Estabelecer formas de participação de homens na criação das crianças é uma maneira de mudar o padrão de comportamento masculino. Se acreditamos que é imprescindível a presença ativa paterna para o melhor desenvolvimento humano, então é possível atuar para alterar as expectativas de conduta masculinas junto à/os filha/os. Fazemos isto dentro das escolas.
Convocamos pais ao invés das mães;
Responsabilizamos os pais pelas condutas das crianças;
Orientamos os homens quanto a sua ação perante as crias;
Usamos o poder psicológico[1] para impor a necessidade
de sua presença junto às crianças;
Argumentamos e citamos pesquisas e teorias que indicam a
importância dos homens junto à/os filha/os;
Chamamos os homens para tomar decisões e assinar documentos
acerca da vida escolar de estudantes;
Perguntamos aos pais-homens quais são as dificuldades de
seus filhos, sobre os comportamentos deles, suas preferências, seus interesses,
que problemas de saúde têm, quais cuidados exigem.
Psicóloga/os escolares têm importante papel no estabelecimento de novas formas de conduta masculina perante a família.
Em 2011, convocamos uma família para entrevista com intenção de conhecer uma de nossas crianças com diagnóstico de autismo. Eu fiz questão que o pai do menino estivesse presente. A reunião foi marcada considerando seus horários. Durante a entrevista, minhas colegas se dirigiam apenas à mãe. Cerca de vinte minutos depois de perguntas sobre o comportamento e rotina da criança, eu tomei a palavra e me dirigi diretamente ao genitor. Ele ainda não tinha falado nada. O pai não soube responder sobre o filho e afirmava que sua esposa estava mais próxima, sabia mais ou tinha mais informações para decidir do que ele. Chegou a dizer que não tinha estrutura para lidar com uma criança com tal quadro. Que saída brilhante! Eu lhe falei que ninguém tem estrutura, conhecimento, condições nem experiência para lidar com o conjunto de sintomas que seu filho apresentava. E acrescentei que sua esposa também não tinha, que ninguém naquela mesa tinha, que eu não tinha. Todas naquela mesa estávamos aprendendo sobre o menino e nos ajudando mutuamente para propiciar o desenvolvimento dele. Sua presença real junto ao filho era absolutamente necessária e seu desconhecimento não era argumento para afastamento. Acrescentei que o mito do amor materno é algo inventado e imposto às mulheres para obrigá-las isoladamente ao cuidado maternal, isentando os homens de tal trabalho. Citei o livro de Elizabeth Badinter[2] como uma obra que derrubava tal mito.
Eis uma das formas de envolver os homens ativamente na criação das crianças.
Após anos
observando as profissionais da escola convidando apenas mulheres para reuniões,
se assustando com minhas convocações de pais, ouvindo colegas e mães narrando
violências emocionais, físicas, sexuais, patrimoniais que os pais de seus
filhos impunham a elas, pensei em fazer mais pela/os estudantes de minhas
escolas.
Na sombra
do crescimento de círculos do Sagrada Feminino, acompanhamos o interesse de homens
em estudar a si mesmos e sua força interna, masculina. Os círculos consistem na
reunião de mulheres estudando livros[3] que resgatam a força
feminina proibida com o recrudescimento do paternalismo. Li Pais Ausentes,
Filhos Carentes, João de Ferro buscando entender mais sobre masculinidade. Os
círculos masculinos começaram a se formar e se desenvolver.
Por três
anos, convidei terapeutas profissionais experientes em condução de grupos de
homens para conduzir um grupo em uma de minhas escolas sem obter sucesso. Até
que, em 2024, criei coragem e formulei um projeto para um grupo de homens.
Batizei o grupo de Paternagem para motivar os pais a participar trazendo o tema base para as reuniões. O texto que explicava a proposta está transcrito abaixo:
Esta reunião objetiva oferecer espaço de escuta, pertencimento e crescimento a homens da comunidade da escola, sejam pais, avôs, irmãos, padrastos, primos, vodrastos, tios, amigos de noss@s estudantes.A sociedade está em forte mutação e os homens têm sido chamados a se transformarem. A escola oferece seu espaço físico para acolher os homens apoiando seu desenvolvimento pessoal e humano coletivamente.A psicóloga escolar preparou encontros dos homens com muito respeito a suas individualidades.As reuniões acontecerão nas primeiras quartas-feiras de cada mês, das 18h30 às 19h30, de forma presencial na sala 8 da escola. Encontros virtuais ou híbridos não acontecerão para resguardar a imagem e sensibilidade dos participantes.As crianças poderão estar na escola conosco, mas não haverá servidores para cuidar de seu bem-estar ou apoiar nossa reunião. Resolveremos juntos como cuidaremos delas a cada encontro.
Este trabalho é exclusivamente para participantes homens.
Na primeira
reunião compareceram doze homens entre pais e avôs.
Foi um
sucesso total. Os homens realmente querem ter um espaço para si, querem saber o
quê e como é ser um bom pai, mas, principalmente, querem estar juntos se desenvolvendo.
Os homens não chegaram no horário marcado para o início no primeiro encontro, chegaram aos poucos. A maioria não ouviu minha explicação de motivações e objetivos para a criação do grupo.
A minha presença foi explicada e a discussão se desenvolveu bem de forma fluida e participação de todos os presentes. Minha condução restringiu-se à garantia de fala para todos, a manutenção de foco no assunto acordado e a escuta de cada expressão verbal.
Devido a desatenção
ao texto enviado no convite para a reunião e a impontualidade, muitos participantes
não compreenderam o intuito do projeto. A quantidade de presentes nos outros
encontros foi reduzida, as reuniões sempre rompiam o limite estabelecido de
horário, o engajamento no tema sugerido era bastante, entretanto sem
envolvimento emocional, subjetivo.
Foi
possível perceber a necessidade dos participantes em trocar informações a
respeito de sua atuação enquanto pai. Alguns já apresentavam resultados de sua
aventura pela paternidade através de filhos adultos. Houve dificuldades em
expor suas experiências enquanto filhos. Também aconteceu construções de
alternativas conjuntas para problemas sugeridos. A criação e fortalecimento de
laços também foi perceptível, assim como um forte receio de expressarem-se
livremente perante a psicóloga.
Esta experiência trouxe a força, o aprendizado e a coragem inerentes ao inusitado da proposta. Particularmente, obtive muitas informações a respeito do mundo masculino, alguns de seus óbices próprios, possibilidades de interpretação de posturas e certezas de modo a fundamentar orientações às famílias e, principalmente, aos pais-homens.
[1] Vide Poder Psicológico neste blog (22/07/2009)
[2] Badinter, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
[3] Mulheres que Correm com Lobos, A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra, A Ciranda das Mulheres Sábias, Lua Vermelha, As Deusas e a Mulher, por exemplo.
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