traçamos um paralelo entre este jogo e as aulas em vários momentos. É imprescindível estarmos presentes e atentas para as ocorrências e realizarmos as ligações possíveis para efetuar a relação adequadamente.

domingo, 4 de setembro de 2011

Tecnologia psicológica nacional

Na semana passada tivemos a oportunidade de assistir a palestra "A Neuropsicologia de Vigotski-Luria e a correção nas dificuldades do ensino" proferida pela Professora Tatiana Akhutina, que trabalhou como fonoaudióloga no laboratório de Neuropsicologia do Instituto Neurocirúrgico Budenko, sob a orientação de A. R. Luria. Ao final da explanação Akhutina foi aplaudida e saudada pela sua generosidade em expor de forma clara e profunda sua técnica de trabalhar a atenção de crianças com problemas de aprendizagem. Ela trabalha em uma clínica multiprofissional chamada Escola de Atenção.

Eu estava frustradíssima!

A tecnologia russa exposta com tanta clareza, gentileza e profundidade pela doce Akhutina me pareceu chata e ultrapassada. Fiquei imaginando meus alunos, tão exigentes que são, me olhando após a apresentação da sequencia de instrumentos que ela nos mostrou.

Nossos alunos questionam o método de ensino que é utilizado com eles e nos gritam isso com seu sintoma. Eles querem algo além, querem algo dinâmico e divertido. Sua atenção é flutuante, atentam-se a tudo ao mesmo tempo. Como isto não é valorizado pela escola, se tornam um problema em sala de aula. Não posso falar nada sobre os alunos russos. Acrescento que esta idéia sobre a denúncia de erros através de sintomas de dificuldade de aprendizagem não é minha. Quem me dera!

Posso afirmar que realizo trabalho de treino de atenção há dez anos com meus alunos e que, além de atenção, desenvolvo junto com eles sua capacidade de análise, adaptação dos instrumentos, postura corporal propícia ao estudo, percepção de suas próprias necessidades, respeito ao entendimento e tempo dos colegas, cooperação, coordenação motora, raciocínio lógico-matemático, uso de regras em benefício próprio.

Meu choque com a palestra proferida por Akhutina mora na ignorância da academia com as ações realizadas por profissionais práticas como eu. Não é por acaso que nunca recebemos um comentário de uma acadêmica neste blog.

Por causa deste choque resolvi colocar em ação o plano antigo de compartilhar o método de atendimento psicopedagógico que desenvolvi com meus pequenos. A partir desta publicação apresentarei os diversos instrumentos de apoio ao desenvolvimento infantil encontrados em lojas de brinquedos: os jogos de tabuleiro.

Referência:
http://www.uniceub.br/noticias/not001_visualizarnoticia.aspx?ID=56d44c3649, em 06/09/2011

terça-feira, 30 de agosto de 2011

15000

Mais uma vez, registramos como de costume o alcance de novo milhar.
Esta marca deve ter sido atingida ontem, mas não pude acessar a internet.
Informo que minha falta de novidades relaciona-se estreitamente com a quantidade de relatórios que tenho produzido no meu trabalho de psicóloga escolar.
Talvez este seja um bom tema para próxima postagem.
Agradeço às/aos visitantes, às/aos seguidores, amigos e amigas que apóiam minhas publicações e ideias.
Um beijo em cada um de vocês!
Vicenza

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Valorizando propensões

Stendhal, na verdade Henri Beyle, em seu clássico O vermelho e o negro, nos aponta um exemplo de má interpretação da personalidade e dos interesses de outrem:

"... procurou inutilmente Julien no lugar que ele deveria ocupar, ao lado da serra. Percebeu-o a um e meio ou dois metros mais acima, sentado a cavalo sobre uma das vigas. Em vez de vigiar atentamente a ação de todo o mecanismo, Julien lia. Nada era mais antipático ao velho Sorel; teria talvez perdoado a Julien sua frágil estatura, pouco adequada para os trabalhos de força e tão diversa da de seus irmãos; mas esta mania de leitura lhe era odiosa; ele não sabia ler.
'Foi em vão que chamou Julien duas ou três vezes.
'A atenção com que se entregava a seu livro, bem maior do que o barulho da serraria, o impedia de escutar a terrível voz de seu pai. Enfim, apesar de sua idade, este saltou lestamente sobre a árvore submetida à ação da serra e daí para a viga transversal que sustinha o teto. Um golpe violento fez voar no regato o livro que Julien segurava; uma segunda pancada também violenta, dada em sua cabeça, em forma de cacholeta, o fez perder o equilíbrio. Ia cair a quatro ou cinco metros abaixo, no meio das alavancas da máquina em ação, porém seu pai o reteve com a mão esquerda:
'- Muito bem, preguiçoso! Sempre lê seus malditos livros enquanto cuida da serra? Fique com eles à noite, quando vai perder seu tempo na casa do cura."

O vermelho e o negro foi publicado em 1830.

