domingo, 15 de dezembro de 2024

Altos e baixos

 Todas as idades têm suas vantagens. Depois de viver algumas décadas, é possível olhar para o próprio passado e estudar as possibilidades de ação e os efeitos das decisões tomadas. Nesta reflexão, podemos perceber momentos em que estamos financeiramente bem ou fisicamente mal, emocionalmente equilibrada/os, outras ocasiões em que nossa atuação laboral está decadente.

Enquanto enfrentamos problemas, tendemos a perceber mais atentamente os aspectos desafiadores das situações. Talvez por investirmos mais energia no que nos aflige, deixamos de perceber que há forças disponíveis em nossa própria personalidade que nos instrumentaliza para solucionar a questão. Há aspectos externos e internos em bons níveis de funcionamento que apoiam o enfrentamento das questões causadas por baixas.

Estes altos e baixos são característicos do desenvolvimento humano. Trata-se dos desafios comuns que possibilitam nosso crescimento constante. Várias são as teorias psicológicas que explicam e interpretam o fenômeno. Estudei profundamente a orientação teórica do Ciclo Vital que utiliza o metamodelo otimização seletiva com compensação (SOC). Transcreverei uma explicação sobre ele da minha dissertação de mestrado.

“A base do metamodelo é a crença de que o organismo humano seja capaz de empregar recursos para produzir resultados desenvolvimentais desejáveis enquanto minimiza os resultados indesejáveis (M. Baltes & Carstensen, 1998). Isto é, adaptação, que aqui se refere justamente ao comportamento ativo de mudança e melhoria dirigido pela vontade do indivíduo em domínios particulares. Tal concepção ultrapassa a ideia de mudança passiva e reativa do organismo respondendo a demandas contextuais. Esses resultados podem se dar nos diversos aspectos do desenvolvimento, ou seja, biológico, social ou psicológico (Marsiske e cols., 1995).

O metamodelo é denominado otimização seletiva com compensação e os três elementos que o nomeiam são os que o compõem. Os três serão explicados separadamente, mas funcionam conjuntamente, como uma unidade.

O primeiro elemento do metamodelo é a seleção. Trata-se de uma escolha, consciente ou inconsciente, de um domínio ou objetivo comportamental para a continuidade do desenvolvimento. Refere-se a restrições de envolvimento do próprio indivíduo em menos domínios de funcionamento como uma consequência de perdas em recursos pessoais e ambientais (M. Baltes & Carstensen, 1998). As fontes de seleção ontogenéticas são fundamentalmente quatro: a primeira é baseada no potencial genético. De acordo com essa primeira fonte, as diferenças genéticas continuam influenciando e limitando o desenvolvimento através da vida (Schulz & Hechhausen, 1996). Outra origem de seleção é a pressão cultural e individual para a especialização e adaptação dentro das trajetórias da vida. Está ligada aos eventos normativos graduados por idade e por história, envolvendo as expectativas e regras gerais que devem ser alcançados. A terceira, mais individualizada, refere-se à inadequação e diferenciação social. Mais ligada a fatores sociais como gênero, classe social e etnia, é denominada por Dannefer (em Marsiske e cols., 1995) como diferenciação sociogenética. A quarta fonte de pressão seletiva é relativa às influências não-normativas já citadas.

Os recursos para a seleção são finitos, quer sejam de ordem cognitiva, motivacional, biológica e temporal. Ao longo do ciclo de vida há um estreitamento das respostas adaptativas aos domínios nos quais seu funcionamento eficiente é esperado. A pressão para a seleção tende, então, a aumentar com o tempo de vida devido às limitações biológicas e ao aumento de vulnerabilidades (P. Baltes, 1997).

Como dito anteriormente, a seleção refere-se a uma escolha, mas sua origem nem sempre é o indivíduo. A cor dos olhos, manter-se vestido, exceto em certas culturas indígenas, e não comer carne de vaca na cultura hindu são exemplos de seleção que independem da opção pessoal. A abrangência de aplicação da seleção é extensa, incluindo múltiplos níveis e categorias de metas.

