A criança não está pronta ao nascer. Ela precisa de muita condução, de muito limite, de muito trabalho de muitas pessoas...
Notar quem é aquela criança, quais são as características
específicas daquele indivíduo é importante, mas também devemos identificar
quais são as características educáveis. Há comportamentos idiossincráticos que
não são sociais. Por exemplo, socar o rosto das pessoas. Me recordo de uma
criança que não permaneceu duas semanas em nossa escola porque a mãe achava
normal que seu filho batesse nas profissionais da escola. Opa! Eu ouvi em duas
oportunidades a mãe proferir após agressões do menino “fica calmo, mamãe está
aqui, a mamãe está ao seu lado”. Não! A mamãe não pode estar ao seu lado se
você está agredindo outra pessoa. O comportamento violento é intolerável.
Eu chamei esta senhora para conhecê-la, aprender sobre o
menino e realizar uma orientação adequada. A criança não aceitou estar ausente
da reunião. Eu ofereci uma cadeira e informei que conversaríamos com seu
acompanhamento sem interrupções. Eu já havia observado nosso estudante e sua
mãe, por isto impus um limite inicial claro. Em determinado momento da
conversa, o menino se levantou de sua cadeira, andou em minha direção com o
punho fechado e elevado acima de sua cabeça. Sua intenção era óbvia para todas
as presentes. Sua mãe estava ao meu lado. Quando ele chegou perto de mim, eu
olhei para ela e disse “este comportamento é inadmissível!”. A mãe não aceitou
a orientação oferecida por mim e solicitou a transferência do filho de nossa
escola no dia seguinte. Não, cara/o leitor/a, esta criança não me golpeou. Note,
entretanto, que a senhora atendida não proferiu qualquer censura ao
comportamento do pequeno.
Onde esta criança vai estudar? Em lugar algum.
Eu fiz uma intervenção mínima em prol de sua socialização e
a mãe não aceitou. Ela me indicou que seu filho pode agir de qualquer forma que
terá seu apoio. Não pode!
Será que as crianças que estão sendo diagnosticadas com
transtorno opositor desafiador são tratadas com permissividade por suas
famílias?
Até que ponto crianças que não conseguem permanecer
sentadas, não censuram a própria fala, não sabem como devem se comportar em
cada ambiente, que exigem ter seu desejo atendido imediatamente, que
fazem escândalos controladores do comportamento dos pais não tenham um problema
psíquico? Se for possível controlar estes comportamentos através de educação
parental, não teremos um quadro de autismo.
Algumas crianças estão sendo medicadas ao invés de serem
educadas. Qual será o resultado no desenvolvimento de pessoas que estão
crescendo dopadas?
Este texto é sobre as relações sociais recentes que envolvem
a expressão típica de uma pessoa, de uma personalidade, mas que confunde esta
expressão com falta de respeito, com invasão do espaço pessoal do outro, com
falta de educação, com permissividade.
Algumas pessoas estão se acostumando a falar alto.
Eu observei uma turma certa vez para colher informações
acerca de uma criança em avaliação. Uma menina, F., estava sentada em dupla com
outra. Eu costumo me sentar atrás das crianças para não lhes atrapalhar a
visibilidade do quadro ou da professora. Me envolvo com o ambiente, se há uma
explicação de conteúdo ou de atividade a ser elaborada pela/os estudantes, eu
não converso com a criança para que ela preste atenção. Muitas vezes, uma
criança vem falar comigo e eu respondo “você precisa prestar atenção agora” de
forma que eu atrapalhe o mínimo possível o trabalho docente. F. falava tão
alto que meu ouvido doía. Todas as crianças falavam um pouco alto, mas F. usava
um volume destacado. Eu a alertei: “você fala muito alto”. Ela me respondeu:
“eu sou assim. Esta é a minha marca, eu falo alto mesmo.” Argumentei: “encontre
outra marca para te distinguir porque esta é muito feia.” F. se assustou.
Prossegui: “você está atrapalhando a aula. A professora está concorrendo com a
sua voz para conseguir ser ouvida pelas outras crianças. Assim não é possível.”