Nossa escola valoriza exatamente o comportamento do personagem Julien, concentrado, calmo e afeto às letras. Mas, infelizmente, somente este perfil. Sabemos que as propensões são tantas quantas as profissões. Mas nem sempre nos lembramos disso, não é? A professora maluquinha de Ziraldo nos mostra isso quando oferece a cada um de seus alunos uma medalha adquirida em concursos de

"... a melhor redação, a voz mais grossa, o melhor desenhista, a melhor mão para plantar flor, o melhor cantor, o mais engraçado, o que tinha a melhor memória... Só agora percebemos que, primeiro ela descobria uma qualidade destacável de um de nós e aí, então, inventava o concurso, segura de quem seria o vencedor. No fim do ano, todo mundo tinha ganho uma medalha. O último, parece, ganhou o primeiro lugar em cuspe a distância."


Gardner fez esta percepção de habilidades se tornar científica com a sua teoria de inteligências múltiplas. Apresentou à sociedade formalmente o que nossas avós já diziam: cada um é bom em uma coisa.

Mas a teoria demora muito a entrar no sistema. E a supervalorização da intelectualidade prossegue ferindo nossas crianças. Mais um alerta para psicóloga/os escolares: observar e ouvir os alunos com abertura para compreender suas facilidades e características além das dificuldades de vida que enfrentam. Mostrar à comunidade escolar quais são as propensões dos alunos que nos chegam pode mudar radicalmente a condução educacional tomada com o aluno.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

14 mil

Marcando mais um milhar de acessos, agradeço a frequência e a visita de leitoras e leitores.
Agradeço a associação dos novos seguidores. Informo que uma delas é minha chefe. Hum, estou tão feliz com isto!
Espero fazer jus a confiança depositada!
Vicenza Capone

Medicalização e Pedagogia

Como psicóloga escolar sei muito pouco de pedagogia. Não estudei esta ciência na faculdade, não fiz nenhum curso curto ou em pós-graduação nesta área. Informo que as/os futuras/os psicólogos escolares vão conviver de perto com pedagogos, pois a escola é o campo de atuação deles. Aprendemos muito com eles todos os dias. Muitas vezes, durante nossas reuniões na escola, lembro minha chefia que não posso responder determinada questão por não ser pedagoga. De fato, as perguntas se misturam. Da mesma forma que não podemos permitir que pessoas alheias à ciência psicológica interfira ou atue como psicólogo, também não podemos emitir opinião na área das demais ciências.

Percebo que há uma tendências das docentes em entregar os/as alunos/as com problemas de forma a reduzirem sua responsabilidade com eles/as. Daí vem o fenômeno da medicalização da educação. Os alunos são "laudados" - que termo deprimente. Alguns colegas chamam os alunos pelos seus diagnósticos como os médicos fazem em hospitais: "aquele é um TGD"; "nesta turma temos duas Downs".

Em meu trabalho, além dos atendimentos de adultos e crianças, fazemos também avaliação dos pequenos e encaminhamos para avaliações médicas complementares. Isto porque nossa instituição só aceita oferecer melhores condições educacionais para os/as alunos/as com necessidades educacionais especiais (ANEE) com laudo médico, exceto alunos/as com deficiência mental. Porém, os encaminhamentos para o nosso setor são carregadas de um sentimento de despojamento perante a/o aluna/o em foco.

Muitas/os das/os alunas/os encaminhados para nós o são porque a professora não sabe como lidar com ele em sala de aula. Algumas vezes, os recursos da professora foram esgotados e ela divide então a responsabilidade pela educação daquela criança conosco. Aí mora o fenômeno da medicalização desordenada como está.

É claro que existem crianças com problemas médicos. Há, sim, dislexia, deficiência de atenção, deficiência auditiva, hiperatividade. Estes problemas não impedem o aprendizado da criança e método de ensino é a área de atuação da pedagogia. Ouço professoras perguntando o que devem fazer, questionam os médicos e a mim, como psicóloga, sobre como ensinar este/a ou aquele/a aluno/a.

Lembro que o Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) obriga docentes desde o nível fundamental a ter formação superior. A maioria maciça desses/as profissionais é pedagogo/a ou está finalizando o curso. O que explica o profissional da área buscar respostas para sua questão própria em outras ciências?

Penso que nós, psicólogas escolares, poderíamos começar a fazer um movimento de conscientização das nossas colegas pedagogas sobre seu valor enquanto representantes da ciência dentro das escolas. São os/as pedagogos/as que sabem ensinar. São ele/as que dominam os vários métodos de ensino. Nós, psicólogas/os não sabemos disso.

Ouço muitas das minhas colegas de trabalho dizerem que são psicopedagogas, como se o prefixo fosse mais forte que o radical da palavra. Elas são pedagogas que fazem pós-graduação para melhorar sua atuação, mas muitas esquecem suas bases e sua atuação fica falha. Apresentam-se sem dizer que são pedagogas.

Percebo uma desvalorização da Pedagogia. Talvez este fenômeno venha da desvalorização da profissão de professor/a. Esta auto-desvalorização tem efeitos dramáticos nas escolas e, ouso dizer, na educação nacional.

