domingo, 20 de abril de 2025

Outros comportamentos femininos

Eu fui menina na década de 80. Haviam muitos comportamentos proibidos para mulheres. Nós não podíamos sentar de pernas abertas, jogar futebol, fazer movimentos que deixassem nossa calcinha à mostra, ficar sozinhas com nossos amigos meninos.

Minha irmã sempre foi avessa a regras. Ela participava de todas as atividades masculinas como jogo de bola de gude (biloca em outras cidades), corridas de carrinho de rolimã e até brigas físicas. Eu, mais nova, a acompanhava sob sua proteção. Há vantagens e desvantagens em ser a caçula.

Tínhamos um amigo no andar de cima do nosso apartamento que estava sempre conosco. Ele era seis meses mais velho que eu e ocupava um espaço enorme porque sempre esteve acima do peso aconselhável (dávamos outro nome para este fenômeno à época, hoje considerado preconceituoso) e sentava-se com as pernas muito abertas. Quando passeávamos de carro, isto se convertia em grande problema porque nós duas íamos espremidas quando estávamos os três no banco de trás.

Imagine!

Minha irmã se indignou um dia e ordenou-lhe que fechasse as pernas. Ele disse que precisava de mais espaço por ter pênis. Hoje, este comportamento masculino é apontado pelo movimento feminista como uma forma dos homens ocuparem mais espaço que as mulheres seja física, emocional, laboral, ou presencialmente. Por esta última forma, quero referenciar a propriedade que os homens dispõem de serem notados ao se apresentarem, falarem, contradizerem alguém ou algum argumento ou discurso simplesmente por estarem no mundo.

Nós, mulheres, precisamos nos esforçar muito em estudo, preparo e empenho para alcançarmos o espaço de fala que homens contam sem qualquer investimento específico, gratuitamente. Eles sequer o sabem. Muitas vezes, as demais pessoas não consideram o que dizem (sejam ouvintes homens ou mulheres), mas o palanque lhes é oferecido mesmo assim. Tenho convívio com vários homens que não se percebem enfadonhos mesmo quando a audiência (una ou grupal) olha para outros lados em sinal de desinteresse.

Este fenômeno de espaço garantido foi cunhado de menspreading. Há quem use o termo espaçoso para designar este comportamento.

Enquanto psicóloga/os escolares, podemos orientar adulta/os a propiciar espaço de fala a meninas e garantir-lhes o lugar. Esforçando-nos artificialmente a disponibilizar nossa atenção, orientar e demonstrar isto às demais profissionais sem protegê-las excessivamente, mas estimulando seu potencial argumentativo e sua inteligência.

Devemos também evitar censurar comportamentos outrora proibidos que se mostram inócuos e que têm por função reduzir o espaço feminino no âmbito social e doméstico.

Ao final de um recreio, eu voltava para minha sala após contato rotineiro com o grupo de professoras do turno em seu intervalo entre aulas. Passando pelo pátio da escola, me deparei com uma menina deitada de costas no chão com as pernas para cima em intenso movimento. Esperneava. Ela estava de saia.

Toda minha educação de fêmea humana brasileira saltou à minha mente, quando vi suas perninhas e, obviamente, sua calcinha. Assim que a censura ao movimento da criança veio à minha consciência, me contive. Elaborei qual ação minha seria mais propícia ao desenvolvimento saudável de minha estudante. Pensei "afinal, qual o objetivo do uso da peça íntima em meninas?". Seu corpo está fisicamente protegido, nenhum/a adulto/a além de mim a olhava e nenhuma criança a perturbava. Deixei-a livre e segui meu caminho. Logo depois retornei com receio de que outra pessoa a repreendesse por sua postura. Cuidei para que ninguém o fizesse.

Se pretendemos promover uma nova manifestação comportamental feminina, mais autônoma, mais autêntica, mais livre, com mais direito ao espaço público e direcionado ao brilho natural próprio individual, devemos nos atentar aos padrões em que fomos formatadas impedindo que maculem as expressões comuns da infância, que restrinjam o que nossas meninas são e/ou demonstrem propensões a ser.

Garantir a expressão feminina no mundo vai além de ouvir o que mulheres têm a dizer, de ler mulheres, de prestar atenção em discursos femininos mesmo que contrariem nossas concepções ou que discordemos deles, que estudemos o feminismo. É preciso permitir comportamentos que outrora eram proibidos às meninas, garotas, moças, adultas, idosas. É necessário dar espaço às mulheres, espaço que nós não temos ainda.

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