Todas as idades têm suas vantagens. Depois de viver algumas décadas, é possível olhar para o próprio passado e estudar as possibilidades de ação e os efeitos das decisões tomadas. Nesta reflexão, podemos perceber momentos em que estamos financeiramente bem ou fisicamente mal, emocionalmente equilibrada/os, outras ocasiões em que nossa atuação laboral está decadente.
Enquanto enfrentamos problemas, tendemos a perceber mais
atentamente os aspectos desafiadores das situações. Talvez por investirmos mais
energia no que nos aflige, deixamos de perceber que há forças disponíveis em
nossa própria personalidade que nos instrumentaliza para solucionar a questão.
Há aspectos externos e internos em bons níveis de funcionamento que apoiam o
enfrentamento das questões causadas por baixas.
Estes altos e baixos são característicos do desenvolvimento
humano. Trata-se dos desafios comuns que possibilitam nosso crescimento
constante. Várias são as teorias psicológicas que explicam e interpretam o
fenômeno. Estudei profundamente a orientação teórica do Ciclo Vital que utiliza
o metamodelo otimização seletiva com compensação (SOC). Transcreverei uma explicação sobre
ele da minha dissertação de mestrado.
“A
base do metamodelo é a crença de que o organismo humano seja capaz de empregar
recursos para produzir resultados desenvolvimentais desejáveis enquanto
minimiza os resultados indesejáveis (M. Baltes & Carstensen, 1998). Isto é,
adaptação, que aqui se refere justamente ao comportamento ativo de
mudança e melhoria dirigido pela vontade do indivíduo em domínios particulares.
Tal concepção ultrapassa a ideia de mudança passiva e reativa do organismo
respondendo a demandas contextuais. Esses resultados podem se dar nos diversos
aspectos do desenvolvimento, ou seja, biológico, social ou psicológico (Marsiske
e cols., 1995).
O
metamodelo é denominado otimização seletiva com compensação e os três
elementos que o nomeiam são os que o compõem. Os três serão explicados
separadamente, mas funcionam conjuntamente, como uma unidade.
O primeiro
elemento do metamodelo é a seleção. Trata-se de uma escolha, consciente
ou inconsciente, de um domínio ou objetivo comportamental para a continuidade
do desenvolvimento. Refere-se a restrições de envolvimento do próprio indivíduo
em menos domínios de funcionamento como uma consequência de perdas em recursos
pessoais e ambientais (M. Baltes & Carstensen, 1998). As fontes de seleção
ontogenéticas são fundamentalmente quatro: a primeira é baseada no potencial
genético. De acordo com essa primeira fonte, as diferenças genéticas continuam
influenciando e limitando o desenvolvimento através da vida (Schulz &
Hechhausen, 1996). Outra origem de seleção é a pressão cultural e individual para
a especialização e adaptação dentro das trajetórias da vida. Está ligada aos
eventos normativos graduados por idade e por história, envolvendo as
expectativas e regras gerais que devem ser alcançados. A terceira, mais individualizada,
refere-se à inadequação e diferenciação social. Mais ligada a fatores sociais
como gênero, classe social e etnia, é denominada por Dannefer (em Marsiske e
cols., 1995) como diferenciação sociogenética. A quarta fonte de pressão
seletiva é relativa às influências não-normativas já citadas.
Os recursos
para a seleção são finitos, quer sejam de ordem cognitiva, motivacional,
biológica e temporal. Ao longo do ciclo de vida há um estreitamento das
respostas adaptativas aos domínios nos quais seu funcionamento eficiente é
esperado. A pressão para a seleção tende, então, a aumentar com o tempo de vida
devido às limitações biológicas e ao aumento de vulnerabilidades (P. Baltes,
1997).
Como
dito anteriormente, a seleção refere-se a uma escolha, mas sua origem nem
sempre é o indivíduo. A cor dos olhos, manter-se vestido, exceto em certas
culturas indígenas, e não comer carne de vaca na cultura hindu são exemplos de
seleção que independem da opção pessoal. A abrangência de aplicação da seleção
é extensa, incluindo múltiplos níveis e categorias de metas.
