sábado, 21 de novembro de 2009

Curso de Escutatória

Durante a leitura da minha antepenúltima postagem Sobre indisciplina coletiva detectei a possibilidade da interpretação de que os alunos têm solução para seus problemas coletivos. Bem, não acredito nisto. O que eu quis dizer é que se ouvirmos uma turma em relação a um problema que professores encontram nela, perceberemos melhor e mais rapidamente a solução mais viável e correta para o assunto.

Acredito muito no desenvolvimento que o estudo e a auto-compreensão trazem. Como nós somos adultos temos mais disto que os pequenos. Porém eles têm informações e não costumam ser ouvidos. Esta é, então, a minha proposta: ouvir os alunos a respeito de questões mesmo quando são de difícil solução.

Como psicóloga tenho percebido intensamente como a escuta faz diferença para as pessoas. Não estamos acostumados a ser ouvidos. Há um texto de Rubem Alves chamado Curso de Escutatória que fala sobre o poder do silêncio e da necessidade de ser ouvido/a. Nós, psicólogos, usamos a escuta como instrumento de trabalho. É com ela que entendemos onde está a questão que aflige o outro e podemos assim auxiliá-lo, realizando nossa função primordial.

Esta ferramenta é por nós usada com profundidade. Mas todos os humanos devem fazer uso dela. Rubem Alves propõe isto e o escreve com sua magnitude peculiar.

Procurando o texto para disponibilizá-lo, achei um sítio que talvez interesse pela delicadeza. Resolvo expor o texto do mestre com sua fonte para que minhas/meus leitoras/es possam passear livremente.

Gostaria de alertar as/os colegas para o grande risco que representa a substituição de discurso. Devemos estar sempre atentas para ela ao escutar uma pessoa individualmente ou em grupo. A partir do que é dito poderemos elaborar formas de ultrapassar as dificuldades provocativas de acordo com nossas teorias de base e (as) desenvolvidas pessoalmente.


Curso de Escutatória, por Rubem Alves.

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas – coitadinhas delas – entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.

Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise…) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia – a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada…” A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.” Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico”), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.” Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.” Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.” E assim vai a reunião.

Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U” definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino…” Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós – como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa – quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto…


Fonte: http://questionar.wordpress.com/2009/07/21/curso-de-escutatoria-%e2%80%93-rubem-alves/

Curso de Prevenção do Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas

Em todas as escolas há drogas... A média de idade do primeiro contato com substâncias psicoativas é de 12 anos... A escola é espaço privilegiado para prevenção porque todas as crianças e adolescentes devem freqüentá-la.

O problema do uso, abuso e dependência de drogas está relacionado à nossa cultura. O uso de psicoativos sempre esteve presente nas sociedades humanas, porém associado a rituais. A sociedade ocidental descontextualiza o uso de elementos alteradores de consciência, transformando essa prática em problema.

A proibição não diminui o uso de psicotrópicos. A informação oferecida pelas muitas mídias não reduz os índices de uso a ponto de diminuir a preocupação dos órgãos governamentais de saúde. Os efeitos do abuso de drogas sobre o próprio organismo não inibe a continuidade do uso. Apesar da aparente impossibilidade de solução deste problema, não é possível também que esperemos os efeitos sem qualquer ação. Assim, cabe principalmente à escola o serviço público de alertar para os efeitos e perigos associados ao uso de drogas psicoativas.

O Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (PRODEQUI), a pedido do Ministério da Educação em associação com a Universidade de Brasília, elaborou o Curso de Prevenção de Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas com objetivo de “capacitar educadores para uma abordagem de forma aberta, integrada, cooperativa e eficiente das situações do cotidiano escolar relacionadas ao uso de drogas, bem como para o adequado encaminhamento de usuários e familiares para a rede de serviços especializados; [e de] instrumentalizar os educadores com conhecimentos científicos e técnicos que lhes permitam planejar e executar ações preventivas no âmbito da escola.” (Guia do Aluno)

O curso, além de informações sobre os diversos tipos de drogas, seus efeitos e impactos sobre a família e a sociedade; também apresenta características importantes da adolescência enquanto fase da vida. As diferenças na propensão e impactos que substâncias psicoativas podem apresentar sobre o organismo humano também são expostas, alertando para diferenças individuais. São informadas como características de vulnerabilidade individual na adolescência “baixa auto-estima, falta de autoconfiança, dificuldade de tomar decisões; fatores biológicos; conflitos familiares e violência doméstica; fracasso ou exclusão escolar; regras e sanções ambíguas ou inconsistentes na família ou na escola; falta de vínculos afetivos com a comunidade; falta de consciência dos efeitos das drogas; ausência de participação social e de um projeto de vida.” (pág. 95) Além disso, há “condições sociais como o desemprego, a discriminação, o empobre-cimento, a violência, assim como a disponibilidade de acesso às drogas, são fatores importantes na configuração do abuso de drogas.” (pág. 95)

A instrumentalização das possíveis ações a serem desenvolvidas pelos alunos-educadores advém das leis brasileiras; da teoria sistêmica utilizando a compreensão contextual do uso, abuso e dependência; e do estudo das redes sociais pessoais e da instituição de ensino como fatores de proteção ou de risco para o uso de psicoativos. A partir destes instrumentos, os educadores são convidados a buscar parcerias na comunidade que abarca a escola e a residência dos alunos atendidos. Formas de envolver a família dos alunos também são propostas, assim como as possibilidades de empoderamento das mesmas de modo a potencializar a ação preventiva desenvolvida pelos educadores na escola.

