domingo, 20 de junho de 2010

Ecologia Prática

Estamos em uma era de cuidado extremo com a casa onde moramos justamente pelo fato de não termos cuidado adequadamente por muitos anos. O respeito pelo ambiente que nos cerca não envolve somente plantas e animais, mas pessoas que fazem parte dele. Sempre me considerei uma pessoa ecológica e neste blog mostro no Espaço Ecológico um pouco disso. Quando era menina me preocupava com a saúde da população de Cubatão e imaginava como poderia agir pessoalmente para salvar o planeta já que as baleias estão tão distantes fisicamente de nós.

Pois bem, no mês passado tive uma amostra do quão difícil este exercício pode ser. Um dos parques ecológicos do Planalto Central é o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Há um número imenso de cachoeiras lindíssimas, o cerrado é preservado e a comunidade é bem preparada para o turismo ecológico na sua principal entrada: o povoado de São Jorge, município de Alto Paraíso, Goiás. Pela proximidade com o DF, nós, brasilienses, vamos muito lá.

Assim, fui um final de semana para aproveitar a região usando minha bicicleta como transporte. Ainda não estou acostumada com ela, mas tenho certo preparo físico, pois me exercito correndo. Todas as pessoas que atendem nas pousadas, restaurantes, lojas e mercados são muito solícitas e preparadas para o turismo. Eu sou muito comunicativa e informei para algumas pessoas que me atenderam que eu pretendia ir a algumas cachoeiras de bicicleta. Todos eles foram unânimes em seu espanto e alerta de distância e dificuldade. Eu só pensava na quilometragem e ela estava dentro dos meus limites. Quando eu insistia que não seria tão difícil, eles respondiam que eu deveria estar preparada e desejavam boa sorte.

Meu primeiro passeio demorou mais que o dobro do tempo que eu havia previsto. Foi excelente! À luz do plenilúnio, cheguei a desligar o meu farol. Porém, em Brasília ando de bicicleta no asfalto, pouco relevo e em parques urbanos sem carro. Tive que enfrentar as costelas da estrada de terra, a poeira levantada pelos carros que passavam, defeitos da bicicleta e ladeiras impensadas. Minha inocência infantil manteve a graça do passeio.

No dia seguinte, deixei a magrela descansando e fui fazer trilhas a pé e depois de carro. No último dia, resolvi usar minha bicicleta novamente para fazer um passeio de seis quilômetros. Antes de vencer os três quilômetros iniciais, eu já estava pedindo ajuda ao altíssimo. Depois de ultrapassar a porteira de acesso, recebi as instruções dos donos da fazenda sobre as cachoeiras. Desci os outros três quilômetros com dor nos nós dos dedos de tanto frear. Mal sentava-me devido às costelas e aos buracos da estrada de terra. A vista era encantadora e os odores do cerrado fascinantes. As cachoeiras são fabulosas e descansei bastante antes de subir novamente. Não me senti a vontade para banhar-me devido à quantidade de pedras e ao receio de trombas d’água que ocorrem nesta época do ano.

Já chegava a hora de retornar. Sabia que seria difícil, por causa da decida bastante íngreme. Penso que fiz apenas duzentos metros sobre a bicicleta. Todo o trajeto foi feito empurrando o transporte sobre o sol seco do meio-dia. Nunca suei tanto! Durante a subida, meu companheiro sugeriu ir buscar o carro na cidade para me buscar. Meu herói! Ambos, quase mortos, chegamos ao portão da propriedade onde o filho do dono nos ofereceu água.

Enquanto eu esperava meu super-homem retornar, engajei uma conversa sobre a região com o responsável pelo local. Então perguntei sobre o horário de encerramento de visitação das cachoeiras. Ele informou-me que todos os proprietários de terras concordam em encerrar as atividades às cinco da tarde por causa dos bichos. Eu, ignorante, pensei que seria para proteção dos humanos. Ele prosseguiu informando que a maioria dos animais sai entre seis e oito horas da noite para buscar alimentos e/ou caçar. Se eles virem um bicho-homem, voltam à toca e não saem mais. Isto prejudica principalmente os filhotes em amamentação. As fêmeas nutrizes podem ficar fracas, e seu leite consequentemente, fragilizando a prole.

Fiquei espantada com a justa preocupação do nativo e a profundidade de seu conhecimento. Afinal, concluí, eles não estão preparados apenas para o lucro extraído da beleza natural de que dispõem. Também não estão preocupados com seus irmãos em espécie. Estes brasileiros sabem como proteger os animais que ocupam as terras das quais são responsáveis. Se ocupam e informam os desavisados (eu) sobre os perigos da região e são exigentes quanto a lixo e coleta. Em todas as cachoeiras que visitei, há avisos sobre o cuidado com resíduos, a proibição da coleta de plantas e da caça de animais silvestres. No parque é proibido inclusive catar pedras! Os guias são preparados para auxiliar pessoas com pouco preparo físico e salvamentos eventuais.

Expressei meu encanto pelo capricho e preparo do meu interlocutor. Informei o quanto me sentia desrespeitosa quanto aos avisos dos moradores de São Jorge. Elogiei o trato ecológico da população. Ele, então, se referiu à baixa preocupação do governo do Goiás com a região e expôs que talvez haja mais investimentos no local com a Copa do Mundo de 2014. Desfiou os planos dos locais sobre suas buscas de melhorias para receber os visitantes de todo o mundo que assistirão aos jogos sediados em Brasília.

Eu caí de amores! Além da aula de ecologia que tive, ainda fui agraciada com uma dissertação política. Estes cidadãos, além de preservarem nossa fauna e flora de forma a mantê-la para as próximas gerações, conhecem e estão preparados para os riscos do interesse político nas riquezas que guardam.

Em que essa minha viagem se relaciona ao tema deste blog?

É que não acredito na influência da escola sobre o profundo conhecimento destes indivíduos em relação ao seu habitat. A preocupação das pessoas com meu bem-estar físico de ciclista liga-se a solicitude da população. Os horários dos animais silvestres também não devem ter sido aprendidos na escola, senão com os habitantes mais antigos. A visão política e de planejamento com vistas a melhorias na região também, isto é certo, não são coisas que os brasileiros aprendem na escola.

Enfim, questiono aqui o papel real da escola para a formação da cidadania.

Como meus/minhas leitores/as sabem, sou mestre em psicologia, quer dizer tenho muitos anos de educação formal. Este meu conhecimento é restrito a algumas poucas áreas. De nada me valeu quando eu empurrava minha bicicleta ladeira empoeirada e ensolarada acima, após ter contrariado todos os profissionais que me sinalizaram de forma a evitar tal sofrimento.

Além do meu aprendizado de humildade, pretendo, com este texto, compartilhar minha aquisição de respeito aos nativos. São eles que conhecem verdadeira e profundamente as características do lugar, seja ele qual for. O respeito ao ser humano que habita o local onde estamos também é ecologia.

Um comentário:

  1. Vicky, adorei visitar a chapada através da sua dissertação, tão nítida e clara que me senti com vcs lá pedalando tbm ...rs !!E eu que não tenho nenhum preparo, fiquei com dores ...kkkk
    Beijos
    Nilvania

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