sábado, 10 de abril de 2010

Devolutivas de atendimento

Em minha última postagem, citei a devolutiva de atendimento.

A devolutiva é a ação de retorno do atendimento realizado com o cliente alvo a quem solicitou o trabalho. Geralmente, na psicologia escolar, direciona-se ao/à professor/a e aos pais, que são os personagens que mais solicitam auxílio para os/as alunos/as. Como nosso trabalho é marginal (contrastando com central) na escola e sutil (quase ninguém nota a produção) é extremamente importante que os demais profissionais da escola, principalmente os professores, saibam que o atendimento está em andamento e quais foram as conquistas. Assim, a devolutiva é individual, mas deve haver retorno para o grupo de forma a apresentar a produtividade laboral evitando comentários maldosos, desnecessários de colegas ignorantes.

Considerando que uma escola pequena deve ter cem alunos e uma grande 1500, é extremamente importante anotarmos organizadamente os nomes dos alunos que nos foram encaminhados, por quem foram encaminhados, quando e por quê. A devolutiva deve ter estes itens como norteadores. Deve conter as ações tomadas, incluindo as frustradas (detalharemos em seguida), os avanços percebidos por nós, pelo/a pequeno cliente, pelos pais e pelo próprio encaminhante. Inicio as minhas devolutivas sempre questionando se houve mudança no comportamento foco da queixa na visão de quem encaminhou. Em seguida, aponto as ações conforme anteriormente citadas. É importante indicar as tentativas de atendimento porque há casos em que buscamos atender determinado aluno, mas o dito faltou à aula no dia, está realizando uma avaliação ou está recebendo lição inédita (matéria nova) no momento de nossa abordagem. Apesar de ser óbvio, digo que estas são ocasiões em que a pessoa que auxilia (psicóloga/o) não pode interromper a atividade principal do órgão (ensino: aprendizagem e avaliação). Nossa atuação é, então, interditada e fica suspensa até nova oportunidade, que pode ser no mesmo dia ou não.

A devolutiva não significa que o atendimento foi encerrado, ao contrário, informa que houve o primeiro contato com o alvo do encaminhamento e que surtiu ou não efeito. Muitas vezes, é na devolutiva que percebemos o efeito do nosso trabalho. Muitas vezes tive gratas surpresas, com agradecimentos fervorosos, enquanto cria que minha intervenção não havia incentivado qualquer mudança.

Em casos muito complexos, as devolutivas (sim, no plural) também têm função de acalmar as pessoas fontes da indicação mostrando-lhes passos dados na direção desejada. Atendi um caso que há muito angustiava nossa escola. Minha intervenção foi incisiva com encontros sistemáticos duas vezes por semana, uma em grupo e outra individualmente. No terceiro atendimento já se podia notar mudanças fortes no comportamento da aluna (K.). Obviamente ela não havia se tornado uma aluna exemplar e ainda estava longe disso. Mas como sempre dizemos, nossas varinhas de condão não estão funcionando. Mostramos então os avanços e informamos no que nos fixamos em várias reuniões particulares e coletivas com profissionais da escola e com a mãe da aluna. O primeiro efeito foi a permanência de K. em sala de aula, pois ela sempre arranjava uma desculpa para sair da classe e seu retorno ocorria sempre com escolta. Seu rendimento escolar já se mostrava comprometido daí. K. contava com uma liderança bastante aguçada e usava sua capacidade desorganizando os colegas, desconcentrando-os e desestruturando as professoras através de xingamentos a alunos do outro lado da sala, solicitação de favores descabidos, cantadas em colegas do sexo oposto, mentiras proferidas em tom de voz alta, subtração de objetos de professoras e colegas, entre outras ações. Fazer esta criança prestar atenção na aula exigiu passos lentos em direção a uma adaptação mínima de K. às regras da escola. Durante meses, em todas as reuniões de coordenação de professoras oferecemos retorno dos atendimentos a K. de forma a aumentar a paciência das docentes para lidar com ela. Acrescentamos que o comportamento perturbador de K. abrangia todos os servidores da escola que sentiam por ela pena ou antipatia total devido a seu costume de tudo pedir, sem cessar, além da sexualidade exacerbada. Bem, não acredito em um/a psicólogo/a que pudesse resolver o caso K. com rapidez ou totalidade, conforme o desejo das professoras.

Os avanços obtidos devem ser anunciados e comemorados para fortalecer a continuidade do atendimento ou do acompanhamento oferecido aos alunos. Nós, psicólogas e psicólogos, sabemos dos nossos esforços em direção a objetivos traçados pelos nossos clientes e seus encaminhadores. É fundamental que marquemos nossos ganhos frente aos outros profissionais. Friso esta questão devido a sutileza e a falta de entendimento sobre o impacto real do nosso trabalho sobre as atividades em uma escola. É importantíssimo que saibamos defender nossa área frente as demais para que a psicologia escolar seja reconhecida como necessária e consagrada socialmente.

Também devemos cuidar para não promover mudanças que nós consideramos importantes para os outros, mas perceber quais são os objetivos de quem tratamos e nos fixar neles. Também não é interessante trabalharmos para adaptar pessoas à máquina social de forma mantenedora do status quo. Devemos usar nosso treinamento em clínica para detectar a direção que devemos imprimir ao tratamento de forma a usarmos nossas técnicas em benefício do cliente em detrimento do desejo institucional, social ou parental quase sempre esmagador em qualquer outra instância, mas que deve ser cuidada na seção psicologia. Principalmente quando nossos clientes são tão frágeis como crianças de baixa renda, como as que ora assistimos.

Nosso trabalho se encerra quando atingimos o objetivo traçado pelo nosso cliente. É preciso saber se as mudanças são desejadas por ele/a, se concorda com os caminhos que sugerimos e se percebem as transformações em direção à meta final. Essa finalização deve ser devolvida para a pessoa que indicou inicialmente o/a aluno/a para nós de modo a apresentarmos sua evolução e conseqüentemente nosso trabalho bem feito, cuidadoso, delicado e sutil. Infelizmente, nossa área está em construção e nós devemos cuidar para consolidá-la, mostrar sua importância para que não mais ocorram intromissões em nosso setor de atuação por outros profissionais (favor consultar a postagem Projeto de Lei 3512 de 2008, de janeiro de 2010).

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