sábado, 27 de setembro de 2025

Questões Pedagógicas

            Hoje de manhã, uma colega pedagoga perguntou a minha opinião a respeito da aquisição da alfabetização universal, ou seja, se eu considero que todas as pessoas são capazes de serem alfabetizadas. Calei. Refleti sobre a questão. Concluí que nunca havia pensado nisto, que não tenho competência para emitir opinião sobre o assunto, não tenho conhecimento bastante para analisar a questão, nem sei por onde começar. Pensei mais um pouco e entendi que esta questão é da ordem da pedagogia.

            O posicionamento de retirada perante uma questão que não compete a nós respondermos é uma atitude respeitosa com a outra área.

            Há anos (e de forma cada vez mais corriqueira) temos recebido laudos médicos de nossa/os estudantes com instruções (vejam bem, não são orientações) de como agir com a referida criança na escola. O curioso é que as instruções são iguais para cada diagnóstico como se as crianças fossem a mesma, como se tendo o mesmo diagnóstico, elas apresentassem o mesmo comportamento.

            Fundamenta esta ação médica sua autoridade social. O/A médico/a informa à professora como deve agir para melhor ensinar aquela criança. Porém o que sabe um/a médico/a sobre o processo ensino-aprendizagem? Mesmo que um determinado médico tenha formação em pedagogia ou tenha cursado o magistério, ele não conhece aquele “paciente” com profundidade bastante para saber quais ações a professora deverá escolher para potencializar ou garantir o aprendizado daquele/a estudante específico/a. Ele não conhece a escola, a/os colegas de turma ou de turno, não sabe dos recursos disponíveis para o ensino na instituição, muitas vezes não foi informado das condições de vida da família a qual a/o estudante pertence nem os recursos de sua vizinhança.

            Eu julgo esta ação desrespeitosa. O/A profissional de medicina não tem competência para orientar a ação da professora em sala de aula. Aqui me refiro a competência formal e legal.

            Então, por que as professoras seguem o que um/a médico/a lhes indica? Por que a professora pergunta a profissionais de outras áreas o que deve fazer com seu/sua estudante? A profissional de sala de aula não se sente desrespeitada?

            Sim, minhas professoras esperam que eu lhes diga como devem agir com seus/suas estudantes. Eu lhes digo que não sei. E reforço dizendo que não tenho competência legal para emitir tal opinião.

Quando me retiro da posição de responder uma questão pedagógica, não abandono minha professora a própria sorte. Ao contrário, coloco ela no local protagonista de resolução, de posse do conhecimento, de poder.

            Quando dizemos a alguém “vá! Você é capaz de resolver esta questão com autonomia.” não a/o estamos abandonando, mas depositando nossa confiança de que encontrará a melhor solução ou construirá a resposta mais adequada. Esta ação possibilita o fortalecimento personológico e profissional de quem se considera inapta/o. São desafios propiciadores de desenvolvimento.

            Realizar por é prejudicial mesmo na fase adulta. Realizar com, cooperar respeitando os limites de competência de cada área de atuação é engrandecedor.

            Por acreditar nesta ideia, sempre que um/a médica/o, um/a mãe ou pai, um/a psicóloga/o, uma psicopedagoga emite uma sugestão de ação docente ou escolar, eu declaro em alto e bom som “quem esta pessoa se considera para ordenar algo às minhas professoras?”. Assim, não defendo minhas colegas de trabalho, exijo delas que se coloquem no lugar de poder que a pedagogia tem, no lugar de transformação de mundo que o conhecimento organizado, científico, cultural propicia ao indivíduo que aprende, no local mágico de promover outro ser humano à posição de conquista do arcabouço cultural e científico de todas as áreas do conhecimento de forma autônoma sem perder seu potencial curioso, criativo e divertido. A pessoa que propicia o alcance do entendimento dos códigos linguísticos e matemáticos tem reservado para si o papel de transmutação definitiva de um ser humano. Ela possibilita o domínio sobre muito do conhecimento guardado em livros àquele indivíduo. Quão grandioso é este lugar e a pessoa que o ocupa!

            Este lugar é da pedagoga.

Um comentário:


  1. Ao ler este texto, não pude deixar de relacioná-lo com os princípios do Currículo em Movimento da SEEDF e também com a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1998), que reforça o papel mediador do professor no processo de ensino-aprendizagem. A reflexão traz à tona a importância de reconhecermos os limites entre os diferentes campos de saber, sem abrir mão da centralidade da pedagogia na escolarização. Quando aceitamos orientações externas como prescrições, corremos o risco de reduzir o estudante a um diagnóstico, negando a singularidade de sua trajetória formativa e desconsiderando o caráter dialógico e contextual do aprendizado. Nesse sentido, compreendo que a autonomia docente precisa ser reafirmada: cabe a nós, professoras e professores, transformar a sala de aula em um espaço de desenvolvimento humano integral, articulando conhecimentos científicos, culturais e sociais. Como nos lembra Freire (1996), ensinar é um ato de liberdade e responsabilidade, e não uma execução acrítica de determinações alheias.

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