sábado, 25 de abril de 2009

Acolher o problema

Nesta postagem usarei a primeira pessoa do singular porque penso ser um problema pessoal que pode auxiliar colegas e futuros colegas.
Tenho grande preocupação com as relações do psicólogo escolar interpessoalmente devido ao nosso campo de atuação se confundir com uma relação pessoal. Na atuação em clínica o setting diferencia a relação de todas as outras. Não sei como isto ocorre em outras áreas de atuação do psicólogo, mas na escola há uma grande cobrança quanto a nossa postura e temperamento. Qualquer agitação ou descontrole emocional compreensível em um colega de trabalho é inadmissível em um psicólogo. Por muitas vezes defendi minha humanidade, mas terminei vencida. Provavelmente devido a esta expectativa, tenho grande preocupação acerca da impressão causada por minha postura e fala.
Ao realizar uma intervenção em outro profissional, apresentar-lhe uma sugestão ou uma crítica, tomo extremo cuidado para que a relação estabelecida não seja maculada. Há grande receio de que se perca o contato ou que ele se fragilize a ponto de impedir novas intervenções, impossibilitar o acesso a algum aluno ou dificultar o trabalho psicológico de alguma forma.
Muitas vezes, nossas intervenções tocam elementos delicados da personalidade de nosso interlocutor. Apesar de parecer óbvio para o campo psicoterápico, no ambiente escolar falar de algo desagradável ou tocar não intencionalmente em um, pode trazer grandes prejuízos ao bom andamento das ações do psicólogo. Muitas vezes senti que não era compreendida pelo colega e, mesmo tendo escolhido cuidadosamente os termos, notava mágoa relacionado ao evento e ao tema.
Essa angústia me moveu para polir cada vez mais minha linguagem, postura, entonação de voz e, principalmente, pensar muito, muito antes de me expressar. Deixo claro que sou uma pessoa muito transparente e por isso a auto-censura que me imponho quanto a “expressão” refere-se ao seu mais amplo aspecto: oral, facial, gesticular, postural, respiratório. Bem, não há exagero, pois pelo nome que carrego é notável minha criação italianada.
Este esforço, entretanto, não reduziu os desgastes com os colegas. Passei, então, a analisar que outros elementos além de mim mesma poderiam esta presentes neste fenômeno. Considerei que há algumas informações que, quando dirigidas a nós diretamente, nos é tão agressiva que simplesmente a negamos ou não tomamos conhecimento dela. Para psicólogos essa é uma conclusão banal, corriqueira. Somos treinados para ouvir e detectar o que incomoda. Quando o repetimos, a reação acima é a que esperamos com tranqüilidade. Essa é uma das grandes contribuições da área clínica para o trabalho em qualquer área da psicologia.
Após esta conclusão esperei ficar tranqüila. Porém, isso não ocorreu. É por demais simples considerar que o desconforto pertence ao outro e não deve me afetar. Assim, prosseguiu minha angústia e, por conseguinte, minha pesquisa.
Tive então um confronto bastante difícil com uma professora com a qual tive todo aquele cuidado acima descrito: pensei se haveriam ganhos para o outro na informação prestada; quais seriam as melhores palavras para exposição; que momento seria oportuno; como abordar o assunto; que expressão facial usar. Passada em todos os crivos, apresentei a notícia. Inicialmente, aceita com tranqüilidade apesar de negada, dias depois foi motivação para o grande confronto.
Apesar do sofrimento mútuo com a situação, aprendi com ele que toquei em algo primitivo daquela pessoa... E sendo uma profissional de psicologia, o melhor a ser feito é acolher o sofrimento do outro que, ferido, busca agredir para defender-se. O principal aqui é que eu não precisava defender-me, mas simplesmente ouvir e fazer o outro se perceber ouvido. Clínica!
Para mim esta foi uma grande lição!
Digo isto com tanta distinção porque sempre há muita crítica sobre o fazer clínica no espaço escolar. Mas eis que precisamos, sim, usar da principal ferramenta da nossa ciência em um momento como este.

Um comentário:

  1. Oi, minha amiga!

    Muito bom o seu relato. Identifiquei algumas situações já aconteceram comigo. Você conseguiu expressar a percepção que passamos enquanto profissional da área da psicologia. Acho que na clínica a cobrança sobre a postura e temperamento pode ser mais impactante, mas esse "olhar diferenciado" para o psicólogo é inerente à imagem da profissão, independente da área de atuação (se clínica, escolar, organizacional, jurídica, hospitalar, acadêmica entre outras).

    Um abraço, Ludmila

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