Já disse isto neste blog, mas repito com veemência: nós, psicólogas/os escolares não somos a/o atriz/ator principal nas escolas. Somos coadjuvantes que buscam melhorar os desempenhos dos profissionais e orientar os pais dos/as alunos/as. A personagem principal na escola é a professora. Sem ela não há trabalho para nós. Sem nós ela atua em plenitude. Nosso auxílio melhora sua performance.

A pedagogia deve resgatar sua importância e poder.

sábado, 4 de junho de 2011

Valorização da profissão

Fui convocada pelo Conselho Regional de Psicologia, 1ª região a palestrar sobre Psicologia Escolar. Me senti muito honrada e aceitei de pronto. O tema da apresentação era "atribuições do psicólogo escolar". O público alvo era alunos de graduação em psicologia e diretores de escolas particulares. O objetivo era sensibilizar a platéia para a importância do profissional psicólogo nas escolas.

Quatro pessoas falaram antes de mim. Entre elas uma colega acadêmica expôs um resumo do estado da arte da psicologia escolar no Brasil. Em geral, quando tantas pessoas falam sobre um determinado assunto, sobra pouco para a última falar. A derradeira palestrante passa toda a sua fala resgatando o assunto que já foi tocado.

Neste caso foi totalmente diferente. Eu era a única psicóloga escolar da mesa. Somente eu tinha experiência na área e era a mais aguardada. Infelizmente metade da platéia já tinha saído. Pois perderam. O cansaço das pessoas simplesmente desapareceu quando comecei a falar. Apresentando, através de exemplos reais, as vissicitudes e dificuldades da nossa área. Mas, principalmente, o prazer de salvar vidas incipientes e alertar os pais de suas ações negativas auxiliando-os a contribuir com o desenvolvimento efetivo dos pequenos e de si mesmos.

A informação mais importante para estudantes de psicologia é a de que nesta área nós atingimos o maior número de pessoas. Isto porque TODAS as crianças estão obrigatoriamente na escola. Com isto chegamos a todas as famílias que têm criança e podemos efetivamente influenciar a população em direção à saúde. Poucos lares estarão fora deste alcance.

Além disso, também atuamos com todo o ciclo de vida humano. Eu atendo crianças a partir de três anos até os quatorze. Mas, quem frequenta este blog já leu que atendo de fetos até avós de oitenta anos. E agimos mais sobre os adultos do que sobre as crianças.

Enfim, quem ficou até o final solicitou que na próxima oportunidade a psicóloga escolar se apresente no início dos trabalhos. Sim e eu já tinha sido convidada a falar novamente e aproveitei para pedir mais tempo. Me senti muito valorizada e expresso que esta valorização é da profissão que represento. Por isto esta postagem.

Agradeço ao CRP pela oportunidade de contribuir com minha tão amada profissão. Informo que haverá nova mesa redonda com este mesmo tema no dia 28/06/2011, às 14 horas, no IESB da Asa Sul. Todas e todos são convidados!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Novo tipo de autismo?

Gosto muito de inquietações e provocações. Creio que todas as profissões possibilitam interseções de atuações profissionais de tempos em tempos. Já expus aqui que trabalho com variados profissionais e nesta oportunidade falo da psiquiatria.

O órgão onde trabalho trata de avaliar alunos com objetivo de melhor adaptar a escola a suas idiossincrasias. Estas, por sua vez, devem estar previstas pela medicina para tanto. Aqui se faz a minha questão que vos apresento.

Temos três casos de alunos que não apresentam comportamento comum aos demais de sua idade, porém não se enquadram nos grupos de síndromes já catalogados pela ciência, ao que indica a dificuldade dos psiquiatras consultados pelas famílias em oferecer-lhes um diagnóstico.

Meus alunos apresentam segurança em si mesmos a ponto de não se intimidarem quando os adultos lhes indica que nenhuma outra criança faz o que ele está fazendo. Não apresentam linguagem compreensível ou qualquer angústia em relação a isto. São inteligentes, mas seu aprendizado se faz de modo diverso ao dos pares. Não há comportamento compulsivo. Apresentam interesses estranhos mas não são restritos. Lidam bem como os colegas, mas sua socialização é seletiva, não se envolvem muito. Brincam normalmente mas quase sempre sozinhos. São muito carinhosos e até dengosos. As outras crianças os respeitam, gostam deles, não insistem muito no contato caso não haja retribuição, não se deixam afetar por seu movimento totalmente descabido em sala de aula (claro que sob orientação da docente).

Estas crianças não apresentam comportamento compatível com transtorno global do desenvolvimento, não são deficientes mentais, não há problemas na audição, não são hiperativos nem têm problemas de atenção, não há transtorno afetivo tampouco.

Uma destas crianças é acompanhada por um conjunto de cientistas psicólogos na universidade. Sua mãe nos relata que os cientistas indicam ser desnecessário a rotulação dos sintomas da criança. Imagina se eu falo isso para minha chefe!

Estou expondo estes casos aqui porque em um universo de mil alunos, três é um número bem grande. Devo acrescentar que dois tem quatro e um tem cinco anos de idade. Não creio ser minha a função de pesquisar ou criar um novo nome para o que estas crianças apresentam.

