sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Utilizando a técnica da leveza

No início deste ano recebi a visita de um aluno muito querido. Ele não estuda mais na escola e eu estava com saudades dele. Esse aluno, que aqui chamaremos de K., é muito inteligente e perspicaz. Possui uma liderança competitiva e isto dava um pouco de trabalho para as professoras da escola que tinham que ser firmes na imposição de limites. Uma vez demarcados, K. não mais os ultrapassava. Isso também aconteceu comigo, quando ele chegava em minha sala queria ser atendido imediatamente. Quando começou a me atrapalhar, indiquei o que estava acontecendo e como seu comportamento prejudicava meu trabalho. Não foi necessário repetir.

Eu o atendia por solicitação dele próprio. Seus atendimentos eram longas sessões de lamúrias. Ele contava detalhes de brigas sem sentido com a mãe. Ela, pelos relatos dele e depois pela própria fala dela, parecia-me uma pessoa bastante imatura, que não colocava as regras claramente e que as mudava conforme sua vontade. K. terminava por não saber o que, quando, com quem ou como fazer qualquer coisa.

Muito carismático e dengoso, K. usava sua inteligência para manipular as pessoas. Além disso, usava as palavras de seus interlocutores contra eles mesmos. Usava tudo isto com sua mãe e seu padrasto de tal forma que os deixava sem argumentos e impacientes. A frágil estrutura familiar ruía sempre sob seu discurso para o qual nenhum dos dois adultos apresentava resposta. Creio na superioridade da inteligência e da maturidade de K. sobrepujando seus responsáveis.

Durante seus atendimentos, eu tomava cuidado para não demonstrar que ele parecia mais consciente e dominador das situações de conflito. Sua sensatez e entendimento dos eventos e da dinâmica familiar eram demonstrados pelos detalhes que apresentava das situações logo confirmadas pelo discurso materno. Caso eu demonstrasse para ele sua superioridade, sua forte personalidade não mais encontraria limites numa família tão frágil. Pelo menos é o que eu cria.

Depois de alguns dias de aula, K. apareceu cedo na escola pedindo para falar comigo. Notei que seu rosto estava inchado, mas pensei que fora devido a proximidade com a hora de seu despertar. K. me contou que por uma motivo ínfimo, seu padrasto havia batido violentamente em seu rosto. Ele resolveu tomar providências policiais, mas fora impedido devido a sua menor idade.

Em contato com a mãe, esta me disse que K. era muito irritante e que sempre avisou sobre a possibilidade de tal ocorrência. Não fiquei estupefata porque já a conhecia. Mesmo numa situação limite como essa, a mãe defendeu seu esposo. Também enfrentava uma crise laboral e mencionando-a a mim, afirmou que K. não poderia prejudicá-la e que ele não estava sequer pensando nela.

Relato este caso para acrescentar os exemplos de pessoas que lutam por saúde mental em seus lares psicotizantes. Há bastante tempo já acreditava na força do ego de K. que se mantinha altivo apesar das mudanças comuns de regras, de perdas de benefícios e atividades de lazer e do despotismo de seu par parental. K. auxiliava nas tarefas de casa, inclusive cuidando dos irmãos menores e nunca teve problemas na escola – nota ou comportamento.

Desde a minha primeira reunião com sua mãe, percebi a quantidade de ações ambíguas, sua imaturidade e a fraqueza do esposo para organizar o lar. Infelizmente, enquanto psicólogos/as não podemos informar todas as incongruências que nossos clientes cometem. Nesses casos, corremos o risco do cliente não mais voltar para o tratamento ou de considerar-nos insanos/as. Quando tenho pais de alunos/as com este perfil, estudo que comportamento a pessoa que atendo pode mudar com o menor sofrimento. A esta técnica chamo leveza. Dessa forma, o indivíduo consegue mudar e perceber a melhoria em sua vida. A partir daí alcanço a adesão ao tratamento. Nas visitas seguintes vou selecionando novos comportamentos que podem ser transformados sempre explicando à pessoa como tal atitude nova pode facilitar sua vida e mudar a dinâmica familiar.

Usei esta técnica com a família aqui estudada e tive bons resultados. Porém, tentei atingir o padrasto através da mãe e malogrei. Nosso aluno informou-me que sua vida estava bem mais calma quando saiu da escola. Seu retorno deveu-se a não evolução de sua família ou a uma resistência na mudança – talvez um retrocesso depois de um avanço. Infelizmente será difícil determinar o que realmente ocorreu neste momento, pois perdi o contato com K. Para mim uma grande perda porque foi uma pessoa que me ensinou muito com seus conflitos e também fora deles.

Há outro caso de sucesso meu que relatei aqui (vide Um caso de indisciplina severo). Neste caso também ouve retrocesso. A técnica utilizada era completamente diferente e se focava no comportamento do aluno (L.) e no fortalecimento da consciência de seus atos. Seu problema era agir e não reconhecer os efeitos como sendo seu sujeito, mesmo que testemunhas o apontassem. Apesar de parecer insanidade e de todos os demais profissionais da escola não acreditarem no que eu dizia, creio que L. realmente negava sua ação tão veementemente que desligava o ato de sua produção. Seu sucesso acadêmico e sua mudança comportamental foram imensos em dois meses. Porém, houve uma queda na seqüência e L. não mais aceitou que eu o acompanhasse impossibilitando o reconhecimento dos motivos do retrocesso. Esse recuo não significa dizer que o sucesso foi temporário ou tênue. Na verdade, acredito que houve mudança no comportamento de L. e que ele dispõe dos benefícios da transformação operada.

Assim, apesar da tristeza em me deparar com K. machucado e extremamente magoado com sua família e as reações das pessoas amadas, creio que auxiliei no desenvolvimento deste grupo de pessoa. Principalmente, acredito que influenciei positivamente K. no sentido de ter mais paciência com as pessoas que não têm o raciocínio tão rápido quanto o seu e de não tirar proveito delas.

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