domingo, 18 de abril de 2010

Necessidade de trocas afetivas

O contato físico entre os seres do reino animal é uma necessidade fisiológica. O psicólogo americano Harry Harlow desenvolveu uma pesquisa sobre afeto na qual bebês de macacos rhensus eram separados das mães e expostos a bonecos de arame que dispunham de alimento e uma cobertura acarpetada. A preferência dos bebês macaco sobre os bonecos foram testadas através de várias modificações nos bonecos. A conclusão de Harlow foi a preferência dos macacos pelo conforto do contato físico em detrimento do alimento e da boa aparência dos bonecos.

Os contatos sociais são mediados por contatos físicos e o envolvimento afetivo apresenta gradações conforme o nível da relação. Os bebês humanos dispõem de maior quantidade de contato físico do que qualquer outra idade, mesmo quando este contato não tem qualidade. A ausência de proximidade com outra pessoa gera distúrbios gravíssimos já descritos na literatura psicológica. A medida que crescemos, a quantidade de contato físico diminui mas deve ser mantida.

A sociedade brasileira é bastante afetiva e disponibiliza possibilidades diversificadas de contato físico. Porém, infelizmente, proíbe alguns. Lemos e interpretamos o comportamento de nossos semelhantes e fazemos nossas imagens das pessoas a partir daí. Uma proximidade muito intensa entre dois homens, mesmo na infância, é interpretada como uma preferência sexual. Os meninos são incentivados a evitar grande proximidade com outros do mesmo sexo desde tenra idade. Eles também são ensinados que muito contato com meninas também carrega uma interpretação forte. Suas possibilidades de afeto são, então, bastante restritas. A afetividade feminina é bem mais tranqüila, pois são permitidas demonstrações de carinho entre amigas sem julgamentos de sua orientação sexual. Com tantas restrições, suprir a necessidade fisiológica de afeto masculina torna-se complexa e os indivíduos criam novas formas de resolvê-la.

Considero ponto pacífico a nossa tendência de tomar como modelo a sociedade estadunidense. Este povo é bastante violento e demonstra esta preferência em tudo o que produz. Vemos em seus desenhos animados, filmes e músicas reflexos deste traço social. Nós, brasileiros, reproduzimos conforme nosso modelo. A violência em nossos recreios escolares é reflexo do consumo de produtos estadunidenses. É também uma resposta a dificuldade de suprir a necessidade afetiva que os meninos possuem.

Através de jogos (cada vez mais) violentos, as crianças resolvem sua necessidade de tocar-se. Não vejo meus alunos sentados próximos uns aos outros, lanchando. Mas percebo um conforto na fila da cantina, quando têm de ficar juntos para que outros não lhes perturbe a ordem. Temos as brincadeira de “lutinha” e as brigas efetivas que resolvem, em certo grau, o problema que aqui discutimos. As promessas de brigas e ameaças de agressão também são formas de conseguir proximidade com os colegas. Ninguém promete algo a alguém que não lhe provoca nada, que não lhe causa uma possibilidade de afeto. Quem trabalha em escola e tem uma sensibilidade mínima percebe como as brigas se repetem entre os/as mesmos/as alunos/as.

Psicólogos escolares devem estar atentos a demonstrações de afetos e ensinar formas de expressá-las adequadamente. Há mecanismos pouco explorados que podem ser apresentados às crianças de modo que elas consigam suprir suas necessidades e não sejam julgadas erroneamente pelos demais da escola, inclusive os adultos.

Os pais devem ser orientados também neste sentido. Eles são fontes de afeto permitido e devem ser incentivados a oferecê-lo. Muitas vezes a sexualidade exacerbada na infância e na adolescência tem sua origem no abandono afetivo dos filhos pelos pais. A necessidade de toque será suprida fora de casa de forma nem sempre saudável ou produtiva. E não basta dizer aos adultos que eles devem fazer algo, devemos informar como fazê-lo porque se eles não fazem é porque não sabem como, nem a importância que tem tal ato. Por mais instruída que uma pessoa seja muitas vezes lhe escapa elementos essenciais da natureza humana. Não me furto a expressar que muitos/as psicólogos/as não se atentam ao que estou dizendo aqui. Pode ser até que não saibam fazê-lo também.

Os jogos sexuais são excelentes formas de suprir a necessidade básica de contato físico. Eles são permitidos depois que adquirimos responsabilidades sociais. Porém, a complexidade social faz com que nos tornemos distantes uns dos outros e as trocas sexuais são fonte de grande sofrimento ao invés de afeto e conforto. Assim, adultos também são alvo das dificuldades de suprir nossa necessidade fisiológica de toque.

Há diversas formas de proximidade física aceitas social e, às vezes, coletivamente. Estar em um ambiente cheio de gente pode ser agradável pela possibilidade de troca de calor. Assistir a um filme em contato com a pessoa ao lado; andar de braço dado com uma amiga (homens e mulheres); conversar segurando a pessoa levemente no braço ou na perna; jogar bola (vale vôlei por causa dos abraços que sucedem os pontos); dançar com parceiro/a. Esses são os exemplos que me vêm no momento.

Devemos analisar como estão as relações familiares para estimular contatos físicos entre os entes ou ensiná-los a como tocar-se. Acrescento que há casos em que os casais precisam ser orientados também. Suprir uma pessoa de afeto saudável é fundamental para evitarmos desajustes provenientes do afeto poluído. Gravidez precoce, abuso sexual infantil, estresse, depressão podem ser evitados através de uma saudável troca de contato físico entre as pessoas. A família e os amigos são relações privilegiadas onde estas trocas devem acontecer.