Uma coisa eu e minha parceira pedagoga e psicopedagoga temos certeza, nossa instituição terá que inventar uma nova forma de atender estas crianças porque é função do estado oferecer educação e o que nós estamos oferecendo elas estão recusando.

Creio que meu objetivo de inquietação foi atingido. Informo ainda que as questões que a prática impõem são expostas neste blog para potencializar a formação dos futuros psicólogos desde que curiosos e realmente vocacionados.

Livros lidos em 2011

Neste ano tenho escrito pouco e lido menos ainda.

A ciência da mente: a psicologia à procura do objeto - Luiz Pasquali
Nosso venerável professor tem como objetivo neste livro indicar como objeto da psicologia a mente. Pasquali é psicólogo, pedagogo, teólogo e filósofo. Nesta obra, ele apresenta-nos o desenvolvimento da matéria até o seu dito ápice: a mente humana. Faz isso com maestria, simplicidade e objetividade até o ponto em que chega na mente. A partir de sua posição sobre este objeto de estudo, Pasquali apresenta sua teoria da personalidade e finaliza seu livro com uma animada conversa sobre o que diríamos ser a mente suprema.

Passageiros do outono: reflexões sobre a velhice - Márcia Tolotti
Esta psicanalista e psicóloga apresenta sua dissertação de mestrado. Realiza um paralelo entre as falas de dez idosos e três obras literárias estudando-os conforme as categorias "contradições sobre o olhar social sobre a velhice"; o envelhecimento, reconhecimento e negação"; o valor do trabalho para o idoso, afastamento e substituição"; "o sujeito diante da morte". Pareceu-me bastante superficial e pouco profícuo.]

Cobras em compota - Índigo
A jornalista Índigo escreve desde os treze anos de idade. Seu estilo é único, jocoso e ágil. Um texto inteligente, sobre fatos e imaginações cotidianas, para divertir e incentivar a leitura. Ganhador do concurso Literatura para todos na área de contos do Ministério da Educação. Dessa vez os servidores do ministério acertaram!

Viagem solitária: memórias de um transexual trianta anos depois - João W. Nery
João nasceu Joana. Sempre foi um homem aprisionado em um corpo feminino. Este livro nos mostra o drama vivido por uma pessoa que não se reconhece no corpo que carrega. Confesso que durante toda a leitura tentei me colocar no lugar do protagonista - coisa fácil para mim, psicóloga, trabalhamos com empatia - mas em momento algum consegui. Minha vivência com meu corpo é mais do que tranquila, além de ser feliz com o corpo que ganhei, ele está na moda. Leitura pungente, Viagem solitária é um livro que mostra as dificuldades impensáveis pelas quais passa um transsexual. Somente distantes podemos julgar qualquer ação dessas pessoas em relação ao seu próprio corpo. Leitura importante para repensarmos atendimentos de professores e pais a respeito da orientação sexual de seus aluna/os e filho/as.

A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
Este livro, ao contrário do que pode parecer pelo sucesso do filme nele inspirado, não dispensa comentários. O livro mostra um retrato (real?) da República Tcheka nos anos que se seguiram a invasão russa que a incorporou à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. As perseguições dos intelectuais, as humilhações que a população tcheka sofreu e os questionamentos existenciais de Kundera são o prêmio que recebemos com esta fluente leitura. A mim parece mais um documento indicativo que o comunismo não é o oposto do capitalismo. A vigilância denunciada aqui se parece com a caricatura desenhada em 1984. Assim como em Titanic e Dr. Jivago, o romance de quatro personagens serve de fundo para o anúncio que o autor faz sobre seu país.

Ciclo de Vida na Psicologia Escolar

Um psicólogo escolar não deve ser um especialista em desenvolvimento infantil. Deve estar preparado no ciclo de vida completo, posto que irá trabalhar e tratar com pessoas de todas as idades, inclusive com os humanos ainda não nascidos. Temos em nossas mãos mulheres grávidas – mães de alunos e professoras. Quem trabalha em escola sabe que sempre há alguém gestante entre as colegas.

Cuidamos dos irmãos de nossos alunos, que podem ser mais jovens, mais velhos que eles e da mesma idade – gêmeos ou irmãos de mães diferentes. Lidamos com irmãos que criam os nossos clientes e têm pouca idade, mas já bastante responsáveis por si mesmos e pelos pequenos. Devemos ter em conta que alguns pais e mães são ainda adolescentes, principalmente nos dias atuais em que se demora tanto nesta fase da vida.

Na etapa madura deveriam estar todas as pessoas em idade produtiva, segundo o IBGE. Não sei se todos concordam comigo, mas a maturidade chega para poucos. De qualquer forma, creio e assim ajo, devemos tratar como adultos aqueles que têm a dita idade conforme nosso instituto geográfico. Digo isso, porque o fato de serem tratados como adultos e responsáveis por outros seres humanos promove uma nova visão de si mesmos e do mundo. Este novo lugar possibilita uma ação diferenciada, mais coerente e mais madura, mais engajada com o desejável em relação aos nossos pequenos clientes.