Marsiske e cols. (1995) e P. Baltes (1997) enfatizam que a seleção é direcionada à meta. A escolha por um comportamento particular de um domínio comportamental implica que todo o conjunto do domínio relacionado pode ser envolvido. É no nível individual que a conexão teórica entre a seleção e os objetivos explicitam seu aspecto psicológico. Isso porque é nesse nível que o desenvolvimento bem sucedido é altamente dependente do alcance de metas que as pessoas têm para si próprias.

(...)

Após a escolha do comportamento ou domínio, ocorre a otimização. Ela é o selo de autenticidade de qualquer concepção de desenvolvimento tradicional (P. Baltes, 1997). Esse elemento indica que o desenvolvimento é regulado interna e externamente em direção a altos níveis de eficácia e funcionamento desejável (Marsiske e cols., 1995 e P. Baltes, 1997). A otimização pode ser vista como um componente fundamental da progressão e manutenção do desenvolvimento.

Da mesma forma que a seleção, a otimização atuando em um comportamento ou domínio possibilita a aquisição, funcionamento ou aperfeiçoamento de outro comportamento ou domínio. A otimização tem como alvo melhorar ou manter as médias ou estratégias de obtenção de objetivos. Dos três componentes do modelo estudado, a otimização é o único que tem valor e direção a priori. Implica, por definição, em movimento dirigido ao crescimento e melhoria ou manutenção de outras adaptações bem-sucedidas. Seleção e compensação não apresentam direção pré-definida mesmo que a intenção primeira seja de melhor adaptação às condições experimentadas (Marsiske e cols., 1995). [Isto ocorre porque a melhor adaptação muitas vezes é a diminuição de um desempenho excelente.]

As fontes de influência para a otimização são muitas, por exemplo: evoluções filogenéticas, mudanças sócio-culturais, história individual. Como na seleção, as fontes de influência são classificadas em normativas por idade ou por história e não-normativas. Treinamento e prática, suporte ambiental e melhora motivacional são exemplos mais ligados a processos psicológicos de otimização (Marsiske e cols., 1995).

O terceiro componente do metamodelo é a compensação. Ela surge da necessidade ocasionada por limites e perdas na extensão da plasticidade, na capacidade de reserva e nas oportunidades contextuais. A compensação tem por base a ideia da aposta em um recurso interno ou externo para suprir uma falha em um domínio comportamental anteriormente efetivo. ‘A compensação (...) torna-se operativa quando uma capacidade comportamental ou uma habilidade específica são perdidas ou reduzidas abaixo no nível requerido para um funcionamento adequado.’ (M. Baltes & Carstensen, 1998, p. 218).[1]

A compensação diferencia-se da seleção, pois a direção, o domínio, a tarefa ou o objetivo é mantido, mas outros significados são procurados para compensar um comportamento deficiente de modo a manter ou otimizar uma função priorizada.

Assim, são fontes de compensação as limitações individuais e ambientais, podendo ser internas ou externas ao indivíduo. Tais limitações correspondem à finitude de recursos inerentes a sistemas orgânicos. Fatores como limites de oportunidades em tempo, espaço ou estrutura e restrições sociais ou genéticas formam um primeiro conjunto de fontes de compensação. O segundo conjunto de fontes é mais relacionado às perdas da velhice. Refere-se a todo o conjunto de estratégias de ajustamento com objetivo de minimizar o impacto de perdas e limitações. O principal exemplo de compensação é a plasticidade, mencionada anteriormente.

Comportamentos e instrumentos usados inicialmente para compensar alguma perda ou defeito podem ter suas funções modificadas e seus usos direcionados a diferentes aspectos. Marsiske e cols. (1995) exemplificam tal situação no uso de óculos na moda, um uso relativo a otimização na apresentação social. A evolução cultural constitui um grande exemplo de mudança na lógica de aplicação de determinado comportamento ou instrumento. A cultura é a resposta aos defeitos e impossibilidades que o frágil organismo humano impõe. Comportamentos modificados podem sofrer nova transformação em seu significado lógico. Como no exemplo de seleção externa, cultural e impostada dado anteriormente, o uso de roupas adquire a função de enfeite e de atrativo social [ou ainda de demarcação territorial].