Muitas são as possibilidades de se tratar o assunto nas atividades escolares, tradicionais ou não:
integrando o assunto nas disciplinas ministradas de modo a provocar sua discussão e conseqüente familiarização/desmistificação pelos alunos;
envolvendo o tema na programação de eventos que a escola organiza durante o ano;
estabelecendo ações e prevendo eventos no projeto pedagógico da escola;
envolvendo o professor pessoalmente, fazendo-o repensar sua vivência com as drogas, o impacto dela em sua vida e sua reações a ela objetivando a possibilidade de tratar do assunto com maior tranqüilidade e segurança;
promovendo a formação de adolescentes multiplicadores de informações de prevenção ao uso, abuso e dependência de psicoativos.

Todas essas ações devem ser desenvolvidas com integração da maior quantidade de profissionais possível e sempre com a participação ativa de professores, pois estes são os atores principais de uma instituição escolar. É necessário estabelecer a demanda da escola, os objetivos a serem atingidos e as metas a curto, médio e longo prazo, qual população será alvo do trabalho. A comunidade escolar deve estar envolvida nas atividades desde o seu início e a programação deve constar em um plano de ação.

O curso aqui analisado sugere que após o conhecimento da escola e/ou da comunidade é possível realizar o diagnóstico da instituição na qual se aplicará o plano através do levantamento de informações sugerindo-se a utilização dos seguintes instrumentos: contato com informantes-chave; observação; pesquisa; expectativas; demandas.

Este diagnóstico será um dos itens do projeto de atuação anti-drogas a ser realizado como trabalho final dos alunos-educadores do curso aqui analisado. Os alunos são estimulados a desenvolver o projeto definindo atividades, sensibilizando as pessoas da instituição ou da comunidade para sua implantação, selecionando o material educativo adequado à população-alvo, capacitando recursos humanos para o trabalho preventivo, realizando oficinas para disponibilizar conhecimentos e desenvolver habilidades, realizando atividades com alunos, identificando os recursos necessários, avaliando custos, construindo parcerias, definindo prazos e formas para avaliar o projeto.

Percebe-se que o curso apresenta sugestão para a alusão do assunto de forma individual a ser usado no caso de alunos que estão usando produtos psicoativos sem oferecer fórmulas. Há indicações de leis e órgãos a serem buscados para auxiliar nestes casos. Assim, o educador deixa de sentir-se abandonado com um grande problema que detectou.

Outra questão bastante interessante é a possibilidade de uso das informações e do enfoque usado com os alunos, em grupo ou separadamente, embasados no tempo presente. Isto é considerado importante porque crianças e adolescentes não apresentam pensamento projetivo ou abstração desenvolvidas como os adultos. Não é possível, portanto, analisar um assunto argumentando sobre o tempo futuro quando seu interlocutor é muito jovem – os efeitos do consumo após dez anos, o impacto da falta de estudos na vida adulta, a redução da capacidade de raciocínio devido à dependência, as restrições no campo social. O enfoque do discurso que causa efeito nessa faixa etária deve ser dado no tempo presente e este curso apresenta argumentos que possibilitam esta abordagem.

Sabe-se que o curso em análise tem sido aplicado desde 2004, sendo o presente ano o terceiro. No primeiro ano foram atendidos cinco mil alunos-educadores; em 2006 o número de estudantes cresceu para dez mil e em 2009, são vinte e cinco mil cursantes em todo o Brasil. É provável que no ano de 2010 não haja ampliação deste número. O curso é desenvolvido à distância com monitoramento constante. Conta com várias mídias como auxiliares do processo de ensino, a saber, livro, cd-rom, fórum de debates na internet, grupos de estudo, exercícios a cada lição, consulta a monitores on-line. A programação prevê dezesseis lições com um curtametragem associado. Na última lição, são oferecidas informações para a montagem do plano de ação antidrogas que foi construído durante todo o curso através dos exercícios.

Infelizmente não há garantia de que os alunos-educadores efetivarão o plano construído nem há compulsoriedade desta ação. Consequentemente, a avaliação do curso, ou seja, o impacto dele sobre as comunidades atingidas não ocorre. Em entrevista a coordenadora do PRODEQUI, Professora Doutora Maria Fátima Olivier Sudbrack, relatou a preocupação do órgão com este ponto. Estuda-se métodos para o acompanhamento pós-curso como forma de garantia de execução e ganhos efetivos para a comunidade escolar.

Para outras informações sobre o curso, acesse:
http://www.prodequi.unb.br/moodlesenad/

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

3000

Como de costume, a cada milhar escrevo para marcar a data.

Além de agradecer aos/às leitores/as e amigas/os que ajudam na propaganda deste blog, gostaria de compartilhar que recebo muitos comentários positivos de algumas/ns visitantes que me saúdam pela fluência do texto e interesse despertado pelas questões apresentadas.

A estes/as incentivadores, o meu "muito obrigada" porque são estas palavras que reforçam a minha vontade de escrever.

A quantidade de acessos indica que o exercício da escrita e da exposição de experiências têm sua fundamentação no ato de compartilhar e convidar ao desenvolvimento conjunto.