Neste último mês, realizei algumas observações em uma turma específica por causa de uma criança. A turma contém outros estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem associadas a questões emocionais e familiares preocupantes. Ampliei meu olhar para toda a turma para possibilitar a detecção de informações que pudessem auxiliar os demais estudantes.
Por muita sorte minha, a
professora é apaixonada por sua profissão. Me parece uma intelectual e há potencial
para ser pesquisadora. É muito interessada por questões sociais e engajada na
militância em causas de minorias. É uma profissional atenta que demonstra boas
leituras do ambiente social e de seus estudantes. Durante a aula, ela ofereceu
um assunto novo e o anunciou classicamente: “eu gostaria que vocês prestassem
bastante atenção agora, por favor!”.
O fenômeno que eu nunca tive
observado saltou aos meus olhos: todos os estudantes (sim, eram todos meninos!)
que eu acompanho por terem dificuldades de aprendizagem desta turma olharam
para lados diferentes ao que a professora estava imediatamente à sua chamada de
atenção. Os outros, participativos, engajados e com bons rendimentos, estavam
com ela. Foi chocante para mim perceber tão nitidamente algo que deveria ter
sido óbvio para mim. Depois, comentando sobre meu achado com a docente, ela me
relatou que já havia percebido o fenômeno. Ela, entretanto, não poderia parar
para chamá-los de forma insistente, pois a maioria dos estudantes estava respondendo
ao chamado.
Em várias observações minhas
nesta turma, percebi que os estudantes que acompanho com problemas de
aprendizagem não se atentaram a explicações da professora. Estas crianças
desistiram de sua busca pelo objeto do conhecimento? Será que elas falharam
tantas vezes que sequer tentam?
Certamente, sua desatenção,
quando algo novo lhes é anunciado, prejudica sua compreensão e,
consequentemente, seu aprendizado. Algum mecanismo atua para que estas crianças
se dispersem justamente quando lhes é pedido o foco.
A atenção tem sido muito
estudada e treinada com o avanço das neurociências através de suas pesquisas e aplicações
em consultório. Será que o desvio da atenção quando esta é solicitada em grupo
já foi analisado? Já sabemos que a atenção é necessária para a aprendizagem. A
mente humana não absorve informação caso não haja direcionamento de sentidos
para a fonte. Independente da porta sensorial de entrada da novidade ou do
estímulo, a atenção à sensação que traz o novo é essencial para sua apreensão.
A fixação da informação é
compreendida de diversas formas conforme as teorias de aprendizagem mais
conhecidas por nós no Brasil. Me refiro a Freud, Piaget, Vygotsky, Wallon,
Althuser, Skinner. Professores relapsos já notaram que estudantes fazem a mesma
conta (em período de dez minutos, por exemplo) várias vezes sem perceber que
ela está anotada em seu caderno. E a aprendizagem se mostra fragilizada porque
não há envolvimento real com o objeto do conhecimento. A repetição não se torna
prática nem enfadonha. As crianças fazem as contas repetidamente sem perceberem
que é desnessária ou sem perceberem o que, de fato, estão realizando.
Minha alternativa ao fenômeno
quando ele ocorreu no foco da minha atenção foi fazer um contato tátil com a
criança que estava ao meu alcance, trazendo-o para o presente e indicando a
posição atual da professora fisicamente. Meu estudante estudado conseguiu
avançar com o meu cutucão em seu braço. Minhas intervenções imediatas ao
fenômeno têm sido bem-sucedidas. Entretanto, não posso garantir sua
permanência. Acredito que é necessário pesquisar mais sobre a fuga da atenção
para desvendar o funcionamento do mecanismo de dispersão. Outra crença minha é
a de que são diversos os motivos que fazem a atenção saltar para longe e,
provavelmente, cada uma das minhas crianças tem sua fonte de razões para se
afastar do conhecimento.
Há pouco tempo, avaliei um
estudante com dificuldade de aprendizagem acentuada. Este menino era muito
sociável, tinha muitos amigos e sempre era convidado para brincadeiras com os
demais tanto dentro de sala de aula, quanto no recreio ou na vizinhança de sua
residência, conforme a família me relatou. Sua dispersão em aula era notória.