Marsiske
e cols. (1995) e P. Baltes (1997) enfatizam que a seleção é direcionada à meta.
A escolha por um comportamento particular de um domínio comportamental implica
que todo o conjunto do domínio relacionado pode ser envolvido. É no nível individual
que a conexão teórica entre a seleção e os objetivos explicitam seu aspecto
psicológico. Isso porque é nesse nível que o desenvolvimento bem sucedido é
altamente dependente do alcance de metas que as pessoas têm para si próprias.
(...)
Após
a escolha do comportamento ou domínio, ocorre a otimização. Ela é o selo
de autenticidade de qualquer concepção de desenvolvimento tradicional (P.
Baltes, 1997). Esse elemento indica que o desenvolvimento é regulado interna e
externamente em direção a altos níveis de eficácia e funcionamento desejável
(Marsiske e cols., 1995 e P. Baltes, 1997). A otimização pode ser vista como um
componente fundamental da progressão e manutenção do desenvolvimento.
Da
mesma forma que a seleção, a otimização atuando em um comportamento ou domínio
possibilita a aquisição, funcionamento ou aperfeiçoamento de outro comportamento
ou domínio. A otimização tem como alvo melhorar ou manter as médias ou estratégias
de obtenção de objetivos. Dos três componentes do modelo estudado, a otimização
é o único que tem valor e direção a priori. Implica, por definição, em
movimento dirigido ao crescimento e melhoria ou manutenção de outras adaptações
bem-sucedidas. Seleção e compensação não apresentam direção pré-definida mesmo que
a intenção primeira seja de melhor adaptação às condições experimentadas
(Marsiske e cols., 1995). [Isto ocorre porque a melhor adaptação muitas vezes é
a diminuição de um desempenho excelente.]
As
fontes de influência para a otimização são muitas, por exemplo: evoluções
filogenéticas, mudanças sócio-culturais, história individual. Como na seleção,
as fontes de influência são classificadas em normativas por idade ou por
história e não-normativas. Treinamento e prática, suporte ambiental e melhora
motivacional são exemplos mais ligados a processos psicológicos de otimização
(Marsiske e cols., 1995).
O
terceiro componente do metamodelo é a compensação. Ela surge da
necessidade ocasionada por limites e perdas na extensão da plasticidade, na
capacidade de reserva e nas oportunidades contextuais. A compensação tem por
base a ideia da aposta em um recurso interno ou externo para suprir uma falha
em um domínio comportamental anteriormente efetivo. ‘A compensação (...) torna-se
operativa quando uma capacidade comportamental ou uma habilidade específica são
perdidas ou reduzidas abaixo no nível requerido para um funcionamento adequado.’
(M. Baltes & Carstensen, 1998, p. 218).[1]
A
compensação diferencia-se da seleção, pois a direção, o domínio, a tarefa ou o
objetivo é mantido, mas outros significados são procurados para compensar um comportamento
deficiente de modo a manter ou otimizar uma função priorizada.
Assim,
são fontes de compensação as limitações individuais e ambientais, podendo ser
internas ou externas ao indivíduo. Tais limitações correspondem à finitude de
recursos inerentes a sistemas orgânicos. Fatores como limites de oportunidades
em tempo, espaço ou estrutura e restrições sociais ou genéticas formam um
primeiro conjunto de fontes de compensação. O segundo conjunto de fontes é mais
relacionado às perdas da velhice. Refere-se a todo o conjunto de estratégias de
ajustamento com objetivo de minimizar o impacto de perdas e limitações. O
principal exemplo de compensação é a plasticidade, mencionada anteriormente.
Comportamentos
e instrumentos usados inicialmente para compensar alguma perda ou defeito podem
ter suas funções modificadas e seus usos direcionados a diferentes aspectos. Marsiske
e cols. (1995) exemplificam tal situação no uso de óculos na moda, um uso
relativo a otimização na apresentação social. A evolução cultural constitui um
grande exemplo de mudança na lógica de aplicação de determinado comportamento ou
instrumento. A cultura é a resposta aos defeitos e impossibilidades que o frágil
organismo humano impõe. Comportamentos modificados podem sofrer nova transformação
em seu significado lógico. Como no exemplo de seleção externa, cultural e
impostada dado anteriormente, o uso de roupas adquire a função de enfeite e de
atrativo social [ou ainda de demarcação territorial].