Quem permitiu que F. falasse tão alto? Pensemos: sua
família, a professora (a profissional não a alertou?), as outras crianças (não
se incomodaram com tal volume?). A docente me respondeu que já havia chamado a
atenção da pequena, mas não obteve efeito algum. Se um comportamento
desagradável não é contido, houve permissão para se manter.
As pessoas precisam ser educadas. Não é possível conviver
com uma pessoa que fale tão alto, é desagradável. Será que estamos nos
acostumando a aturar ações desconfortáveis de outras pessoas?
Sons agudos e volume alto me afligem pessoalmente. Eu respondo
mais rápido que a maioria das pessoas ao incômodo com ruídos. Quando eu desligo
máquinas que emitem barulhos contínuos no meu trabalho, as pessoas ao redor
suspiram de alívio e algumas chegam a me agradecer. Temos aqui um fator de
estresse no trabalho. As pessoas são afetadas pelo ruído contínuo, mas não
expressam isto. Elas vão ficando cansadas e não conseguem identificar a origem
do cansaço.
As nossas crianças brincam de gritar. Eu não consigo imaginar a reação da minha mãe a uma brincadeira como esta. As crianças brincam durante o recreio gritando. Por vezes, elas estão apenas gritando uma nos ouvidos das outras. Meninas e meninos gritam muito alto, muito agudo.
Eu, com minhas dificuldades pessoais, estou trabalhando
(respondendo um formulário, escrevendo um relatório, atendendo uma pessoa,
lendo um documento, elaborando um texto, checando a caixa de mensagens
eletrônicas) e meu raciocínio fica impedido, suspenso. Como o trabalho está
parado, eu me dirijo à pessoa que está gritando e falo diretamente com ela.
“Estes gritos são perturbadores. Eu peço que você grite baixo. As crianças
podem gritar durante o recreio, mas não podem incomodar as demais ou
interromper o trabalho da escola que segue durante o intervalo de aulas.”
E qual é a dificuldade que as famílias têm de dar estes
limites? Qual é o problema, o que está acontecendo?
As crianças devem ser ensinadas a comer sentadas, a usar os
talheres porque em nossa cultura come-se com instrumentos. Se a família não
ensina essas coisas desde que a criança é um bebê, então a escola não vai dar
conta.
E por que eu estou falando desde bebê?
A família não pode permitir que seu fruto se expresse de
qualquer forma a título de amor, de aceitação da personalidade daquela criança.
Uma coisa é a criança ter um determinado perfil. Outra coisa
é ela ser mal educada.
A falta de educação tem sido diagnosticada como transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Eu tenho acompanhado muitas
crianças com diagnóstico de TDAH. Após instrução da família quanto a condução
da educação doméstica de uma criança, os sintomas que geram o diagnóstico
desaparecem. Assim, é preciso avaliar se a criança está sendo educada, pois os
sintomas diagnosticados podem se tratar de falta de contenção.
Uma pessoa não aprende a se conter sozinha. Ela precisa de
sinais do mundo social para desenvolver isto. E qual é o mundo social principal
de uma criança que não a família. Ela precisa de sinalização de que está muito
agitada.
Outro sintoma que tem se mostrado bastante comum é a “falta
de filtro” para falar. Tornar-se adulto sem polimento da expressão verbal
demonstra uma falha na educação também. Alguém precisa dizer para a pessoa:
“você não pode falar isto!”. Se a pessoa recebeu limites para sua expressão e
não consegue utilizá-los, não consegue se censurar antes de falar, temos um
problema, um sintoma. Mas se não lhe foi ensinado, se não lhe foi oferecido
sinais de que algo dito é inconveniente, se tudo que ela diz é aceito, então
não temos um sintoma, temos falta de educação. O movimento de contenção social (abrupta mudança de postura e abertura de olhos, por exemplo) informa que aquela ação é inadequada, às vezes absurda, às vezes rude. Esta
informação precisa ser oferecida à criança e preferencialmente explicada.
Nenhum de nós tem autorização para falar o que pensa para qualquer pessoa.
Devemos perceber que estar com o outro de forma agradável é
algo aprendido também. Trocas afetivas precisam ser ensinadas.
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