Nesse sentido, os comportamentos e instrumentos a serem compensados podem fazer parte do repertório do indivíduo. A necessidade de uma nova orientação em seu uso ou sentido liga o processo de compensação ao de otimização. Marsiske e cols. (1995) vêem a compensação sempre integrada à otimização, pois também ocorre compensação quando otimiza-se um domínio comportamental em detrimento do sucesso de outro.

Em resumo, durante todo o desenvolvimento, o indivíduo está sempre envolvido com situações em que perde e ganha simultaneamente. Para lidar tanto com ganhos quanto com perdas, o indivíduo necessita adaptar-se às situações presentes. O metamodelo otimização seletiva com compensação (SOC) pode ser usado para explicar como o indivíduo se adapta às suas novas condições de perdas e ganhos.”[2]

 Crianças também enfrentam desafios. Aprender algo novo, por exemplo, pode ser conflituoso intelectual e emocionalmente. Perceber defeitos nos adultos de referência pode ser avassalador quando estamos em tenra idade. As dissonâncias cognitivas trazidas pelas informações novas são constantes nas primeiras fases da nossa vida. E precisamos nos adaptar às mudanças geradas constantemente, conforme o metamodelo SOC nos explica.

Ao constatar alterações na conduta ou nas respostas de um/a estudante, a/o professor/a deve considerar estes altos e baixos típicos do desenvolvimento humano. Estamos melhores em algo um dia e piores em outro aspecto ao mesmo tempo. Isto não se refere apenas a questões emocionais. Simplesmente não estamos tão bem no dia para realizar cálculos matemáticos. Está tudo bem quanto a isto.

Eu me lembro da minha professora de geografia no 2º grau. Conceição era uma professora muito observadora e carinhosa conosco. Me lembro que ela era bem jovem e acessível. Depois de uma nota bem baixa em uma prova, a professora Conceição me chamou para conversar. Ela me perguntou se estava acontecendo algo errado na minha vida, algo diferente em minha família. Eu expliquei que não havia estudado para sua prova, fui descuidada, nada preocupante. Minha nota foi realmente muito abaixo do que costumava ser meu desempenho médio. Por desatenção à agenda de geografia na escola, perdi muitos pontos e, mais importante, conhecimento. Conceição me ensinou muito mais que geografia com sua atitude gentil e cuidadosa: ela me mostrou que eu poderia pedir ajuda para meus professores, caso sentisse necessidade.

A psicologia escolar e a orientação educacional são esta ilha de atenção focada nas crianças e adolescentes nas escolas. Todo/as a/os estudantes matriculado/as merecem um olhar especial de nossa parte. Por isto, devemos ser acessíveis a cada um deles, mas principalmente à/os menos aberto/as.

Mesmo com nossa presença, a/os professore/as devem estar atentos a alterações nestes altos e baixos de desempenho de estudantes. Pessoas muito autoexigentes tendem a sofrer com pequenas flutuações. Nossa cultura ansiogênica[3] também produz sofrimento desnecessário.

Acerca destas alterações diárias em nosso percurso de vida, podemos auxiliar os processos de aposentadoria de nossas colegas de trabalho. O melhor desta análise e do prolongamento da existência individual é perceber que as possibilidades ainda existem após aposentadoria. Alertar à/o aposentanda/o que ele/a mesma/o apresenta características que possibilitam sua continuidade de envolvimento no meio social e quais são elas, poderá evitar depressões, adoecimento e morte. Pode parecer exagero falar em morte pós-aposentadoria, mas o estudo da Psicologia do Envelhecimento nos mostra a adequação desta preocupação por nossa parte.

Enfim, mostrar às crianças que está tudo bem em errar, que às vezes não estamos nos sentindo bem e/ou que não estamos com iguais desempenhos todos os dias pode minimizar impactos dilacerantes nas novas gerações. Exemplos do próprio comportamento por parte de professore/as podem ter grande potencial positivo na construção desta aceitação pelas próprias falhas por parte da/os estudantes.



[1] Tradução livre.

[2] Capone, Vicenza C. Satisfação de idosos em ambientes de vizinhança de duas regiões do Distrito Federal. Dissertação apresentada em 2001, pp 09 - 11.

[3] Ver Sobre Ansiedade: https://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2024/11/sobre-ansiedade.html

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