Nesse
sentido, os comportamentos e instrumentos a serem compensados podem fazer parte
do repertório do indivíduo. A necessidade de uma nova orientação em seu uso ou
sentido liga o processo de compensação ao de otimização. Marsiske e cols.
(1995) vêem a compensação sempre integrada à otimização, pois também ocorre
compensação quando otimiza-se um domínio comportamental em detrimento do
sucesso de outro.
Em
resumo, durante todo o desenvolvimento, o indivíduo está sempre envolvido com
situações em que perde e ganha simultaneamente. Para lidar tanto com ganhos quanto
com perdas, o indivíduo necessita adaptar-se às situações presentes. O metamodelo
otimização seletiva com compensação (SOC) pode ser usado para explicar como o indivíduo
se adapta às suas novas condições de perdas e ganhos.”[2]
Ao constatar alterações na conduta ou nas respostas de um/a
estudante, a/o professor/a deve considerar estes altos e baixos típicos do
desenvolvimento humano. Estamos melhores em algo um dia e piores em outro
aspecto ao mesmo tempo. Isto não se refere apenas a questões emocionais.
Simplesmente não estamos tão bem no dia para realizar cálculos matemáticos. Está
tudo bem quanto a isto.
Eu me lembro da minha professora de geografia no 2º grau.
Conceição era uma professora muito observadora e carinhosa conosco. Me lembro
que ela era bem jovem e acessível. Depois de uma nota bem baixa em uma prova, a
professora Conceição me chamou para conversar. Ela me perguntou se estava
acontecendo algo errado na minha vida, algo diferente em minha família. Eu
expliquei que não havia estudado para sua prova, fui descuidada, nada
preocupante. Minha nota foi realmente muito abaixo do que costumava ser meu
desempenho médio. Por desatenção à agenda de geografia na escola, perdi muitos
pontos e, mais importante, conhecimento. Conceição me ensinou muito mais que
geografia com sua atitude gentil e cuidadosa: ela me mostrou que eu poderia
pedir ajuda para meus professores, caso sentisse necessidade.
A psicologia escolar e a orientação educacional são esta
ilha de atenção focada nas crianças e adolescentes nas escolas. Todo/as a/os
estudantes matriculado/as merecem um olhar especial de nossa parte. Por isto,
devemos ser acessíveis a cada um deles, mas principalmente à/os menos aberto/as.
Mesmo com nossa presença, a/os professore/as devem estar
atentos a alterações nestes altos e baixos de desempenho de estudantes. Pessoas
muito autoexigentes tendem a sofrer com pequenas flutuações. Nossa cultura
ansiogênica[3]
também produz sofrimento desnecessário.
Acerca destas alterações diárias em nosso percurso de vida,
podemos auxiliar os processos de aposentadoria de nossas colegas de trabalho. O
melhor desta análise e do prolongamento da existência individual é perceber que
as possibilidades ainda existem após aposentadoria. Alertar à/o aposentanda/o
que ele/a mesma/o apresenta características que possibilitam sua continuidade de
envolvimento no meio social e quais são elas, poderá evitar depressões,
adoecimento e morte. Pode parecer exagero falar em morte pós-aposentadoria, mas
o estudo da Psicologia do Envelhecimento nos mostra a adequação desta preocupação
por nossa parte.
Enfim, mostrar às crianças que está tudo bem em errar, que
às vezes não estamos nos sentindo bem e/ou que não estamos com iguais desempenhos
todos os dias pode minimizar impactos dilacerantes nas novas gerações. Exemplos
do próprio comportamento por parte de professore/as podem ter grande potencial
positivo na construção desta aceitação pelas próprias falhas por parte da/os
estudantes.
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