quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ainda sobre o autismo

Os transtornos globais do desenvolvimento (autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, síndrome de Klinefelter) se mostram de modos diferentes em cada indivíduo. Ultimamente, o número de casos diagnosticados tem aumentado muito, possibilitando o pensamento de que há uma "epidemia". Na verdade, os especialistas apontam para uma maior sensibilidade por parte dos profissionais para identificar o transtorno. Porém, ainda há despreparo para identificar os sintomas por parte da maioria dos profissionais.

Ouço de mães e pais a dificuldade em encontrar um diagnóstico para seus filhos/as. Há muitas nuances relacionadas a este problema em particular. Um deles é o desconhecimento dos sinais que indicam problemas na criança por parte de profissionais da saúde. Há estudos que apontam indícios já na primeira infância. O Instrumento de Vigilância Precoce do Autismo: manual e vídeo de C. Lampreia e M.M.R. Lima, já resenhado aqui, apresenta os comportamentos que crianças exibem e que estão ausentes em indivíduos autistas. Infelizmente, não é sempre que encontramos pediatras interessados em transtornos deste gênero. Além disso, os sinais são sutis e podem ser percebidos como temporários.

Outra ordem de questões se relaciona a aceitação do problema. Há famílias que ignoram o diagnóstico. Não percebem comportamentos estranhos, anti-sociais, descontextualizados em seus pequenos. Justificam-nos frente aos questionamentos de amigos e parentes próximos. Lidam com os sinais autísticos como se fossem normais. De fato o são em seu filho, mas não são esperados ou aceitos socialmente. Esta ação dos genitores é justificada pela recusa em ver o filho ou a filha com anormalidades. Ou ainda, recusam-se a admitir um problema.

Há relatos de que bebês autistas são muito quietos. Os pais dos alunos que diagnostiquei apontam para pouco choro e boa adaptação na primeira fase da vida. Na verdade, os sinais podem ser interpretados como baixo envolvimento social, já que o choro é uma forma de comunicação e a peraltice, uma busca de conhecimento sobre o mundo. Além disso, o apego à rotina típico nas pessoas que apresentam transtornos globais do desenvolvimento (TGD) reduz o efeito devastador do problema quando respeitada pelos demais. Os pais também se acostumam com a rotina e a aceitam. Essa "tranquilidade" aumenta o tempo para se chegar a um tratamento adequado. Quanto mais cedo há um diagnóstico, mais rapidamente pode-se ter efeitos benéficos observáveis.

A universalização da educação, com obrigatoriedade de frequencia institucional, possibilita que as crianças entrem em contato com profissionais com outra formação, além da médica. Esta possibilidade permite que o estranhamento se concretize e se fortaleça, principalmente porque as/os educadoras/es comparam os comportamentos de seus alunos/as. Além disso, no caso do rendimento escolar não ser compatível com a turma, é obrigação das/dos docentes indicarem isto aos pais e a outras instâncias educacionais. Muitas vezes é este o momento em que o diagnóstico acontece.
Aqui exponho nossa responsabilidade enquanto psicóloga/os escolares. Precisamos ter noções de psicopatologia para identificarmos sinais autísticos e também devemos saber como anunciar a nossa suspeita de um diagnóstico tão difícil.

Os TGD não são considerados doenças e não há cura. A sociedade tem essa idéia de autismo. E ouvir que um filho pode ter esse diagnóstico não é nada fácil. Várias fantasias caem por terra. Os sonhos não são mais possíveis. As ambições com a criança devem ser reconstruídas. A simples suspeita de que a/o filha/o tem TGD pode levar a depressão, sensações de incompetência, pensamentos suicidas. Temos observado famílias se desintegrarem, casamentos serem desfeitos e afastamento paternos por dificuldades em aceitar ou se imaginar como genitor de uma criança com TGD.

A psicologia trata estas reações como o luto do filho saudável. Uma mãe me procurou, certa vez, e perguntou se esse luto tem prazo. Que tristeza! Não, não há. Não consigo imaginar como seria perder a minha mãe. Penso que choraria pelo resto da vida, sempre que me lembrasse dela depois que isso acontecesse. Talvez algumas pessoas sintam isto em relação a seus filhos/as com TGD. Elas não devem ser julgadas por se sentirem assim. Mais uma vez devemos ser empáticos/as, nos aproximarmos o máximo possível e acolhê-las em sua dor, em seu luto. A dor e o luto não são mensuráveis e não têm tempo. Faz parte do acolhimento dizer isto aos pais e às mães. Informar que eles podem chorar sempre por sua criança não ser como as demais, por não ter problemas que a maioria tem, que seu desenvolvimento acontece, mas de forma diferente. Eles não devem sentir culpa por ter estes sentimentos. Este acolhimento e posterior aceitação da emoção negativa possibilita um fortalecimento do/a cuidador/a da criança.

É extremamente importante observar cuidados ao se comunicar a suspeita e a definição do diagnóstico. Neste momento, é imperioso prever a dor dos genitores e acolhê-la. Não há como evitar tal emoção. Permitir que ela venha a tona e que possa ser experimentada é função nossa. A psicologia nos treinou para reduzirmos o impacto negativo da notícia. Temos obrigação de atuar neste sentido.

Estou sendo muito firme nesta proposição, porque já ouvi relatos de traumas advindos de diagnósticos apresentados de chofre. Muitos médicos não são treinados para oferecer este tipo de informação com delicadeza. E nós, psicólogos e psicólogas, não podemos nos furtar do nosso papel de facilitadores de emoções difíceis.

Nosso principal apoio são as possibilidades que se abrem após a nomeação da síndrome. As melhorias no processo de adaptação dos pequenos. As possibilidades de tratamentos com bons resultados. Quanto mais cedo for identificado o transtorno, melhor para o desenvolvimento do indivíduo. E os resultados positivos facilitam o enfrentamento por parte da família.

Como fiz anteriormente, indico o sítio do Movimento Orgulho Autista do Brasil (MOAB) e informo que há reuniões promovidas pelo MOAB entituladas Desabafo Autista. Nessas ocasiões, são convidadas todas as pessoas que, de alguma forma, estão envolvidas com o tema. Assim, mães, pais, psicólogos, professoras, diretores de escolas, orientadoras educacionais, terapeutas, autistas têm espaço para falar o que e como quiserem sobre sua vivência com pessoas com TGD. Essas reuniões são sempre emocionantes e esclarecedoras. Mostram-nos como é importante a possibilidade de auto-exposição quando nos encontramos em um lugar tão difícil tal qual o de cuidador de uma pessoa com TGD. Em Brasília, esses encontros acontecem uma vez por mês, preferencialmente nos terceiros sábados do mês. Indicarei a programação em breve.

Indico para leitura outra postagem deste mesmo blog:
http://atuarpsicologiaescolar.blogspot.com/2010/08/sobre-o-autismo.html
Neste endereço encontrarão o endereço do Movimento Orgulho Autista Brasil e links para o filme After Thomas: um amigo inesperado.