quarta-feira, 22 de julho de 2009

O Poder Psicológico

Quando entramos em um ônibus, colocamos nossa vida nas mãos do motorista. A responsabilidade sobre a nossa segurança passa a ser de outra pessoa. O motorista do ônibus passa a ter um poder sobre nós e esse poder é por nós delegada a ele. Nunca encontrei uma pessoa que não se assustasse quando ouve essa idéia. Mas ela não é minha. E é tão verdadeira que está prescrita no Código Brasileiro de Trânsito. Assim, todas as pessoas que dirigem deveriam sabê-lo. Quando damos carona a alguém, passamos também a ter a guarda de sua segurança durante todo o período em que ele está dentro do carro, mesmo que a máquina esteja parada ou estacionada.

Nossa sociedade está cheia de exemplos de delegações de poder e nós, muitas vezes, sequer percebemos. Ao elegermos uma pessoa, mesmo que não votemos nela, estamos outorgando a ela a administração do que é nosso. É ela que, observando a cidade como um todo, decidirá quais são as prioridades e quanto deverá ser investido.

Mas o poder é nosso. Serei mais provocativa e direi meu. Eu tenho o poder de consertar a minha rua ou de decidir se o buraco que a chuva provocou no asfalto é mais importante do que construir uma calçada para ir ao parque, ou não. Eu tenho esse poder. Mas como eu preciso trabalhar todos os dias, quero descansar nos finais de semana e nem imagino como funciona asfalto e cimento, eu entrego a tarefa para outra pessoa.

Falo isso com bastante ênfase porque todos podemos resolver problemas. Trocar uma lâmpada no seu condomínio, por exemplo. Mas há alguém que é o responsável por isso. E se eu vejo a lâmpada queimada, eu vou avisar o síndico. Eu depositei o meu poder de resolver na pessoa do síndico. E quem quer ser síndico de condomínio? Ninguém ou alguém que perdeu o juízo. E para ser síndico não é preciso muito, basta querer e se candidatar na próxima reunião de condomínio. E sendo síndico, eu terei o poder de decisão sobre o meu condomínio, pois os demais condôminos delegaram seu poder a mim. Caberá a mim exercer o meu poder... ou não. Posso ter mil desculpas para não trocar a lâmpada. Ou trocá-la.

Assumir o poder de administrar o que é meu também é uma decisão minha. Porém, não deveria ser assim. Se outras pessoas delegaram o seu poder de resolução de problemas a mim, eu devo assumi-lo e realizar um bom trabalho pelo simples fato de estar num cargo de confiança. O voto é sempre de confiança. Aliás, voto de confiança deve ser pleonasmo vicioso.

Muitos alunos de psicologia angustiam-se ou simplesmente brincam com as expressões receosas de seus amigos quando descobrem o curso que estão fazendo. Psicologia! Demonstram seu medo de falar e agir livremente, pois o psicólogo poderá ler seus pensamentos. Isso permanece após a formatura. Por alguns anos evitei me apresentar como psicóloga devido ao grande impacto que isso causa sobre o interlocutor. No meu ambiente de trabalho, quando sou apresentada durante uma reunião, os olhos da pessoa atendida se abrem um pouco mais como se fosse apresentada a uma bruxa. Sua postura também muda.

O ser psicólogo carrega consigo uma delegação de poder da sociedade. Nossa cultura investe em nós o poder de descobrir o que está oculto, o que as pessoas evitam ver, perceber, sentir. Somos nós que tratamos do que não se pode dizer a ninguém. E nós podemos ouvir porque não diremos a mais ninguém. O Código de Ética do Psicólogo proíbe que o digamos, poderemos ser processados e até deixar de sermos psicólogos se falharmos com o sigilo. Nós podemos ajudar sempre.

Esse é um poder imenso. E foi-nos delegado. Mas não o foi gratuitamente. Recebemos treinamento durante, pelo menos, cinco anos. Cinco anos árduos, os meus foram! Mas cabe a mim usá-lo ou não.

Eu posso dizer aos meus amigos no bar: “imagina, eu não leio a mente de ninguém. Tenho uma colega psicóloga que nem em mente acredita.” Talvez isso faça com que a mesa do bar fique mais descontraída. Eu também posso dizer isso na mesa de trabalho, onde acabei de ser apresentada aos pais de um aluno com comportamento agressivo em sala de aula. Posso dizer: não temam, eu sou uma pessoa normal como vocês e usarei as suas informações e as técnicas que aprendi lendo para auxiliar o processo de aprendizado de seu filho. Pronto. Eu tenho o poder de fazer isso. Tenho o poder de usar o meu poder outorgado ou não.

Mas eu também posso usar o poder que aqueles pais entregaram para mim quando me olharam com mais cuidado ao ser apresentada. Faço isso mostrando a eles que estou atenta e lendo as entrelinhas do que dizem, as expressões faciais e corporais, as ênfases que dão a cada informação através de seu tom de voz, os sentimentos emanados a cada exposição. Buscando informações que não foram dadas ou que foram sugeridas levemente, chegando ao âmago da questão de maneira suave, mas firme.

Eu uso o poder que me outorgaram em benefício deles! O poder é deles e eu devolvo para eles. O resultado é o melhor atendimento que eu posso oferecer. Usando todos os recursos de que disponho, eu percebo mais do que os outros técnicos da escola porque este é o meu papel. Eu devo observar, sentir e perceber mais do que qualquer profissional porque fui treinada para isso, devo me esforçar para fazê-lo e bem feito. É um dever ético funcionar como instrumento para solucionar problemas subjetivos, emocionais, íntimos. Esse é o diferencial do psicólogo na escola e devemos usar o poder que nos foi dado. Se assim é, esse poder é nosso. Não o rejeitemos. Usemos.

O aumento dos olhos como sinal de atenção aguçada e a mudança de postura indicativa de receio são reações típicas de proteção. Essa defesa vai se desfazendo à medida que nos colocamos na posição de auxílio e pesquisa. A afetividade pode ser utilizada neste momento como instrumento para o estabelecimento do rapport. Após quebrada essa primeira barreira, a pessoa geralmente se entrega plenamente facilitando o nosso trabalho. Um contato bem feito no início de entrevista é primordial para seu sucesso final. À vontade, o sujeito possibilita que o nosso atendimento seja profundo e eficaz. Quando o resultado chega, além do benefício para quem atendemos, podemos degustar o manjar de ter realizado um excelente trabalho.