domingo, 9 de agosto de 2009

Angústia

A nossa profissão trabalha sobre a angústia.

A clínica psicológica nos ensina que se não há angústia, sofrimento, não há espaço para a mudança e, por conseguinte, para a cura. Esse espaço se justifica pelo incômodo que exige a transformação. A partir do momento que uma pessoa percebe seu sofrimento e este é de tal ordem que ela não mais suporta conviver com ele, então busca auxílio. Somente com o incômodo um indivíduo pensa em modificar-se. Apesar de forte e estranho, esse pensamento é constantemente corroborado pela clínica porque se há uma situação doentia na qual o indivíduo não se perturba, não haverá identificação de problema. Sem problema, não há necessidade de modificação. Não há espaço para cura.

Podemos fazer uma comparação com doenças físicas. O câncer é um ótimo exemplo do que falo aqui: a maioria dos tumores não doe, não apresentam sintomas, se ajustam a homeostase do organismo com perfeição e passam a atrapalhar o funcionamento desse quando inicia-se um total colapso. Por isso, o câncer é dito a doença silenciosa. Não há como a pessoa buscar auxílio, pois o problema está equilibrado, não há nada que a incomode.

Assim também ocorre com sintomas psicológicos. Algumas vezes os sintomas auxiliam na manutenção da vida sem a necessidade de busca de auxílio para sanar problemas.

Nosso campo de atuação profissional é o oposto deste. Nós buscamos justamente perceber onde estão os sintomas mesmo que não eles não estejam claros. Essa é a nossa ação preventiva. Evitar que o mal-estar se instale. Promover saúde mental na escola.

Essa busca é a nossa angústia.

Quando somos chamadas por um professor para atender um aluno ou um pai nos procura, temos um espaço de atuação já instalado. Colheremos as formas de solução do próprio discurso de quem vive o conflito. Quando o sujeito é o/a pai/mãe, nossa ação mostra-se bem facilitada. No caso do/a aluno/a precisamos mostrar a ele/a e aos pais que existe algo inadequado ou não saudável. Hoje, ocorre muito o discurso parental de impotência. Muitas mães dizem claramente não saber o que fazer com o/a filho/a. A plotagem O que espera a escola mostra um caso assim. Então, encontramos casos que vão de oito a oitenta, os pais não percebem qualquer problema ou já não sabem mais como abordá-lo, pois já tentaram de tudo e não houve resultado positivo.

Mas, o que fazer com a instituição que parece não conter problemas? Trabalhei em uma escola elogiadíssima por seus excelentes resultados. Muitos profissionais gostariam de trabalhar nela, inclusive eu. Ao chegar, realizei uma pesquisa diagnóstica com todos os atores da escola: professores, alunos, pais, servidores da limpeza e merenda, direção e corpo de apoio (profissionais que atuam fora da sala de aula apoiando o trabalho pedagógico). O formulário constava de três perguntas: visão geral da escola, seus pontos positivos e negativos. O principal resultado foi que a direção não funcionava. A escola era ótima porque os professores faziam muito bem o seu papel e, se a direção não atrapalhasse a escola seria uma das melhores da cidade. Como a direção não atuava, outros personagens faziam o papel dela e essa troca passou a contaminar todas as áreas da escola fazendo com que a troca de papéis se multiplicasse. O clima de trabalho era péssimo, pois a manutenção desse sistema se dava pelo pacto de silêncio entre os profissionais e as aparências eram mantidas por esse silêncio. A pesquisa quebrou este pacto por ser anônima e todos os grupos pesquisados mostraram a questão a ser trabalhada pelo psicólogo. Revelado o problema da escola, seus profissionais se negaram a participar das soluções propostas, a saber, cada um fazer tão somente o seu papel. A minha ação foi, então, tolhida e falhei na resolução. Digo falhei porque é nossa função elaborar meios para sanar as falhas. Mas também precisamos ser pacientes conosco mesmos e perceber que alguns sujeitos não desejam a saúde. Nesse caso não há ação possível porque não há angústia, não há reconhecimento de problema. Nossa angústia isolada não resolve e por isso não faz qualquer sentido. Deve simplesmente ser descartada.

Quanto à angústia preventiva, que evita dificuldades e problemas, esse é o nosso locus de trabalho e nossa principal ferramenta. Procurar sinais de desarranjos, comportamentos que suscitam ações doentias, atitudes comuns que preparam situações desarmônicas, associações que criam conflitos; são ações do psicólogo profilático. Sua ação é silenciosa e constante. Muitas vezes os demais profissionais não percebem sua importância e, mesmo sendo alvo da atuação, vêem em sua conversa um colega e não um profissional atuando com consciência, determinação e direcionamento.

Nossa atenção deve estar sempre ativa para que não entremos nos jogos institucionais e passemos a conviver com os sintomas normalmente, sem percebê-los. Quando isso ocorre, devemos nos afastar da organização, pois já não podemos prestar o melhor serviço. Não há mais angústia.

2 comentários:

  1. Vicenza, eu também sou da área da educação, mas não consegui suportar essas angústias. Eu quis sair fora mesmo. Eu não tenho paciência, nem forças para lutar contra isso. Por isso, eu te parabenizo por insistir nessa área tão difícil.
    Um abraço. Cristiane

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  2. Cris,
    obrigada pelo comentário e por ser minha seguidora.
    Apresente mais suas opiniões para que possamos crescer juntas!
    Se você ainda é da área da educação, acompanha este blog, está interessada em nossas questões então isto significa que você não se deixa abater tanto pelas angústias próprias desta área para desistir.
    Aliás é o que se diz da educação: é sofrido mas é comparável a um vício, não conseguimos nos desligar dela.
    Vicenza

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