Também trabalhamos com idosos. Estes nos chegam como avós e avôs que interferem na educação de seus netos ou que os criam plenamente. Os profissionais da escola têm uma visão preconcebida da educação de pais e de avós. Acreditamos que os avós já estão cansados e não têm a mesma energia dos jovens para oferecer limites ou mostrar o mundo às crianças. É claro que muitas vezes nos surpreendemos com alguns casos e, talvez estes sejam a demonstração de que a nossa teoria está errada. Devo assumir que mesmo surpresa às vezes, prossigo com minha crença compartilhada de que na terceira idade os interesses são outros e não abarcam a paciência de repetir a mesma lição até que esta seja absorvida ou finalmente modificada.

Temos oportunidade de trabalhar também com grupos – laborais e familiares – e devemos estar preparadas para observar, intervir, orientar e produzir conhecimento a respeito deles. Precisamos saber as etapas pelas quais passa um casamento e quais os efeitos de um novo ente na relação de um casal. Além disso, que efeito uma criança opera dependendo do tempo e do tipo de relacionamento têm os pais e se a gravidez é esperada, desejada, surpresa ou acidental.

Podemos desenvolver todos estes conhecimentos na nossa prática, mas convém usarmos o arcabouço teórico da nossa ciência para melhorarmos nossos atendimentos. Não saímos da faculdade prontos para atuar. Saímos com um mapa de onde poderemos encontrar as respostas para nossas perguntas. Como sempre digo: não podemos deixar de nos assombrar com o fenômeno humano. Devemos prosseguir buscando fontes e sendo fontes de conhecimento para aumentarmos a compreensão do nosso objeto de estudo. Além disso, o nosso melhor serviço depende da possibilidade que temos de nos oferecer a ele.

domingo, 24 de abril de 2011

Atuação preventiva

Durante a atuação nas escolas de educação infantil - alunos de três a cinco anos - observamos os alunos no parquinho. Gosto muito desde local porque não há "invasão" das salas de aula, espaço sabidamente de domínio total do professor. Em geral, as professoras até gostam da nossa presença neste momento, porque têm tempo de nos mostrar o que percebem em seus pequenos e podemos acalmá-las com a nossa visão profissional. O parquinho é aberto, as crianças estão livres, sem atividade programada, expressando-se social ou individualmente. Durante o parquinho as crianças são observadas por vários adultos da escola e os nossos olhos não serão interpretados de forma diferente dos demais.

Em um desses momentos, notei que um de nossos alunos de três anos não estava no parquinho e perguntei se ele estava doente (por gripe, sinusite e afins, as mães pedem para os filhos ficarem sem a recreação na areia). A professora respondeu-me que o aluno tinha dificuldades em sujar-se, não participava de atividades com tinta e sentia agonia com a areia. Assim como vocês, eu imediatamente me espantei e percebi que era um caso para ser tratado por nós. Já saímos da escola com a reunião marcada com a mãe.

Durante entrevista com a mãe, percebemos que não eram oferecidas oportunidades de experimentação à criança. A cuidadora do nosso aluno é a avó e esta sofre de diabetes, mantendo-se em casa. Sugerimos, então, que a avó levasse o neto ao parquinho próximo à residência, que fossem compradas tintas, massa de modelar e argila para uso em casa e que esse uso fosse estimulado e compartilhado pelos demais entes da família. Ensinamos que a oferta de cada material desse deveria ser feita progressivamente e nessa ordem. Além disso, informamos que os passeios com o neto faria bem para a idosa. Finalmente, mostramos qual seria a progressão da doença que poderia estar espreitando nosso aluno.

Duas semanas depois do encontro com a mãe do aluno, durante a visita à escola, fomos informadas que o aluno já está brincando normalmente no parquinho com os demais pequeninos. Além disso, deixou-se pintar o rosto durante a comemoração do dia do circo.

Não há como expressar a felicidade e prazer que senti ao ser informada desses eventos. Fui treinada e trabalho para este resultado. Chegar a este ponto com apenas uma criança faz com que eu tenha a benção da satisfação laboral, infelizmente tão rara hoje.

Nesta postagem eu objetivei mostrar que, mesmo com um universo grande de alunos - aproximadamente 1100 - é possível realizarmos um serviço efetivo e de qualidade. Este sítio existe para isto.

A presença do psicólogo na escola

Realizo, desde abril de 2010, o trabalho de Psicologia Escolar itinerante. Isto significa que trabalho em cinco escolas. Meu trabalho não é tão aprofundado quanto na época em que mantinha-me fixa em apenas uma escola. Enfim, o que se perde em qualidade se ganham em quantidade. Exponho então como fazer os profissionais da escola se sentirem seguros com o trabalho de uma pessoa que vai à instituição uma vez por semana.

A primeira coisa que vocês devem pensar é a diferença que faz a presença constante de um psicólogo durante reuniões, aulas e conversas "informais". Neste caso estamos muito próximos, não há necessidade do professor se lembrar de algo que aconteceu há alguns dias para solicitar auxílio. Quando ocorre algo, o professor chamará o psicólogo imediatamente.

