quarta-feira, 21 de abril de 2010

Reconhecimento de trabalho e frustração

Em nosso trabalho na escola, há uma grande questão referente à percepção da nossa produção por parte dos demais profissionais. Em geral, eles não identificam nossa contribuição. Esta dificuldade gera bastante frustração e devemos estar fortalecidas/os para não nos deixarmos abater por ela.

Há um psicólogo estadunidense bastante famoso, especialista em atendimento de grupo, que escreve romances baseados em sua experiência clínica. Seu nome é Irvin D. Yalom e seus livros mais famosos são Quando Nietzsche chorou e A cura de Schopenhauer. Atualmente, leio Mentiras no divã que também já está na lista dos livros mais vendidos. Em seu primeiro capítulo encontrei esta pepita que divido com vocês.

“– Se ao menos – continuou Justin – Laura tivesse aparecido anos atrás! Estivemos conversando sobre quanto de aluguel poderemos pagar. No caminho para cá, comecei a calcular quanto gastei com a terapia. Três vezes por semana por cinco anos. Quanto é isso? Setenta e oito mil dólares? Não leve para o lado pessoal, Ernest, mas não consigo deixar de especular o que teria acontecido se Laura tivesse aparecido cinco anos atrás. Talvez eu tivesse deixado Carol naquela época. E terminado a terapia, também. Talvez estivesse procurando um apartamento agora com oitenta mil dólares no meu bolso!
Ernest sentiu o rosto corar. As palavras de Justin soavam na sua cabeça. Oitenta mil dólares! Não leve isto para o lado pessoal, não leve isto para o lado pessoal!
Mas Ernest não deixou transparecer nada. Não piscou nem se defendeu. Nem apontou que, cinco anos atrás, Laura teria cerca de 14 anos e Justin não conseguiria limpar o traseiro sem pedir permissão a Carol, não conseguiria passar a noite sem telefonar para o seu terapeuta, não conseguiria escolher de um menu sem a orientação da sua mulher, não conseguiria se vestir de manhã se ela não deixasse as roupas separadas. E, de qualquer maneira, foi o dinheiro da mulher que pagou as contas, não o dele – Carol ganhava o triplo do que ele ganhava. Se não fosse pelos cinco anos de terapia, ele teria oitenta mil dólares no bolso! Que droga, cinco anos atrás Justin não conseguiria se decidir em que bolso guardar!” (1)

A partir desta romanceada descrição do que costuma acontecer no ambiente psicoterapêutico podemos perceber a abrangência do problema que temos em demonstrar os êxitos que temos em nosso trabalho. Nosso campo de atuação é a psiquê, trabalhamos o interior das pessoas, algo que não é visto, deve ser percebido. Nosso trabalho é lento, suave, processual.

Todos querem ver o resultado do nosso trabalho. O grande problema é que nós também queremos vê-lo fisicamente, de modo a mostrá-lo aos demais. Isto porque compartilhamos com as pessoas da nossa sociedade sua visão de mundo: concreta, numérica, palpável.

E quando o nosso cliente não demonstra perceber as mudanças em si mesmo, mudanças que ele/a processou com nosso auxílio, nas quais sofreu para executar, isto é mais sofrido para nós.

Sofremos porque o outro não percebe o que nós percebemos.

Devemos estar preparados/as para que os resultados do nosso trabalho sejam vistos como “estalos” no desenvolvimento do/a aluno/a, mudanças em casa ou motivo insabido. E é importante também atentarmos para saber como e com quem reivindicar a (co-)autoria da mudança. Quando mostramos alguma transformação assertivamente corremos o risco do rótulo de arrogância e provocar desconfiança.

Bem, delicadeza e sutileza são palavras que aparecem muito neste blog!

Mesmo não sendo uma tarefa fácil, creio que devamos nos esforçar para ajudar nossos/as alunos/as a se adaptarem ao mundo – mas não necessariamente ao sistema escolar – e mostrar às/aos colegas os progressos que ajudamos a provocar. Para fazer isso, acredito que a melhor maneira é oferecer retorno dos atendimentos regularmente nas reuniões de professoras. Escrevi sobre isto na postagem Devolutivas de atendimento de abril de 2010.

De qualquer maneira devemos nos preparar para enfrentar as frustrações inerentes a função de psicólogos já que, como ilustrei com a citação de Yalow, até mesmo os famosos e respeitados psicólogos clínicos estadunidenses passam por momentos de falta de reconhecimento.

(1) Yalow, Irvin D. (1996/2006). Mentiras no divã. Trad. Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, pp. 49-50.

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