Ele foi a criança mais desatenta que eu estudei. Ele não elaborava as
atividades escolares em casa. Na escola, a primeira tarefa da rotina era a
correção do dever de casa. Ele já sabia que a correção viria e não se dava ao
trabalho de respondê-la anteriormente.
Eu realmente não acho que
isto seja estúpido, mas muito pelo contrário, me pareceu até inteligente. Se o
professor dará a resposta no início da aula seguinte, para que eu vou perder
meu tempo de brincadeiras com vizinhos ou compartilhando ações com meu pai para
desenvolvê-las fora da escola? Isto me parece mais com um desentendimento dos
mecanismos escolares. Minhas professoras não conseguiram convercer esta criança
sobre a importância da elaboração dos exercícios escolares em casa. Simples,
não?
Este meu estudante passava a
primeira hora da aula conversando com seus amigos e copiando as respostas do
dever de casa em seu caderno de forma maquinal. Sem engajamento com o assunto,
ele não aprendia nada com a “revisão” evocada na atividade proposta pelo
professor. Todos os demais estudantes da turma já estavam em outra atividade e,
por vezes, assistindo a aula sobre assuntos novos enquanto ele estava copiando
o que era oferecido na lousa de forma atrasada.
Esta era a fonte de seu
problema de aprendizagem. Expliquei-lhe que havia tempo bastante para
brincadeira dentro de sala de aula. Ele poderia aprender, fazer as atividades e
brincar com os demais se estivesse no ritmo estabelecido pelo professor. Para
tanto, fiz um treino de atenção permanecendo ao seu lado desde o início da aula
por alguns dias. A auto-regulação de suas atividades foi treinada e a
dificuldade de aprendizagem foi superada. Ele precisou de um período de tempo
para chegar no mesmo nível dos demais de sua turma porque já vinha perdendo
conteúdo importante há mais de um ano letivo. Afinal de contas, o
encaminhamento para a minha avaliação só acontecia quando o problema de
aprendizagem já estava cristalizado. Com forte apoio da família acompanhando a
resolução dos deveres de casa, as tarefas chegavam respondidas e ele conseguia
seguir o professor. Depois de duas semanas, ele já realizava as tarefas de casa
sem auxílio do pai. Este apenas o lembrava do momento das tarefas.
Muito de problemas de
aprendizagem decorrem de defasagem de conhecimento curricular advindos da má
compreensão do funcionamento escolar. Algo muito básico como entender que a
professora anuncia questões de prova quando diz “prestem (muita) atenção ao que
direi agora!” não é conhecido pelo corpo discente. Esta ignorância acontece
inclusive na faculdade. Como algo tão básico pode passar desapercebido por
tantas pessoas mesmo depois de tantos anos na escola? Eu já testei a reação de
muitos estudantes com dificuldade de aprendizagem ao “revelar-lhes” isto. Suas
sobrancelhas sobem em sinal de surpresa à novidade.
Esta chave tão óbvia está
escondida. Por que será que as professoras não revelam o funcionamento dos
métodos escolares para seus estudantes? Ou será que o demonstram e as crianças
não conseguem perceber sua permanência através dos anos? Será que as
professoras conseguem sistematizar estas ações repetitivas em si e em suas
colegas de profissão?
Seja como for, o desentendimento do funcionamento escolar me
parece fonte de desistência por parte de muitos de meus estudantes. Sua
incompreensão deste mecanismo os afasta do conhecimento, provocando uma ruptura
com o sistema educacional. Mesmo sendo duas coisas formalmente independentes, o
funcionamento escolar e o conhecimento curricular dependem um do outro para se
manifestarem. Às crianças é negado seu conhecimento aprofundado, portanto seu
domínio é prejudicado. Somente alguns estudantes intuem e se adaptam ao sistema
educacional. A estes, o sucesso escolar fica garantido. À/os demais, resta
burlar o sistema através de colas, compras de trabalhos, conchavos e outras
formas de burla.
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