Como nós sabemos que os recursos para a educação são "escassos", a Secretaria de Educação onde trabalho disponibiliza os profissionais para várias escolas. Não estão de todo errados.

Enfim, resolvemos esta situação estando nas escolas o máximo que podemos. Assim, uma vez por semana estamos em cada uma de nossas escolas, como já havia dito. Esta presença não é vinculada a nenhum chamado, emergência ou vigilância. Vamos às escolas ficar disponíveis para o contato entre profissionais.

Infelizmente este tempo é muito pouco e é ainda mais reduzido pela exigência da burocracia. Sim, temos que elaborar relatórios específicos para cada criança atendida, relatórios quantitativos para as chefias perceberem como vão nossos atendimentos, relatórios para os médicos, psicólogos, fonoaudiólogos de outras instituições, anotações das atividades para controle interno. Aff!

Assim, ficamos felizes quando a escola briga conosco porque faltamos um dia. Isto significa que fazemos falta, que precisam de nós e que nosso trabalho faz alguma diferença.

Quem está se formando pode estranhar esta última informação. Mas eu estou aqui é para explicar! O psicólogo na escola deve mostrar como é o seu trabalho e se fazer necessário. Deve deixar claro que a psicologia escolar não é uma clínica dentro da escola. Isto dá um trabalho danado. Já temos postagens falando sobre este tema.

Esta é a motivação desta postagem: mesmo sendo psicóloga escolar itinerante, devemos estar presentes nas escolas. Nosso lugar não é distante, em nossa mesa, isoladas, analisando como podemos ser úteis. É disponilizar o conhecimento psicológico que temos e representamos estando próximas fisicamente das professoras e dos eventos escolares.

quarta-feira, 16 de março de 2011

12.000

Meus queridos e minhas queridas leitoras,
pensem sempre que me sinto honrada pela visita, indicação e leitura de vocês neste blog.
Sinto muito que a minha atualização esteja demorando ultimamente.
Este é o costumeiro marco de mais um milhar alcançado.
Obrigada pela sua visita e apreço,
Vicenza Capone

Relação professor/a aluno/a

O efeito psicológico do contato entre duas pessoas é entendido como empatia. Pode ocorrer a simpatia e a antipatia. Em geral, isso é bem aceito pelas pessoas e bem entendido por pessoas que acabam de se conhecer. As relações evoluem ou involuem em direção a simpatia e, como resultados disso, as pessoas se aproximam ou se afastam, respectivamente.

Na escola, espera-se que as relações entre professores e alunos sempre evoluam para uma ligação mais firme, respeitosa e positiva. As professoras parecem ser formadas com essa premissa. E quando isso ocorre, a satisfação e a alegria florescem no ambiente.

Porém, como em todas as relações humanas, é possível que o contato inicial entre um professor e um aluno cause malestar. Ou, ainda, que a relação inicialmente boa se transforme em uma grande antipatia. Sabe-se de casos em que surgem agressões morais e físicas. Infelizmente, esse tipo de ocorrência não é bem aceita pela sociedade, pela comunidade escolar e, pior, pela própria professora.

Entendida como a relação humana mais próxima da maternidade, a docência não pode gerar sentimentos ruins. Há um conflito interno quando se pensa que uma professora não gosta de sua aluna. A simples leitura dessa frase motiva um pensamento de contravenção. Como a própria professora está na sociedade e participa da comunidade escolar, ela também pensa e sente desta forma, entrando em conflito com seus ideais e reais sentimentos. Há situações em que o docente nega seu sentimento transformando sua ação em fonte de angústia, dificultando seu trabalho.

Todos os profissionais encontram dificuldades em suas atuações e enfrentam-nas com mais ou menos sofrimento. No caso aqui discutido, o real sentimento se embate com um empecilho moral.

É neste momento que o papel do psicólogo escolar ganha espaço. Identificar e tranqüilizar o professor quanto aos seus sentimentos reais e as formas de lidar com ele são parte das nossas ações possíveis.

Mesmo quando a professora não fala abertamente de sua dificuldade emocional com determinada criança, expor a possibilidade e a naturalidade de antipatia entre as pessoas alivia a angústia experimentada pela profissional. Traçar um paralelo entre as relações escolares e as mundanas facilita esse processo de aceitação do próprio sentimento, posto sua normalidade. Apresentar ao docente a possibilidade dessa emoção acontecer evitando confrontação também reduz o sofrimento.

Assim, expõe-se que é possível que o adulto não goste da criança por despertar nele emoções ruins ou ligadas a eventos ruins. A lembrança de alguém semelhante, o movimento similar a alguém, a voz irritante, o jeito implicante, o movimento agressivo são elementos comuns nas relações humanas e, portanto, entre os agentes na escola. É necessário mostrar ao professor que o sentimento deve ser encarado, nunca escamoteado. Ao identificá-lo, é possível atuar sobre ele. Uma vez identificada a emoção ruim, é essencial situar-se enquanto o profissional da relação. É exigido, então, do adulto uma atitude ativa. Assim, mesmo não gostando de seu aluno ou tendo dificuldades com sua forma de agir, à professora é exigido ensinar-lhe como aos demais.

É neste ponto que encontra-se a flor de nossa atuação de psicólogos escolares. A conscientização de sua dor, de seu papel social e de sua função essencialmente transformadora possibilita à professora saltar do impedimento à retomada de atuação. Gera a visão do problema de um novo ângulo. Uma posição sem culpas, sem autorecriminação permite a liberação da profissional.

Seja qual for a personalidade da professora e seu método preferido de ensino, constitui-se um alívio saber que pode sentir algo ruim por sua aluna. Tal sentimento não constitui em si nada de errado, nem impede a execução de seu trabalho. Penso que isso não é tratado nos cursos de formação de professores. O que é uma pena!

É provável que isto seja mais uma falha da nossa ciência psicológica, pois a disciplina universitária Psicologia da Educação não contempla tal conteúdo. De modo diverso, nos cursos que tenho conhecimento, o conteúdo desta matéria envolve as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. Esses conhecimentos nem sempre são relacionados à prática de sala de aula pelos professores universitários. Aos alunos é deixada a obrigação de fazer a ligação com a realidade. Sabemos o quanto isso é danoso para a educação.

Muitos problemas de aprendizagem têm sua origem em dificuldades, malentendidos e crises na relação professor aluno. Muitos destes poderiam ser prevenidos pelo esclarecimento acima durante a formação docente.

A paixão entre professores e alunos é comum também. Sua má interpretação também gera grandes problemas para o profissional e para a instituição educacional. A simpatia exacerbada não costuma ser discutida pela classe docente, assim como pela psicologia escolar. Falar sobre o grande desejo que determinada/o aluna/o gera em um/a professor/a é inesperado, impróprio e imoral. Podemos considerá-lo um verdadeiro tabu.

Falar sobre simpatia e antipatia para professores provoca grande desconforto. Caso tenham oportunidade, não deixem de realizar a experiência de falar desses dois extremos para um grupo de professoras. Vocês notarão como elas se remexem nas cadeiras, bebem água, comentam, meneiam negativamente a cabeça. Com sorte, as ouvintes comentarão o tema com desprezo ou agressividade.

Encontramos aqui mais um tabu da sexualidade humana. O desejo que o outro desperta em mim sendo mal interpretado e convertido em impedimento. Minha proposta é justamente transformar a energia que este desejo desperta para potencializar o ensino. Uma vez identificada a fonte da simpatia ou da antipatia exacerbada, é possível tomar-lhe a força usando-a em prol da educação. Ou pelo menos impedir-lhe os efeitos danosos com a sua aceitação.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Detalhes de educação

Nossa sociedade tem nos disponibilizado uma quantidade muito grande de informações e de possibilidades. Necessitamos, pois, cada vez mais, fazer opções. Há opções também de educação e muitos pais se vêem perdidos em meio a elas.

Pessoalmente acredito que o excesso de opções que temos hoje está nos prejudicando.

Percebo, nos restaurantes e lojas, os pais oferecendo opções à crianças. Às vezes, as crianças são tão pequenas que mal sabem falar.

Pensemos juntos sobre o que é uma escolha: há pelo menos duas opções para que haja a possibilidade de escolha. Para efetuá-la é importante entendermos as consequencias que cada opção pode ter. Devemos então optar pela mais conveniente ou a que nos dá maior prazer ou que nos dará melhor benefício ou pela que é mais fácil... Acabo de mostrar que há critérios a serem cumpridos quanto a escolha.

Será que uma criança tem condições de realizar escolhas em todos os campos de sua ação?

Vamos a uma situação banal. Durante o almoço em um restaurante auto-serviço há trinta opções de pratos. Quais critérios podem ser adotados para se escolher a comida? E quais devem ser adotados? As cores, os nutrientes, os sabores, as combinações, o paladar próprio, as alergias que temos, os jogos de temperos...

No meu trabalho percebo as consequencias das crianças começarem a escolher tão prematuramente. Certa vez, uma mãe em atendimento, após ser ouvida, foi advertida de que quem deveria decidir era ela e o pai. Ela então, expressando surpresa, me disse: "É?". Até hoje me questiono se ela foi irônica ou não.

Tenho sido bastante radical em minhas orientações e os pais apresentam grande satisfação com os atendimentos indicando as mudanças de comportamentos de seus filhos e deles mesmos. Eu acredito que os adultos devem escolher até que os pequenos consigam fazê-lo com propriedade, mesmo que não saibam explicar cientificamente seus motivos.

A capacidade de escolha é algo crescente e depende, como apontado acima, da magnitude de seus efeitos. Elas vão aumentando conforme nos desenvolvemos e os pais devem assumí-las durante os primeiros anos dos filhos e ir cedendo lentamente para dar autonomia a eles.

A capacidade de fazer opções e arcar com elas é o que podemos designar como amadurecimento. As escolhas podem estar erradas ou certas, mas a responsabilidade por elas nos classifica como adultos. Senão, somos pessoas que trabalham e são comandados por outras, quais sejam nossos pais, conjuge, filhos, mídia, amigos.

Assim, os pais devem fazer as escolhas para os filhos e dizer NÃO a eles. As crianças preciso e querem isso. E quando forem solicitados pelos pequenos a lhes dar algo, se não acharem conveniente devem, sim, dizer: "não". E se questionados: "Não considero isto bom para você neste momento."

11000

Caras leitoras e leitores,
no dia 05 de janeiro visitei este blog e percebi que contava com 10.997 acessos. Por motivo de viagem de férias (oba!) não pude verificar quando atingimos a marca de 11.000 acessos. Acredito que ela tenha sido alcançada no dia 06 de janeiro. Informo ainda que desde o mês de dezembro meus acessos não são mais contabilizados. Assim, nossa contagem está mais fidedigna. Esta ferramenta foi disponibilizada pelo blogger em 2010 e assim que tive a informação, me submeti.
Como sempre alegro-me com a quantidade de acessos e agradeço aos/às frequentadore/as e amiga/os que lêem este blog.
Grata sempre,
Vicenza Capone

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Conselho de Classe

Muitos detalhes do trabalho dentro de uma escola são essenciais para a boa execução da psicologia escolar. O mais importante é o Conselho de Classe (CC), quando todas/os as/os professoras/es expõem detalhes do rendimento de seus alunos e alunas. As crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, de comportamento, familiares ou sociais são os mais pormenorizados. Aí está a riqueza do evento para o nosso trabalho.

O CC do primeiro bimestre é muito importante para nós porque apresenta os casos de que deveremos cuidar logo no início do ano. Como a maioria do corpo docente permanece nas escolas de um ano para o outro, os antigos conhecem os casos mais complicados e informam as/os professoras/es novas/os. Nós aproveitamos as informações nesse momento. Como psicólogos não são comuns dentro das escolas ainda, a nossa presença estabelece o nosso interesse e parceria.

No caso de psicólogos residentes, considero a participação nos CC indispensável. Não há desculpa para a nossa ausência. Durante o CC devemos expor o trabalho desenvolvido com cada aluno/a em pauta para mostrar que estamos agindo. Muitas vezes nossa produção não é reconhecida devido a sutileza característica do nosso labor. Os CC são momentos privilegiados de exposição de avanços conquistados, tanto por parte das professoras, quanto nosso. Além disso, durante a reunião, os professores parceiros vão apresentando sua visão dos nossos sucessos e os descrentes vão sendo conquistados.

Essas reuniões são compostas de todos os atores pedagógicos da escola e são momentos especiais para que entendam nossa atuação profissional. Infelizmente, como os pequenos são muitos e as reuniões costumam ser difíceis, é necessário paciência e empenho para ter voz. Como ocasião privilegiada, um CC deve ser bem preparado para surtir os efeitos positivos que precisamos para melhorar nossa aceitação pelo grupo.

O CC é marcado pelas/os professoras/es durante as reuniões ordinárias. Nem sempre podemos participar dessas reuniões. Ao se informar da data do CC, desmarque qualquer outro compromisso. E não espere ser informada do evento, busque sempre informações da sua escola. Fazemos parte da escola, mas não somos essenciais, portanto, não estabeleça um pedestal e se poste nele. Ande com as pessoas ao lado! Reserve um tempo para preparar sua fala durante a reunião. Os profissionais presentes perceberão que houve planejamento para a reunião e valorizarão sua postura. A secretaria da escola pode fornecer a lista de alunos por turma. Essa lista facilita imensamente a participação no CC. Os alunos e alunas em atendimento devem ser destacados na sua lista e pelo menos uma frase deve ser dita quando estiverem em pauta para que os demais profissionais saibam que estão em acompanhamento com a/o psicóloga/o da escola.

Os casos de alunos/as mais comprometidos são sempre expostos pelos professores. Nesta hora ocorrem pedidos de auxílio de profissionais de fora de sala de aula. A partir do que é dito pelos professores, é possível oferecer uma orientação de ação com o/a aluno/a em sala de aula e pensar em qual atuação é melhor para o caso. Não é necessário informar as/os professoras/es sobre o planejamento, mas é essencial que nossas ações sejam comunicadas ao grupo que solicitou o atendimento. Assim, se houve um pedido durante uma reunião, deve-se entender como um pedido coletivo e é durante uma reunião que deve ser oferecida a devolutiva do atendimento. Este deve ser relatado independente de resultados positivos ou negativos.

É extremamente necessário marcarmos nossa atuação e presença. Nossa participação nas escolas está cada vez menor. Esta é a preocupação que gerou a construção desta página. Precisamos urgentemente mostrar que a escola funciona melhor com o nosso serviço. E esse serviço deve ser prestado com excelência.

Esses detalhes não são lembrados por professores de faculdade e por isso os alunos de psicologia não são preparados para participar de CC. Provavelmente por nunca terem sido psicólogos escolares de fato, os professores de psicologia escolar nas faculdades pecam por ignorância. Um item tão importante como a participação de um profissional no CC nunca foi tratado em nenhum dos livros de Psicologia Escolar que eu tenha lido.